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"O facto dos enfermeiros estarem a ser pagos por um crowdfuding secreto, uma espécie de saco azul com contribuições sabe-se lá de quem - e quem sabe se dos grupos de medicina privada, que são quem está a lucrar efectivamente com esta greve - é um fenómeno novo que mancha o exercício do direito à greve.
Infelizmente, por muitas razões que tenham - e têm - os enfermeiros em greve estão a sujeitar-se à pior das suspeitas, a de que poderão estar a servir interesses concorrenciais com o Serviço Nacional de Saúde. Em nome da transparência, o mínimo era divulgar a lista de doadores."
Ana Sá Lopes, que é jornalista, resolveu suspeitar que a greve dos enfermeiros é financiada pelos grupos privados de saúde com o objectivo de destruir o Serviço Nacional de Saúde.
Pessoalmente acho uma suspeito profundamente estúpida (a suspeita, não Ana Sá Lopes, evidentemente) porque não vejo como esta greve destrua o Serviço Nacional de Saúde, não consigo perceber como os enfermeiros se poriam de acordo em destruir os seus postos de trabalho para beneficiar os accionistas privados dos grupos de saúde e não vejo a lógica empresarial de financiar o aumento dos custos do trabalho dos meus concorrentes que, por arrastamento, vai implicar o aumento dos meus custos de trabalho.
Mas saltemos por cima da minha opinião sobre a suspeita, admitamos que seria uma suspeita razoável, e discutamos o que seria normal um jornalista fazer quando tem essa suspeita, partindo do que diz Ana Sá Lopes no editorial do Público de hoje.
Diz Ana Sá Lopes que a greve é financiada por um crowdfunding secreto, demonstrando desconhecer por completo o que é um crowdfunding (é o problema de ter jornalistas com a cabeça no século XIX a escrever sobre o século XXI).
Como se pode ver aqui, o crowdfunding é tudo menos secreto, qualquer pessoa, incluindo Ana Sá Lopes, pode ir à página da campanha. E aqui tem a segunda campanha.
Se Ana Sá Lopes fizesse o seu trabalho de jornalista, em vez de se sujeitar à pior das suspeitas que pode pairar sobre um jornalista, a de que, consciente ou inconscientemente, está simplesmente ao serviço de interesses políticos que pretendem manipular os seus leitores, em vez de estar ao serviço dos leitores, abriria as páginas on line das campanhas num separador que diz "comunidade".
Aí poderia ver que houve 14 415 doações a financiar 360 297 euros, o que dá uma média de 25 euros por doação, das quais apenas 178 doações foram superiores a 100 euros (para a segunda campanha, os números são os seguintes 10 842 apoiantes, a financiar 423 945 euros, o que dá uma média de 40 euros por doação, das quais só 636 foram superiores a 100 euros).
Mais relevante para discutir a suspeita levantada por Ana Sá Lopes (muito bem acompanhada por muita gente com medo dos movimentos orgânicos da sociedade que fogem ao controlo do Estado ou das instituições que rodam à sua volta, como os mais que opacos sindicatos cuja representatividade é activamente escondida com o argumento da confidencialidade necessária à manutenção da liberdade sindical e à protecção dos trabalhadores) é verificar que o tal crowdfunding secreto, com doações sabe-se lá de quem, só tem 2 983 doadores anónimos (na segunda campanha, 2 318) podendo facilmente Ana Sá Lopes, se quiser fazer o seu trabalho de jornalista, e se tem estas dúvidas excruciantes, pegar nos outros milhares de doadores não anónimos e verificar, por amostragem, se correspondem ou não a pessoas concretas (diz-me quem fez isso que não encontrou ninguém que não fosse quem dizia ser, como aliás é normal nas campanhas de crowdfunding, seria completamente estúpido montar uma campanha de crowdfunding, que obriga ao registo de todos os participantes, incluindo o registo de todas as transferências de dinheiro, quer na plataforma, quer no sistema financeiro, para financiar secretamente o que quer que seja).
Se Ana Sá Lopes se quiser informar sobre a novidade da criação de fundos de greve, pode começar por ler um post de Raquel Varela sobre o assunto, onde facilmente descobrirá que o financiamento de greves pela comunidade tem alguns cem anos, pelo menos.
E se está mesmo preocupada com a saúde do Serviço Nacional de Saúde, o melhor mesmo é ir falar com os verdadeiros responsáveis pela sua degradação real: António Costa, que é o primeiro ministro responsável pelo subfinanciamento do sistema, em especial no que diz respeito ao investimento, Mário Centeno, que é responsável por executar uma política enganosa de inscrição de verbas no Orçamento de Estado e posterior cativação com escasso escrutínio público (incluindo de jornalistas fortemente empenhados em escrutinar o que por natureza é transparente), Marta Temido, que resolve reduzir a qualidade do serviço e aumentar o custo, como no caso do hospital de Braga sem que Ana Sá Lopes lhe pergunte insistentemente pelos estudos que justificam a decisão, os responsáveis pela ADSE que alimentam a quimera de que o Estado está a financiar os privados através da ADSE, quando o dinheiro da ADSE não é do Estado, é um fundo integralmente pago voluntariamente pelos trabalhadores do Estado que aceitam descontar 3,5% do seu ordenado para não estar estritamente dependentes de um Serviço Nacional de Saúde que pagam através dos seus impostos, mas que nem sempre corresponde às suas necessidades (o que significa que no dia em que a ADSE deixar de entendida como uma vantagem, por ser apenas usada para financiar o SNS, a ADSE deixa de ter dinheiro porque os seus utentes a abandonam), etc..
Saco azul, Ana Sá Lopes?
Saco azul foi que o Belmiro de Azevedo instituiu para financiar o Público, isso sim, é um saco azul que, por respeito pela grandeza de Belmiro de Azevedo nesse gesto, lhe competiria a si homenagear fazendo o seu trabalho de jornalista com o mínimo dos mínimos de profissionalismo e dignidade, em vez de escrever o que escreveu neste editorial.
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