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Há algum tempo, pediram-me para olhar para uma lista de prioridades de conservação da natureza e dela constava, na lista de espécies prioritárias para acções de conservação, a lontra.
É certo que há umas décadas atrás a lontra, nos meios da conservação, era um símbolo, não só pela espécie, mas pelo que se entendia que representava de boa qualidade das linhas de água, ao ponto de a Convenção de Berna (e o Conselho da Europa) a adoptar como logotipo e símbolo mas, em Portugal, nem nessa altura a lontra estava especialmente ameaçada, e muito menos está hoje, sendo uma espécie que vulgarmente se encontra mais ou menos em qualquer lado.
Perante a minha radical e expressiva oposição a que esta espécie estivesse numa lista de prioridades de conservação, a pergunta central que me fizeram não foi sobre a fundamentação da minha posição radical, mas se eu sabia quem a tinha incluído na lista.
Não sabia, nem hoje sei - o que aliás diz muito sobre a solidez institucional da lista, cuja autoria e fundamentação se considera irrelevante - e lembrei-me desta história a propósito do Data Center e das gémeas.
O país, de forma mais profunda na administração pública mas é uma característica do país globalmente, é assim, olha muito para quem diz ou faz o que quer que seja, e pouco para o valor do que é dito e feito ou para as razões para que seja dito ou feito, é um país de muito respeitinho.
Num país mais institucional, com instituições melhores e mais fortes, consequentemente com mais liberdade e menos respeitinho e reverência, uma cunha seja de quem for esbarra mais facilmente num "não" rotundo.
Não há sistemas perfeitos e todos os sistemas são permeáveis às influências, à corrupção, ao tráfico de influências, etc., é da natureza humana, o que há é sociedades, sistemas e regras mais permeáveis e menos permeáveis.
Voltemos ao exemplo da marcação de uma consulta médica.
Em sistemas de saúde mais eficientes, a marcação de uma consulta não é um problema e a marcação de consultas urgentes tem regras bem definidas e oleadas.
Nestes sistemas, a proximidade em relação a quem está dentro do processo de marcação de consultas não é grande vantagem, porque toda a gente é atendida em condições razoáveis e, provavelmente, existem mecanismos de reclamação e controlo em que as pessoas confiam e usam, quando lhes parece que alguma coisa corre mal.
Mas em sistemas em que marcar uma consulta pode ser um inferno, com prazos inaceitáveis, é da natureza humana que quase todos nós (o número de santos é muito pequeno no conjunto da humanidade), depois de esgotados os mecanismos normais sem resolver o problema que se considera urgente, procure soluções informais que garantam a consulta em prazos razoáveis, o que confere a quem marca as consultas um poder ilegítimo de beneficiar uns e prejudicar outros.
É o caldo de cultura destes sistemas que facilita os abusos e os grandes abusos.
Claro que é preciso averiguar o comportamento individual de cada uma das pessoas que participaram nos processos do Data Center ou das gémeas, avaliando se alguém tomou decisões ilegais ou que, sendo legais, são moralmente ilegítimas, mas o essencial do que nos devia preocupar não é isso, esse é o trabalho da polícia e dos tribunais, o que nos devia preocupar é a discussão das regras institucionais que limitem o poder de quem pode decidir.
Por exemplo, no caso das gémeas, o que nos devia preocupar não são as razões que levam alguém a tentar ultrapassar as regras, essas existirão sempre, mas a cultura de respeitinho por um pedido de um presidente, um ministro, um secretário de estado, um administrador de uma empresa, um locutor de televisão, um futebolista ou simplesmente do primo da cunhada da nora da senhora dos bolos.
Dizer que não é uma chatice e, de maneira geral, bem mais difícil que dizer que alguma coisa se resolverá, portanto as regras devem ter como objectivo alargar as circunstâncias que nos permitem dizer que "há sempre alguém que resiste/ há sempre alguém que diz não".
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