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A contestação à alteração do regime dos instrumentos de gestão territorial é um caso de estudo muito interessante sobre o comportamento de rebanho em pessoas educadas e com elevado nível de especialização técnica.
Comecemos por explicar o que está em causa: no essencial, uma alteração de procedimentos, isto é, onde era preciso um longo calvário de cinco a dez anos para alterar um Plano Director Municipal, a alteração da lei vem dizer que, não estando em causa os terrenos mais férteis, nem terrenos com elevados riscos ambientais, essa alteração passa a poder ser feitas pelas Assembleias Municipais.
No essencial, é isto que diz a lei, pouco mais.
Mas, estranhamente, desde o Conselho Nacional para o Desenvolvimento Sustentável (um conjunto de senadores ambientais do regime, alguns dos quais meus amigos pessoais próximos e que prezo), até à Ordem dos Arquitectos e a Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, passando por muita outra gente, contesta violentamente a alteração da lei com base em pressupostos manifestamente falsos.
O que se passa é que há um sentimento generalizado de defesa de uma ideia de contenção urbana, que se considera uma ideia sagrada e, como tal, a ser defendida seja de que forma for.
Por isso, por exemplo, há gente qualificadíssima a difundir este artigo, com o título "Como transformar um terreno rústico em urbano", como se o artigo resultasse de alguma novidade prevista na lei, quando na verdade não passa de um artigo indigente, mal informado, que foi feito com este único objectivo, o de atrair atenções para aumentar o tráfego do site que o publica.
Mais interessante é que quase todos os dias o Diário da República tem coisas como as que vou citar e que resultam da legislação já existente.
Por exemplo, o "Despacho n.º 1306/2025, de 29 de janeiro", sim, é de hoje, como disse acima, quase todos os dias há coisas destas, este é um mero exemplo de hoje, diz que "A Ministra do Ambiente e Energia, o Secretário de Estado do Turismo, ao abrigo da parte x do Despacho n.º 12082/2024, de 14 de outubro, do Ministro da Economia, e o Secretário de Estado das Florestas, ao abrigo do disposto na alínea l) do n.º 4.3 do Despacho n.º 6739/2024, de 17 de junho, do Ministro da Agricultura e Pescas, e nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 8.º, todos do Decreto-Lei n.º 169/2001, de 25 de maio, na sua redação atual, determinam o seguinte: 1 - Declarar de imprescindível utilidade pública a construção de um edifício destinado a armazém e indústria tipo 3, localizado na União das Freguesias de Abrantes e Alferrarede, no concelho de Abrantes".
No caso é para abater sobreiros que estão numa zona industrial para uma empresa que precisa de expandir a sua actividade, mas não pode, porque há sobreiros na zona industrial, mas afinal pode porque há um conjunto de ministros que declaram a imprescindível utilidade pública e, dessa forma, revogam discricionariamente a proibição de abate de sobreiros, mesmo que estejam dentro de uma zona industrial prevista como tal num Plano Director Municipal.
Mas agora olhemos para um caso mais curioso, porque mais directamente relacionado com a alteração da lei que agora é contestada por tanta gente, o "Aviso n.º 2788-B/2025/2, de 29 de janeiro" (sim, também de hoje, não andei a pescar decisões excepcionais, é o pão nosso de cada dia no Diário da República), do Município da Santa Maria da Feira que dá "Início de procedimento simplificado de reclassificação dos solos ― proposta de reclassificação do solo rústico para solo urbano com a categoria de espaço de atividades económicas".
É o primeiro resultado do facto desta alteração da lei ter entrado em vigor ontem? Não, é a mera aplicação de uma alteração da lei semelhante à que agora é contestada (mas que foi fracamente contestada quando era primeiro ministro o melhor político da sua geração, António Costa), como o própio aviso, naturalmente, refere: " de acordo com o disposto no artigo 72.º-A do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio (RJIGT), com redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro".
Do que se trata, afinal?
"O procedimento simplificado de reclassificação de solo, enquadra-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º-A, que tem por objetivo a reclassificação como solo urbano na categoria de espaço de atividades económicas, de modo permitir o enquadramento para a implantação de uma unidade industrial, a incidir sobre uma área de 8,17 ha, contígua ao espaço de atividades económicas designado por LusoPark e próxima do Europarque, classificada e qualificada no Plano Diretor Municipal de Santa Maria da Feira como Solo Rural - Espaço Florestal de Produção, localizada na zona sudoeste do concelho, na freguesia de São João de Ver e da União de Freguesias de Santa Maria da Feira, Travanca, Sanfins e Espargo". (tem dez dias de discussão pública, ide todos a correr contestar esta coisa gravíssima de passar um monte de eucaliptos e pinheiros sem grande interesse numa fábrica onde se cria riqueza).
Olha, olha, afinal, para além do procedimento normal (kafkiano e normal, em Portugal, são frequentemente coisas compatíveis) de alteração de planos em que se transforma solo rústico em urbano, ainda há um monte de procedimentos excepcionais, relacionados ou não com o imprescindível interesse público (já foram olhar com atenção para o processo de licenciamento do IKEA de Loures?), para que a sociedade possa seguir a sua vida, desde que, bem entendido, conheça ou contrate quem conheça, não apenas os meandros da lei, mas sobretudo os meandros dos que decidem qual é a justa interpretação de leis sagradas, cuja alteração provocará, pelo menos, o fim do mundo (quiçá do Universo).
E se fossem dar uma voltinha pelo mundo real, os que não sabem que é assim, ou por um curso de ética, os que sabem perfeitamente que é assim mas que preferem seguir o rebanho, para não ser ostracizados?
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Muito bem!
Consultando o portal base.gov percebe-se que o Sr....
«As costas da Mina e a da Guiné foram desde o sécu...
Siga prà marinha.Muito bem.
Muito bem, nada a apontar