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Faz hoje 40 anos que se realizou o último ou um dos últimos (não fui verificar, acho que foi o último) conselho de ministros de um governo, o VIII governo constitucional (até dói, comparar a lista de membros desse governo com a lista de membros do governo actual, de tal maneira é diferente a qualidade dos governantes).
Convém lembrar que o primeiro ministro, Pinto Balsemão, tinha pedido a demissão em Dezembro de 1982, o presidente da república tinha recusado nomes alternativos para o substituir, tinha acabado por dissolver o parlamento e já tinha havido eleições, em 25 de Abril de 1983 (Eanes tinha imposto que o governo apresentasse o orçamento de estado antes de se ir embora), o PS tinha ganho as eleições e iria formar governo em breve (tomou posse a 9 de Junho, daí a minha convicção de que este foi o último conselho de ministros do VIII governo constitucional, a que aliás, se não me engano, faltaram grande parte dos ministros).
É este o contexto em que o governo aprova o diploma da Reserva Ecológica Nacional, numa característica jogada política de Ribeiro Telles, que sempre teve uma grande capacidade para aproveitar oportunidades de fazer progredir a sua agenda política.
O diploma é tão feito em cima do joelho, que o diário da república diz que o conselho de ministros foi a 26 de Maio de 1984, apesar de ser promulgado a 8 de Junho de 1983 (no dia anterior à tomada de posse do governo seguinte).
Não é só nessa gralha que se percebe que o diploma, do ponto de vista da técnica legislativa, é péssimo, todo o diploma é uma mera declaração de intenções, sem qualquer norma que possa ser realmente aplicada e fiscalizada.
De resto, o diploma nem tem regime sancionatório, portanto as normas que dele constam não passam de pias declarações de intenções, não correspondem minimamente ao que se pretende que seja uma lei.
O artigo terceiro do diploma, que define o seu regime, é exemplar na demonstração de que o diploma era, na sua versão original, uma mão cheia de nada: "Artigo 3.º (Regime da Reserva Ecológica) 1 - Nos solos da Reserva Ecológica são Proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas funções e potencialidades, nomeadamente vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações, destruição do coberto vegetal e vida animal. 2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as utilizações e ocupações, a definir em diploma regulamentar".
Traduzindo a norma, não se pode fazer nada que diminua ou destrua conceitos técnicos altamente discutíveis e discutidos, excepto se for permitido através de uma regulamentação que não existe (funções e potencialidades de uma lista de situações que misturam territórios consensualmente frágeis, como dunas, e territórios resilientes, como encostas com declives superiores a 25%, cujos limites são mais que indefinidos, por natureza, e que o diploma pretende definir tecnicamente, como áreas de infiltração máxima definidas pela sua natureza geológica).
Todo o absurdo do diploma - não é caso único de diplomas absurdos na área do ambiente, o meu preferido é o que institui o Parque Natural do Centro, com a delimitação que o diploma refere, mas este tinha desculpa por ser de 1975, de um governo de Vasco Gonçalves - só pode ser explicado pelas condições particulares que permitiram a aprovação do diploma: o último conselho de ministros de um governo que está há seis meses em funções de gestão, a que faltam boa parte dos ministros desse governo, depois dos partidos que o apoiam terem perdido as eleições e assinado apenas por dois ministros (fica-me a dúvida sobre quantos ministros participaram neste conselho de ministros).
Sem surpresa, o diploma dá origem a dois fenómenos: 1) a sua não aplicação, por manifesta impossibilidade; 2) aos permanentes protestos por acções, maioritariamente de construção e infraestruturas, que, pelo menos em tese, violam o disposto no diploma, e sobre as quais há oposição social, maioritariamente por grupos ambientalistas.
Quem quiser perceber bem de onde vem todo o suporte teórico do diploma, que está essencialmente certo, como suporte teórico de ordenamento do território e gestão da paisagem, mas não chega para fazer um diploma com cabeça, tronco e membros, que tenha suporte social, pode ler o trabalho que sintetiza as ideias que Caldeira Cabral tinha introduzido em Portugal, a partir da sua formação na Alemanha dos anos 30: "Plano de Ordenamento Paisagístico do Algarve", de Viana Barreto (director geral do ordenamento do território no momento da aprovação do diploma da REN, e meu professor na mesma altura), Álvaro Dentinho e Albano Castelo Branco, de 1969.
A combinação de inaplicabilidade do diploma, e solidez dos fundamentos de ordenamento do território que lhes estão na base, levam a uma revisão profunda do diploma em 1990.
Infelizmente, o que está certo no diploma original, a ideia de que a cada realidade devem corresponder acções que não afectem as funções e potencialidades de cada sítio, é completamente arrasado pela preocupação de eficácia legal, numa altura em que os tecnocratas da aplicação de regras administrativas como instrumento de gestão de paisagem tinham substituído as ideias anteriores de fazer corresponder a cada sítio a sua vocação.
É assim que o diploma da Reserva Ecológica Nacional se transforma na negação do ordenamento do território, ao aplicar a realidades completamente distintas o mesmo regime, independentemente de depois se fazer a previsão de um complexo processo técnico, altamente burocratizado e controlado por gente que percebia mais de normas administrativas que de gestão da paisagem, ignorando que o alfa e ómega do ordenamento são as pessoas e é para as pessoas e a sua vida banal que as normas devem ser pensadas.
Inevitavelmente, perante o resultado absurdo da aplicação de normas estúpidas, a contestação permanente ao regime da reserva ecológica tem convivido com sucessivas alterações do diploma (oito versões) que culminam na sua revogação em 2008 que, por sinal, também já vai na sétima versão.
Mais uma vez, infelizmente, o sentido das alterações é dominado pela preocupação de eficácia jurídica do diploma, sem grande consideração pela natureza da realidade a que se aplica, mantendo os pecados originais da ideia, e acrescentando-lhes muitos mais, como se a tarefa de ordenar o território e gerir a paisagem (em rigor, deveria ter trocado a ordem destes dois conceitos) fosse uma questão no normas administrativas e não uma questão da vida quotidiana das pessoas, que está indissociavelmente ligada à economia da paisagem.
E é aqui que chego à Reserva Agrícola Nacional, ou melhor, à defesa dos solos férteis do país, um conceito anterior ao de reserva ecológica, muito mais bem definido, mas com mecanismos legais e administrativos de aplicação opacos, corrompidos, ignorantes e sem relação, mais uma vez, com o enraízamento social dos problemas de gestão da paisagem.
Misturar a necessária defesa dos solos agrícolas e da gestão sensata da fertilidade no país com a defesa, acrítica, daquilo que é hoje a Reserva Ecológica Nacional é contaminar a defesa do solo agrícola com os equívocos da reserva ecológica, enfraquecendo o já frágil apoio a políticas eficientes de gestão da paisagem que sejam capazes de encontrar soluções para a imprescindível defesa do património natural que os solos férteis representam.
E é por isso que não assino esta petição, a sua base até vai, em grande medida pelo caminho certo, mas a recusa do movimento ambientalista em reconhecer que todo o edifício jurídico e administrativo construído com base nos diplomas da reserva ecológica nacional não passa de uma ruína imprestável que é preciso demolir de vez, contaminam irremediavelmente os pontos positivos e adequados de defesa dos solos agrícolas.
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