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Há já muito tempo, quando Graça Freitas ainda não estava possuída pelos espíritos da nova epidemiologia (dizendo, inclusivamente, que as máscaras, tal como os testes, acrescento eu agora, criam uma falsa sensação de segurança), foi muito clara a explicar as diferentes fases de uma epidemia e de como a estratégia de gestão do problema deveria estar ligada a essas fases.
Isto era o que Observador (e todos os outros) escrevia logo no dia seguinte aos idos de Março de 2020.
Já várias vezes Graça Freitas tinha referido as fases clássicas de resposta a uma epidemia, primeiro procurando contê-la (quando ainda existe numa pequena unidade geográfica que possa ser eficazmente isolada), depois procurando contê-la num âmbito geográfico mais alargado, procurando limitar imediatamente os focos que apareçam fora da área geográfica inicial e restringindo fortemente as deslocações a partir do foco principal ou dos secundários e, por fim, a fase de mitigação, quando existe disseminação comunitária, em que, como é dito sensatamente acima, as medidas de contenção são largamente ineficazes.
Infelizmente, a nova epidemiologia, assente em testes laboratoriais e modelos matemáticos que simplificam excessivamente o desenvolvimento de uma epidemia, eliminando da análise tudo o que é difícil de matematizar (a heterogeneidade das populações em relação à imunidade, os padrões geográficos de evolução que dependem de factores ambientais externos aos hospedeiros e transmissores, a reacção social à percepção pública dos riscos, etc.) impôs-se como uma bíblia sobre a qual todas as dúvidas deixam de ser dúvidas para ser heresias.
A ideia central é a de parar o contágio: "you need to go after the virus, you need to stop the chains of transmission", é a lição trazida por Michael Ryan, director executivo do programa de emergências da Organização Mundial de Saúde.
Lição essa explicitamente aprendida com os surtos de ébola e que, estranhamente, se acha normal aplicar à epidemia de covid, uma doença substancialmente diferente da ébola.
E quando se diz substancialmente diferente, quer-se dizer que uma transmite-se por contacto, outra por aerossóis, uma mata em média 50% dos infectados, outra 0 vírgula qualquer coisa, portanto transferir os princípios de quebra de cadeias de contágio nos surtos de ébola para uma epidemia de covid é um salto mortal encarpado com tripla pirueta.
Essa obsessão com a quebra das cadeias de contágio, que na prática é a defesa de covid zero, parece-me um absurdo e nunca, em lado nenhum, teve êxito, fossem quais fossem as medidas adoptadas em qualquer parte do mundo.
Já agora, a ideia de que em todo o mundo se convergiu para as mesmas abordagens da gestão da epidemia é uma ideia totalmente falsa, cada país e, nos países com maior autonomia de comunidades sub-nacionais, cada região, foi adoptando medidas que sob o mesmo chapéu da quebra das cadeias de contágio, são na realidade medidas completamente diferentes (basta, para quem tiver dúvidas, dar uma volta pelas medidas adoptadas em cada país nos respectivos sistemas de ensino, mesmo que essa volta seja complicada pelo facto de poucos ou nenhuns jornalistas se dedicaram a fazer o benchmark dessas medidas. Faz sentido mandar miúdos de 3 anos, ou vacinados do 11º ano, 14 dias para casa, porque alguém na turma testou positivo, e mantê-los 14 dias em casa, mesmo após teste negativo posterior, como acontece em Portugal? (Adenda: num comentário fazem-me notar que em algumas escolas, pelo menos, basta um irmão de alguém da turma testar positivo) Se faz, por que razão a generalidade dos países não procede assim?).
Mais ainda, há países ou regiões que não adoptaram esse modelo de gestão da epidemia, poucos, mas há. Não vale a pena referir a Suécia, mas vale a pena referir a Florida, entre outros estados americanos.
Os seus resultados são piores que nos países que adoptaram medidas radicais (prudentes, chamam-lhes eles)?
Até o mito da excelência da gestão alemã dos contágios (questão diferente é a da gestão das consequências da epidemia) caiu há semanas, quando os Alemães, com todos os seus cuidados, ultrapassaram a incidência do Reino Unido que deveria estar a afogar-se num mar de casos depois do levantamento das medidas de restrição em 19 de Julho.
Não, os resultados não são piores e, do ponto de vista da gestão estrita da doença (não confundamos com a gestão da epidemia), também não se pode dizer que sejam melhores, são o que são, sem os prejuízos inflingidos à sociedade como os que resultam da forma acéfala e estúpida como estamos a gerir, por exemplo, as escolas.
Ou seja, como diria a Graça Freitas dos Santos dos Primeiros Dias, quebrar cadeias de contágio de epidemias por doenças altamente contagiosas e disseminadas na comunidade é muito pouco útil, e todos os dias a realidade vai demonstrando isso.
Claro que haverá sempre uma Raquel Duarte qualquer a dizer "Continua a existir um crescimento de novos casos, mas a velocidade tem vindo a abrandar nas últimas semanas, fruto das medidas implementadas e da percepção do risco", como faz hoje no Público. E daí não vem mal ao mundo.
O que não há é jornalistas que lhe perguntem que evidências tem de que esse abrandamento se deva às medidas e à percepção do risco quando o padrão de evolução é exactamente o mesmo dos surtos anteriores, com um tempo de subida rápida que é semelhante ao de outros surtos (quatro, cinco semanas).
Que nos concentremos na protecção individual (vacinas, em especial dos grupos de risco, medicação quando justificado, melhoria do estado geral de saúde, em especial controlo da obesidade e da tensão alta, redução de contactos físicos no caso dos mais vulneráveis, sem o absurdo de inventar regras desumanas e estúpidas, etc.) com certeza, de acordo, agora persistir em querer quebrar cadeias de contágio isolando sete países do mundo por causa de uma variante que está pelo mundo todo e que não terá matado quase ninguém, isso, francamente, parece-me absurdo.
E não, isso não resulta de uma vontade dos governos controlarem as pessoas, isso resulta da vontade dos governos ganharem eleições fazendo o que os eleitores querem.
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