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Realidades paralelas

por henrique pereira dos santos, em 04.02.21

A manchete do Público de hoje dá conta de uma diminuição do contágio covid em 40% numa semana, com base numa análise que vou procurar descrever e, ao mesmo tempo, pôr em paralelo com uma análise alternativa aos mesmos números (e mais alguns).

Para esse efeito começo com um boneco de Artur Rodrigues para cuja leitura convém tem em atenção dois aspectos relevantes.

O primeiro diz respeito à forma de cálculo da média a sete dias usada, que é mais correcta, mas menos habitual. Artur Rodrigues usa uma média a sete dias que vai buscar os três dias anteriores e os três dias posteriores (por isso não pode ir sendo calculada todos os dias, uma limitação relevante, claro), em vez dos seis dias anteriores, como é habitual, para evitar que a média a sete dias ande sempre atrasada em relação à realidade.

O segundo é que Artur Rodrigues se mantém fiel ao que era o consenso anterior - as medidas tomadas demoram duas semanas a ter efeitos relevantes - e não segue o princípio, que tenho seguido, de considerar sete dias para o início do efeito das medidas. É uma opção legítima e razoável, era consensual até os efeitos se começarem a notar mais cedo do que o previsto, levando uma boa parte dos investigadores a reciclar as suas interpretações dos dados para se adaptarem ao desfasamento temporal entre medidas e dados, que é menor do que era admitido antes. Compreende-se, doutra forma teriam de deitar fora a ideia de que os efeitos verificados decorrem essencialmente das medidas porque o tempo que decorre entre uma coisa e outra é demasiado curto.

efeitos.jpg

De maneira geral vou citar Pedro Simões Coelho (um ou outro bocadinho de ligação é da jornalista do Público) em itálico e reforçado e vou introduzindo comentários em letra normal.

Para avaliarmos um confinamento, o que importa é avaliar o seu efeito. A eficácia de um confinamento vê-se pela queda da transmissibilidade. Começamos então por um raciocínio simples. Um confinamento provoca um determinado efeito e o seu efeito avalia-se em função do resultado. Ou seja, partimos de uma verdade axiomática, sem necessidade de demonstração do efeito a que atribuímos o resultado. Esta taxa é produto de dois elementos: taxa de contacto – sobretudo representada pela mobilidade – e a probabilidade da transmissão – representada pelas características do vírus e pelas barreiras protectoras que usamosNote-se que se parte do princípio de que o que se chamam as características do vírus são invariantes e que a probabilidade de transmissão não têm qualquer relação com factores ambientais, uma inovação teórica na virologia que tem estado muito em voga nesta epidemia.

Estimamos no princípio deste confinamento que essa redução da transmissibilidade do vírus se fez a uma velocidade da que se fez em Março/ Abril. Ou seja, estava nos 30% do efeito conseguido no primeiro confinamento. (período da segunda semana de Janeiro até ao fecho das escolas). A partir dessa data (fecho das escolas) começou e tem vindo progressivamente a intensificar-se esse efeito e à data estimamos que o efeito deste confinamento seja cerca de 90% do de Março/ Abril. Note-se que não existe qualquer demonstração empírica de coisa nenhuma: todos os indicadores são definidos a partir dos resultados verificados e, por definição axiomática, atribuídos às medidas tomadas.

O que mudou para se chegar a este resultado, ainda que desde o início de Janeiro já houvesse alguma redução da mobilidade que as pessoas assumiram, antecipando o confinamento decretado pelo Governo? Até ao dia 17 de Janeiro, a presença em locais de trabalho era ainda muito forte. Já havia alguma queda face ao nível de referência – média de mobilidade de Janeiro e Fevereiro de 2020, quando ainda não havia pandemia – de -11% a -26%, mas agora a quebra vai em mais de 40%”. Finalmente uma referência a dados independentes, isto é, aos dados da mobilidade medidos de forma independente do andamento da curva da epidemia, e sintetizados nesta imagem de má qualidade fotografada do jornal em causa. Para governo de quem queira avaliar melhor esta correlação que é feita, junto também o andamento do R(t) no período em causa, que tem origem no Instituto Ricardo Jorge, publicada no Jornal de Noticias e em que eu introduzi uma barra encarnada que corresponde ao dia em que as condições meteorológicas se alteraram.

IMG_20210204_100131.jpg

insa.jpg

A partir da semana em que se reforçaram as medidas do estado de emergência, houve maior queda na presença nos locais de trabalho, na utilização dos transportes públicos, nas idas a zonas de retalho e restauração. As escolas arrastam consigo muita mobilidade. Só aí passámos de facto de uma redução da taxa de transmissibilidade de 30% a 40%, para uma situação em que a queda é quase igual à verificada em Março. É raro termos uma situação em que se vê uma causa-efeito tão imediata. Os dados acima, do boneco que sintetiza os dados da mobilidade, não dizem nada do que os investigadores dizem que diz, pelo contrário, a partir de 22 Janeiro, data do fecho das escolas, a diminuição de mobilidade que se vinha a verificar, desde muito antes das medidas (as pessoas agem racionalmente e portanto tendem a defender-se quando percebem que a taxa de incidência está muito elevada, não precisam que o governo lhes diga isso), praticamente estabiliza. E, mais extraordinário, não é verdade que seja muito raro ver uma relação causa-efeito tão imediata, é mesmo impossível, portanto a única conclusão possível é que essa relação causa-efeito não existe. O que aliás é corroborado pelos gráficos regionais de Artur Rodrigues: não só os tempos em que as curvas invertem tendências são diferentes de região para região (ao contrário das medidas, que são transversais), como em todos eles, com a eventual excepção de LVT, a inversão de tendência é anterior ao efeito das medidas adoptadas.

A alteração das medidas de confinamento, nomeadamente as associadas ao encerramento das actividades escolares presenciais, e a consequente redução da mobilidade terão contribuído para uma diminuição da taxa de transmissibilidade do vírus em 35% a 40% no espaço de uma semana. Como se procura mostrar acima, esta conclusão é simplesmente absurda com os dados existentes e o que se sabe da evolução da doença: há de facto uma diminuição brusca da taxa de transmissibilidade a partir de 19 de Janeiro, tal como houve um aumento brusco da taxa de transmissibilidade a partir de 24 de Dezembro, mas se o aumento inicial ainda se poderia atribuir ao Natal, o facto é que o tempo e a forma como essa taxa cai de forma brusca a partir de 19 de Janeiro não é compatível com o eventual impacto das medidas adoptadas.

O que é compatível, que gera explicações elegantes e fortemente correlacionadas com a realidade é o efeito da entrada de condições meteorológicas especialmente favoráveis à actividade viral e consequente transmissibilidade. Não me perguntem que condições são essas, não sei, sei é que com as condições verificadas, por razões que desconheço, se deu uma subida rápida de transmissibilidade e uma descida rápida de transmissibilidade coerentes com o início e fim dessas condições.

Fica a faltar a explicação para a paragem na subida do R(t) ao fim da primeira semana de Janeiro, mas isso é o normal em qualquer surto, um pico ao fim de algum tempo de subida por progressiva eliminação dos disponíveis para infecção pelo vírus, isso é a base de todos os modelos epidemiológicos.

O que a má ciência nos está a custar em destruição de valor, desprotecção social e desigualdade é largamente ampliado por uma má imprensa sem capacidade crítica e por uma sociedade civil demasiado anestesiada para discutir mais que moscambilhas de vacinação.

O custo final vai ser muito pesado, apesar de todas as boas intenções que só pretendem salvar vidas, torturando dados até que eles digam o que é preciso que digam.


6 comentários

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De lucklucky a 05.02.2021 às 23:25

Será preciso considerar que a Espanha teve um número de mortes em grau muito mais elevado que nós no passado. Neste período é possível que já não tenham tantas pessoas vulneráveis pois a ceifeira do vírus levou-as.

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