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O programa "Contra-corrente" de ontem, no Observador, foi bastante interessante.
Já tenho escrito aqui sobre o desfasamento entre a imprensa e a sociedade, tal como entre a academia e a realidade e até tenho falado de uma sociedade dual, cuja consciência me fez mudar a opinião sobre o serviço militar obrigatório.
A estratificação social muito marcada sempre existiu, e sempre houve pessoas cujo contacto com realidades sociais muito diferentes era praticamente inexistente (por vezes, activamente evitado) mas, aparentemente, a consciência dessa realidade era mais presente, como demonstra a história (verdadeira ou falsa é irrelevante para o argumento) da Rainha Vitória ir com as suas mais opulentas jóias visitar os bairros mais miseráveis, por entender que as pessoas queriam ver a rainha, e não a senhora dona Vitória (ela própria nunca se designaria a si desta maneira, trata-se de uma liberdade literária minha para dar expressão ao que quero dizer).
Havia, ainda assim, processos sociais que obrigavam a algum contacto entre realidades sociais diferentes, desde o contacto muito próximo de um grande número de criados e trabalhadores mais ou menos especializados e classes altas, até à guerra (Júlio César, como Napoleão, poderiam nunca ter contacto com as casas infectas dos seus concidadãos mais pobres, mas seguramente conheciam directa e razoavelmente bem, um extraordinário número dos seus soldados).
Para além de haver um complexo sistema de mediação entre elementos das diversas classes, de que são exemplo as cortes medievais, em que se procuravam representar as diferentes classes sociais, exactamente porque se reconhecia a dificuldade de um nobre representar interesses do povo, e vice-versa.
Aparentemente, com a estratificação nas escolas, com o abandono de espaços religiosos comuns, com a facilidade de deslocação que nos leva à estratificação dos tempos livres (a Condessa de Ségur ver-se-ia grega para escrever os seus livros hoje, porque as férias dos meninos ricos já não são em propriedades das famílias que forçavam o contacto com realidades diferentes), com a ausência de guerra ou, sequer, de serviço militar obrigatório, com a estratificação urbana, em que os criados já não vivem com as famílias que servem, e as famílias ricas esperam que "as senhoras que ajudam lá em casa" (para usar a fabulosa expressão de Francisco Louçã para designar a sua mulher a dias, sem expôr a sua condição de patrão privilegiado) consigam apanhar transportes que os tragam de onde moram, a mais de uma hora de distância, sem prejudicar os seus próprios horários, com a despersonalização do contacto em restaurantes que implica a entrega de comida em casa, etc., etc., etc., conseguimos manter a ilusão de uma sociedade democrática e aberta, ao mesmo tempo que, na realidade, parece haver cada vez mais gente sem qualquer contacto real e prolongado com grupos sociais que têm quotidianos radicalmente diferentes.
Para além de alguma mistura nas bancadas dos campos de futebol, das praias, dos centros comerciais, e mesmo assim bastante limitada, aparentemente, estamos a criar sociedades em que não nos conhecemos uns aos outros, crescentemente.
Talvez seja a altura de fazer um esforço para investirmos em mecanismos de contacto social menos cristalizado, uns mais voluntários (permitir que todos consigam escolher a escola dos filhos, sem grande relação com as condições económicas de base) e outros menos voluntários (o serviço militar obrigatório, por exemplo).
Não tenho soluções, mas não gosto do grau de ignorância que todos vamos tendo do dia a dia de tantos outros.
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