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Receita para uma carta mentirosa e enganadora

por José Mendonça da Cruz, em 13.02.15

Antiquados, estranhados com o Mundo de hoje, saudosos da economia parda e do «crechimento» com dívida, nostálgicos dos exercícios literário-onanistas em que a oposição ao Estado Novo se perdia, com uma persistência impenitente em previsões e análises falhadas e desmentidas, 32 plumitivos assinaram uma carta ao primeiro-ministro de Portugal pedindo-lhe que faça do nosso país uma Grécia.

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Um mal-entendido para começar... 

A carta começa por criticar a «austeridade», porque, segundo pensa, «os factos têm evidenciado que este caminho é contraproducente».

A carta começa, portanto, com um mal-entendido, e esse mal entendido consiste em, como sempre nestes posicionamentos, pressupor que a austeridade é uma intenção, e não uma consequência. No barril dos que pensam assim, cabe de tudo: cabem os que acreditam, como Sócrates ou António Costa ou Ferro Rodrigues ou Carlos César, que são os gastos públicos destemperados que fazem crescer a economia (e insistem nisso, mesmo após o desastre evidente e doloroso); cabem os promotores de PPPs ruinosas, como Cravinho; cabem os dinossauros do socialismo, que vivem em 1917 e consideram que bolsa, mercados de obrigações, e, em resumo, liberdade económica são um casino; cabem ressentimentos como o de Pacheco Pereira, pois há-de ser isso que explica esta sua posição, visto que a inteligência não é com certeza; cabe gente mais sincera, como Louçã ou Mortágua, que consideram que o governo do Syriza é o primeiro governo decente que os portugueses têm; e cabem idos da fama e da relevância como Freitas ou Bagão Félix; e cabem outros que não existem. Cabe, por fim, o PCP, porque toda a propensão para o passado sempre contará com o apoio comunista.

A carta prossegue com uma mentira.

 

... aliado a uma mentira ...

A mentira é que, ao contrário do que os 32 defendem, os factos não têm evidenciado que este caminho seja contraproducente. E, visto que desta vez vêm tentar iludir-nos a propósito da Grécia, façamos então uma comparação dos tais «factos» portugueses e gregos, e vejamos o que evidenciam.

A Grécia tem uma taxa de desemprego superior a 20%; a taxa de desemprego em Portugal está nos 13% e continua a baixar.

A economia grega contraiu 20% desde a crise europeia, a portuguesa, 5%

A Grécia regressou às taxas de crescimento negativo (-02%); Portugal cresceu 0,9% em 2014 e aproximar-se-á dos 2% em 2015.

A banca grega regista fugas maciças de depósitos (entre 200 e 300 milhões de euros por dia) e está em risco de falta de liquidez; a banca portuguesa está estabilizada, embora ainda sofra as consequências dos negócios opacos da era socialista (BES) e da instrumentalização para fins políticos ou de corrupção (Caixa, BCP).

Os níveis de corrupção e evasão fiscal da Grécia comparam desfavoravelmente com qualquer país europeu; o cumprimento fiscal em Portugal está na média alta da Europa, e o número 44 dirá algo sobre o combate à corrupção entre nós.

O défice público da Grécia está nos 12%, o défice português estará em 2015 abaixo dos 4% (vem do recorde de 10% de Sócrates em 2010).

A dívida pública grega está nos 170% do PIB; a portuguesa ficará este ano nos 123%.

A Grécia teve um perdão de 50% da dívida, mas continua a pedir mais perdões e mais empréstimos, e mantém-se na eminência da bancarrota; Portugal cumpriu o memorando negociado e assinado pelos socialistas (de Costa, e Ferro, e Sócrates) e prepara-se para reembolsar antecipadamente o empréstimo do FMI. E só uma comunicação social preguiçosa e uma oposição obtusa é que não vislumbram que, discretamente e sem proclamações tontas, ministério das Finanças e IGCP foram conseguindo o que se traduz, na verdade, numa reestruturação da dívida (em juros e em maturidades).

A Grécia consegue empréstimos a 6 meses com taxa de juro de 2,5%. Portugal consegue o mesmo juro para empréstimos a 10 anos.

Portugal regressou, após uma catástrofe socialista, à credibilidade e à confiança de mercados, agências de rating, governos e instituições europeias. A Grécia está em descrédito acelerado.

Em resumo, os factos não demonstram que o rigor nas contas, o cumprimento das regras europeias e dos contratos internacionais são «contraproducentes». Eles demonstram exactamente o contrário.

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 ... seguidos de cegueira e fervor suicidas ...

Recomenda depois a carta que o primeiro-ministro opte por «uma cooperação europeia de que Portugal não se deve isolar».

Não se compreende que miopia ou que distracção empurraram os signatários a, mais uma vez, olhar para os factos e ver neles o contrário do que lá está. É que no posicionamento em relação à Grécia Portugal não está isolado; quem está isolada é a Grécia. Querem os 32 que Portugal se isole com ela? Porque será que não vislumbram que, longe de isolado, Portugal está com a Espanha, a França, a Itália, a Alemanha, a Finlândia -- que Portugal está, afinal, com mais 16 países dos 18 da zona euro?

 

... imersos em má fé evidente ...

A carta admoesta, por fim, Passos Coelho a não insistir numa política de «serviço da dívida em todos os países afectados, que tem sufocado o crescimento económico, agravando a crise da zona euro», e a não destruir «o emprego e as economias» mas que «contribua para uma democracia inclusiva».

Ora isto põe em evidência, sempre e ainda, que os subscritores da carta vivem de olhos no passado e não conseguem vislumbrar o presente. É que além dos índices mencionados acima, que os desmentem; além das «espirais recessivas» que sentenciaram, e nunca aconteceram; além das revoluções com que sonharam, e que nunca desceram à rua; além do cumprimento dos défices previstos, que sempre julgaram impossível -- além de tudo isto que reiteradamente desmentiu e contrariou as suas teses catastrofistas, há um último «facto» que há-de ser desconcertante para os 32 retrógrados : é que, segundo dados nacionais e internacionais, e pela primeira vez desde 1974, Portugal regista um crescimento de 0,9%, acompanhado de saldo orçamental primário positivo, acompanhado de um saldo positivo da balança comercial. Ou seja, pela primeira vez Portugal está a enriquecer sem endividar-se..

 

... temperados de omissões incompreensíveis ...

Dizem-se os subscritores, lá para o fim, «certos, senhor primeiro-ministro, de que agora é o tempo para este apelo à responsabilidade numa Europa em que tanto tem faltado o esforço comum para encontrar soluções para uma crise tão ameaçadora».

Ora, é curioso que digam isto. Porque isto vem seguramente de quem estava distraído quando Mario Draghi declarou, em 2012, que o BCE faria tudo o que fosse preciso para salvar o euro, e das medidas posteriormente tomadas. Isto só pode vir de quem não tomou sequer nota da existência de um plano Juncker, quanto mais dos seus objectivos e valores. Isto só pode ser escrito por quem estava a dormir enquanto o pânico se desvanceu e os mercados acalmaram. Isto só pode ser escrito por quem estava fechado num quarto escuro e sem janelas (a salvar o mundo com mais três múmias, putativamente) enquanto cá fora se falava de quantitative easing. Poderia também citar o que disse na 5.ª feira Peter Praet, o economista do BCE responsável pelo programa de compra de dívida públca, que «começamos a ver melhores sinais positivos, não só na economia real mas também em termos de empréstimos (para a economia)». Mas a citação é do Financial Times, não de fonte credível para os signatários, como o Público ou a SicNotícias.

Os subscritores presumem apelar à responsabilidade, mas só porque estavam entretidos com o umbigo, enquanto a Europa mudava, e Portugal mudava, apesar deles.. 

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... e rematados de irresponsabilidade criminosa

Remata a carta aconselhando o primeiro-ministro a que não adopte «um discurso punitivo», antes escolha «a responsabilidade e solidariedade, que não humilhe Estados-membros mas promova a convergência.»

Ou seja, levados pelas omissões, pelos enganos, pelos erros, pelas distracções, os 32 subscritores recomendam ao primeiro-ministro de Portugal que meta Portugal no mesmo naufrágio da Grécia.

«Notáveis», chamam por aí aos subscritores da carta. Sim, «notável» pode ter os mais diferentes significados. Sim, são «notáveis», sem dúvida.

 

 

 




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