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Um terramoto político, uma reconfiguração do espectro político, uma revolução parlamentar? Nada! Apenas um abalo brusco que nos deixará na mesma.
A AD com votos bastantes para ficar na mesma
Tenho uma profunda simpatia por Pedro Passos Coelho, pelo trabalho que fez e pelas opiniões que expende, nomeadamente quando confessa o «desejo profundo que, nestes anos que temos pela frente, o PSD possa fazer pleno jus à sua tradição reformista em Portugal», e que as reformas sejam feitas «quer ao nível da segurança e da defesa, quer ao nível económico e político».
Foi com profunda simpatia que constatei a completa falta de vontade reformista de Luís Montenegro ao longo de todo o seu primeiro mandato, sobretudo por ela ter por fundamento um pormenor muito prático: não tinha votos para fazer reformas sózinho, nem com quem somar votos para fazê-las.
Em vez de reformar, Montenegro tratou de reforçar-se. Tratou de sossegar os pensionistas, porque não é possível ser-se eleito contra os 3.552.710 de pensionistas – os 2.938.814 da Segurança Social, mais os 613.896 da Caixa Geral de Aposentações – e respectivas famílias. Aumentou os funcionários públicos e falou-lhes com voz doce e incentivadora, porque é difícil ser-se eleito contra os 758 889 funcionários públicos e respectivas famílias. E, sem chegar a apagar fogos, aspergiu suficiente água sobre problemas mais acesos na educação, na saúde, na habitação, nas infraestruturas, no fisco e na segurança pública.
E resultou. A inabilidade de Pedro Nuno Santos & Séquito, aliada ao enviesamento dos media, deram na altura adequada a Montenegro o pretexto para eleições intercalares. A AD aproveitou e obteve maior maioria com 32,7% e 89 deputados.
Conclui Montenegro: «[Os portugueses] querem este governo e não querem nenhum outro». E promete estabilidade, governando sozinho, porque o PS não existe de momento, e porque considerou, ainda na noite de dia 18, que o cenário de acordos com o Chega é «não credível» e possível meramente «do ponto de vista aritmético».
É, portanto, com enorme antipatia que reconheço no PSD de Montenegro a completa falta de vontade reformista – de que foi claro sintoma o nojo com que reagiu à ideia de uma revisão constitucional para varrer do texto o «caminho para uma sociedade socialista».
Um dia, para que tudo fique na mesma, a AD há-de negociar (já lá iremos); entretanto, prudentemente, governará na mesma, à peça.
O Chega com mais país e demasiado umbigo
Tenho franca simpatia pelas enormes qualidades de André Ventura como tribuno e polemista, e em inúmeras oportunidades essa simpatia acentuou-se ao ver classificadas – por desatenção, enviesamento, estupidez ou vergonha – como derrotas todas as vitórias sobre os opositores nos debates.
Lembrei-me naturalmente do Chega a cada episódio sobre cenas de violência, abusos e facadas perpetradas por «grupos familiares» ou «comunidades» (quem não conhece alguma cena, na rua, na repartição, no hospital, ou no hipermercado?); sobre a falta de segurança pública (há quantos anos não vê um polícia na sua rua?); sobre o incómodo dos multiculturalismos que desfiguram ruas, praças e usos. Alguma vez alguém se perguntou por que razão o Chega cresceu tão depressa no Algarve e em Portalegre, precisamente?
Acusados de fascistas, reles, ignorantes e inimigos da democracia, por verem aquilo que as redacções e os fora dos outros partidos não veem, os do Chega foram crescendo: 67.826 votos e 1 deputado em 2019; 7,18% e 12 deputados em 2022; 18,07% e 50 deputados; 22,6% e 58 (até agora) deputados em 2025. Com 1 345 575 de votos (até agora).
É com desgosto profundo que concluo que não vai servir para nada. Como Montenegro com o seu governo a sós («porque o povo quer»), também Ventura pensa uma coisa só: que o Chega «tornou-se um partido de poder e de governo por mérito próprio» e é «uma verdadeira alternativa política». O Chega promete ser «garante de estabilidade», mas «sem ceder um milímetro».
São dois umbigos para uma impossibilidade de negociação e reformas.
O PS e o enigma dos tempos
Pedro Nuno Santos explica que os tempos são difíceis. Com Isabel Moreira espreitando-lhe sobre o ombro, Alexandra Leitão lamenta estarem tão difíceis os tempos. Ana Catarina Mendes apela a «uma reflexão profunda», e também não percebeu nada.
Dos 42,5% de votos, 120 deputados e maioria absoluta de janeiro de 2022, o PS passou para 23,4% e 58 deputados. Pelo caminho, António Costa aliara-se à extrema-esquerda para sobreviver, mas Pedro Nuno Santos & Séquito pensaram que era amor sincero. E António Costa comeu a extrema-esquerda. António Costa insuflou o Chega para entalar o PSD, mas Pedro Nuno Santos & Séquito pensaram que era ódio verdadeiro. E depois o Chega comeu o PS. Tempos difíceis, de facto. Necessidade de reflexão profunda, sem dúvida, com o pré-requisito de que ela não seja feita pelos mesmos.
Detestei tanto as iniciativas «fracturantes» de Sérgio Sousa Pinto quanto admiro a sua genuína convicção e prática de democrata, muito mais raras do que se supõe. Quando Sousa Pinto fala do socialismo – com mercado, com liberdade de expressão, com livre comércio, com menos Estado, com criação de riqueza –, o socialismo chega a parecer-me estimável. É coisa passageira. Depois penso na «redistribuição», em quem a faz, a que custo fiscal e com que critérios, e a estima esfuma-se.
Menos mal se o PS que há-de sair da reflexão profunda fosse um PS à Sousa Pinto. Mas não vai ser. Vai ser o PS por que sonham o PS assustado, os media desalentados… e o PSD. Um PS do centrão, para aliar-se à AD, e os dois empastelarem o centro.
Uma ideia nova: mais do mesmo
Membro dessa espécie em extinção que ainda é fluente em francês, volto muitas vezes a Proust, para deliciar-me com a sabedoria e detença das descrições, e com uma das mais bonitas línguas do Mundo. Não me ofendeu e fez-me rir certa vez a feroz crítica de Boris Vian a Em Busca do Tempo Perdido: é como se Proust estivesse na banheira, beberricando de vez em quando da água suja e inerte do banho.
O Centrão lembra-me isto.
No painel da noite eleitoral na Sic, Sebastião Bugalho o Novo advertiu: mais perigoso que o Chega é desvalorizar o Chega; mais perigosas são as sondagens falhadas [os canais televisivos em uníssono tinham iniciado a noite com prognósticos clamorosamente errados sobre a abstenção], e as sucessivas derrotas anunciadas por comentadores alinhados; mais perigoso é não atender às preocupações de que só o Chega fala, elas estão nas redes sociais. «Não conheço nem frequento», são vias de intoxicação, disse Miguel Sousa Tavares o Velho. E logo decretou que não se interessa pelos extremos anti-sistema, pareceu-me que sem neles incluir os da esquerda.
Em tempos, Rui Tavares já tivera a mesma ideia, ao decretar que sem o Chega a esquerda tinha maioria. Mas, no líder do Livre era apenas uma sugestão para se fazer interessante para o PS, um convite em bicos dos pés para a dança. Em Miguel Sousa Tavares, perante a impossibilidade de uma solução de esquerda, é apenas a atracção pelo centro.
Tem vasta companhia.
Montenegro declarou-se único e bastante, e fica à espera de um PS com que se possa negociar ao centro.
António Vitorino, na noite eleitoral, na Sic, sonha com a busca no PS de um novo «ponto de equilíbrio».
No Expresso, sempre indispensável para auscultar os modos de sobrevivência da esquerda, João Vieira Pereira recomenda ao PS «trabalhar com o PSD para juntos (…) convencer o eleitorado que os partidos tradicionais (…) continuam a ser essenciais», e Paulo Baldaia espera «que os socialistas vão negociar com a AD um cordão sanitário que acabará por se traduzir num Bloco Central informal».
Outras moscas
Teremos, portanto, um PS reequilibrado, sem vontade de reforma alguma, a negociar razoavelmente com uma AD que bem dispensa reformas. E assim será durante oito anos. Durante os quais os media – o «quarto poder», coitados – se entusiasmarão com o Livre, agora que ficaram sem berloque. Oito anos após os quais a frustração nos oferecerá o Chega como primeiro partido e no governo. Um Chega estatista, defensor dos serviços públicos «essenciais», do controlo estatal dos sectores estratégicos [que são o que cada governo preferir chamar estratégico, como se sabe], talvez a falar de reindustrialização como política pública e de proteccionismo como instinto de defesa. E um Chega sem necessidade de gritos ou polémicas. Ao centro mais uns anos. Sem reformas. Na mesma. Como os outros.
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A Europa inteira tem este problema comum, que não ...
A lei foi escrita, essencialmente, por Almeida San...
Exactamente. Este país tem aturado tanta aberração...
"As elites globalistas portuguesas tal como os seu...
Caro Henrique,Normalmente estou de acordo consigo....