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Restos mortais de informação

por José Mendonça da Cruz, em 19.12.23

Há anos, em tempos, o Jornal de Notícias foi um jornal generalista no sentido mais honroso do termo, um broadsheet magnífico que não desaproveitava o espaço, aliás, necessitava dele. É que, além das notícias nacionais, o JN noticiava tudo o que se passava no Norte, desde um acidente de viação menor até ao obituário de um cidadão comum. Como para o antigo New York Times antes de tornar-se militante de causas, podia-se dizer do JN que se não vinha lá noticiado era porque não tinha acontecido.

Depois, como a maioria dos media portugueses, o JN diminuiu de tamanho físico e ético, para adoptar o comportamento da moda: enfeudamento à esquerda, enviesamento sem limite, agendas especiosas e adjetivadas, omissões selectivas, etc.

Há dias, na Sic, uma repórter constatava, perplexa, que a inflação era de 2% e já não de 8 ou 9%, e que, no entanto, «os portugueses ainda não o sentem na carteira», sendo, portanto, que para a repórter, quando os preços em vez de subirem 10% sobem 2% os portugueses poupam imenso.

Há dias, na mesma Sic, a notícia sobre o fecho de urgências e as filas de espera de horas nas que estavam abertas, começava com a frase: «O ministro da saúde está preocupado...» -- sendo que para a Sic a notícia era, portanto, não o caos nas urgências, mas a preocupação do Ministro.

A mesma Sic hoje, interroga-se se o ministro da Saúde quer ou não ser ministro da Saúde do próximo governo, que a Sic sonha, portanto, socialista. Na Sic, qualquer socialista tem longos minutos de antena. Já as declarações de qualquer membro da oposição são omitidas; ou então transmitidas com abundância de adjectivação e reservas; ou então atalhadas com frases do tipo: «Foi o essencial das afirmações de...»

Hoje, na TVI e na Sic, as declarações de Passos Coelho sobre o legado de Costa foram imediatamente acopladas ao comentário que sobre elas faz José Sócrates. E, não contentes, os «jornalistas» foram esperar António Costa à saída de um jantar de Natal do PS para que ele dissesse também o que pensa (e lá obtiveram a palavra «azedume», com o sorriso cínico do costume). Na RTP, por sua vez, um pivô sugeria a um entrevistado que as palavras de Passos Coelho condicionam o PSD.

E, depois, os telejornais da Sic, e da Tvi, e da RTP embebem-se no jantar de Natal do PS, espojam-se no Natal do PS, para ouvirem mais Pedro Nuno Santos, e mais António Costa, e mais quem venha ao pé de microfone satisfazer-lhes o enlevo socialista.

Na RTP3 a audiência sobre o caso EDP é anunciada em rodapé com o chamariz «três governantes ouvidos» no tribunal, sem distinguir obviamente, os que são ouvidos como testemunhas.

Nos intervalos de comentário da Sic, Ricardo Costa, irmão de António Costa, mostra-se especialmente activo na crítica à justiça no caso do irmão, e no enunciado da lista dos problemas que, segundo ele, o PSD tem.

E nos telejornais todos, os «jornalistas» excitam-se com Santos e Carneiro, com a eleição de Santos, o futuro de Santos, as visitas de Santos a oficinas ferroviárias, e as medidas que o ministro da saúde diz que teria tomado se o governo não tivesse acabado tão cedo, e as vantagens que a ministra das pescas conseguiu para as mesmas, e as descobertas do ministro da educação à última hora etc., etc., etc. E a cada crítica do PSD, da IL, do Chega, do Bloco, do PCP, os telejornais adicionam alguma réplica de algum ministro socialista. Já o que algum ministro diga, vale como ouro de lei.

Há dias, o pessoal do JN veio à rua manifestar-se contra a ameaça de despedimento, e lamentar o futuro incerto do jornal. Televisões, rádios e jornais vivem com dificuldades e subsídios socialistas (mas o CM, não. Mas o Observador, não). E isto, que há tempos me suscitaria alguma solidariedade corporativa e retroativa, deixa-me hoje indiferente. Aliás, decidi que depois das eleições, e seja qual for o resultado, deixarei de ver telejornais, deixarei de ser destinatário dessa mistura geral e abjecta de ignorância, iliteracia e parcialidade -- uma contribuição mínima, mas honrada, para a baixa de audiências.

Ontem, ao ver um filme de qualidade num canal pago, chamaram-me a atenção as várias barragens de publicidade, que ali estão seguramente, porque os anunciantes sabem que têm ali audiência. E isso alegrou-me por ver que não estou sozinho no repúdio ao que não presta, por um lado, e na adesão ao que vale a pena, por outro. 


11 comentários

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De lucklucky a 20.12.2023 às 08:12

Isto é o nível de contacto com a realidade que escreve um jornalista de um jornal como o de The Guardian fundado em 1821...


"Fundamentally, socialism is about buying affordable consumer products. Are you an Android user? That's socialism. Do you have a Dell? That's socialism. Shop at H&M? That's socialism. The more expensive your stuff is, the more capitalist it is. Marx lays this out in Capital."



https://twitter.com/OsitaNwanevu/status/1736630427853492272
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De Ricardo a 20.12.2023 às 08:48

No meio de tanta falência jornaleira há um jornal Frankenstein para o qual não parece haver à vista o funeral, o "nosso" Publicuzinho bem alimentado pela sonae.
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De urinator a 20.12.2023 às 09:08

a CS no aspecto politico apoia o ps que se apresenta como comissão liquidatária da economia do país.
verdadeiros Mastins Napolitanos do social fascismo degradante.
'o Diabo está sempre atrás da porta'
'o social fascismo morre de velho e D. Imprudência vai ao enterro'
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De Ricardo a 20.12.2023 às 09:31

Então a Sic não é do grupo Imprensa do sr Balseberg,fundador e senador PSD e ocupante honorário no conselho do estado a que chegámos? 
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De lucklucky a 20.12.2023 às 20:44

As coisas mudam, as pessoas mudam. Balsemão não é na pratica do PSD já desde Cavaco que sempre achou um rustico. Uma parte da politica em Portugal é classista, familial e local. Cavaco veio do Algarve sem aliados nas familias lisboetas...
Outra parte é ideológica,  Balsemão tem comentadores da extrema esquerda no Expresso, não tem nem alguém que se aproxime sequer da extrema direita.
Os correspondentes estrangeiros no Expresso sempre foram de esquerda ou extrema esquerda.
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De O apartidário a 20.12.2023 às 09:37

"Depois, como a maioria dos media portugueses, o JN diminuiu de tamanho físico e ético, para adoptar o comportamento da moda: enfeudamento à esquerda, enviesamento sem limite, agendas especiosas e adjetivadas, omissões selectivas, etc."  -----------------------------------------------------------  Exactamente, e fazem-no em nome, claro está, das igualdades e das liberdades selectivas e progressistas.
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De Anonimo a 20.12.2023 às 11:14

Não conheço o JN em particular, mas dos jornais que lia, o maior problema é mesmo a falta de qualidade. De tudo, desde conteúdos a quem escreve. Uma mistura de propaganda, redes sociais click-bait, e Nova Gente. Assuntos sérios tratados superficialmente, exploração exaustiva de um tópico (que "descobrem" após apurada investigação) até o largarem assim do nada, falta de formação dos jornalistas e restante pessoal.
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De Ramiro Carrola a 20.12.2023 às 18:43

Os nossos media já não escondem a sua desonrosa subserviência ao PS e à sua clique política e politiqueira que, tão infamemente, nos trouxeram até aqui...
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De lucklucky a 23.12.2023 às 09:34

Não é subserviência. Eles são do mesmo clube.
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De passante a 20.12.2023 às 18:54

depois das eleições, e seja qual for o resultado, deixarei de ver telejornais


Algum dever profissional que o obrigue a sujeitar-se às sevícias?


O camarada Jefferson, apesar de preferir que existissem jornais, sabia o que valiam:


 “… the man who never looks into a newspaper is better informed than he who reads them, inasmuch as he who knows nothing is nearer to truth than he whose mind is filled with falsehoods and errors. He who reads nothing will still learn the great facts, and the details are all false.” 
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De João Brandão a 20.12.2023 às 20:21

Os jornalistas dessa tal informação são, no meu ponto de vista, cúmplices activos na 'construção' do miserável estado a que chegámos.  

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