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Profissão de Pessimismo

por José Mendonça da Cruz, em 20.05.25

Um terramoto político, uma reconfiguração do espectro político, uma revolução parlamentar? Nada! Apenas um abalo brusco que nos deixará na mesma.

 

A AD com votos bastantes para ficar na mesma

Tenho uma profunda simpatia por Pedro Passos Coelho, pelo trabalho que fez e pelas opiniões que expende, nomeadamente quando confessa o «desejo profundo que, nestes anos que temos pela frente, o PSD possa fazer pleno jus à sua tradição reformista em Portugal», e que as reformas sejam feitas «quer ao nível da segurança e da defesa, quer ao nível económico e político».

Foi com profunda simpatia que constatei a completa falta de vontade reformista de Luís Montenegro ao longo de todo o seu primeiro mandato, sobretudo por ela ter por fundamento um pormenor muito prático: não tinha votos para fazer reformas sózinho, nem com quem somar votos para fazê-las.

Em vez de reformar, Montenegro tratou de reforçar-se. Tratou de sossegar os pensionistas, porque não é possível ser-se eleito contra os 3.552.710 de pensionistas – os 2.938.814 da Segurança Social, mais os 613.896 da Caixa Geral de Aposentações – e respectivas famílias. Aumentou os funcionários públicos e falou-lhes com voz doce e incentivadora, porque é difícil ser-se eleito contra os 758 889 funcionários públicos e respectivas famílias. E, sem chegar a apagar fogos, aspergiu suficiente água sobre problemas mais acesos na educação, na saúde, na habitação, nas infraestruturas, no fisco e na segurança pública.

E resultou. A inabilidade de Pedro Nuno Santos & Séquito, aliada ao enviesamento dos media, deram na altura adequada a Montenegro o pretexto para eleições intercalares. A AD aproveitou e obteve maior maioria com 32,7% e 89 deputados.

Conclui Montenegro: «[Os portugueses] querem este governo e não querem nenhum outro». E promete estabilidade, governando sozinho, porque o PS não existe de momento, e porque considerou, ainda na noite de dia 18, que o cenário de acordos com o Chega é «não credível» e possível meramente «do ponto de vista aritmético».

É, portanto, com enorme antipatia que reconheço no PSD de Montenegro a completa falta de vontade reformista – de que foi claro sintoma o nojo com que reagiu à ideia de uma revisão constitucional para varrer do texto o «caminho para uma sociedade socialista».

Um dia, para que tudo fique na mesma, a AD há-de negociar (já lá iremos); entretanto, prudentemente, governará na mesma, à peça.

 

O Chega com mais país e demasiado umbigo

Tenho franca simpatia pelas enormes qualidades de André Ventura como tribuno e polemista, e em inúmeras oportunidades essa simpatia acentuou-se ao ver classificadas – por desatenção, enviesamento, estupidez ou vergonha – como derrotas todas as vitórias sobre os opositores nos debates.

Lembrei-me naturalmente do Chega a cada episódio sobre cenas de violência, abusos e facadas perpetradas por «grupos familiares» ou «comunidades» (quem não conhece alguma cena, na rua, na repartição, no hospital, ou no hipermercado?); sobre a falta de segurança pública (há quantos anos não vê um polícia na sua rua?); sobre o incómodo dos multiculturalismos que desfiguram ruas, praças e usos. Alguma vez alguém se perguntou por que razão o Chega cresceu tão depressa no Algarve e em Portalegre, precisamente?

Acusados de fascistas, reles, ignorantes e inimigos da democracia, por verem aquilo que as redacções e os fora dos outros partidos não veem, os do Chega foram crescendo: 67.826 votos e 1 deputado em 2019; 7,18% e 12 deputados em 2022; 18,07% e 50 deputados; 22,6% e 58 (até agora) deputados em 2025. Com 1 345 575 de votos (até agora).

É com desgosto profundo que concluo que não vai servir para nada. Como Montenegro com o seu governo a sós («porque o povo quer»), também Ventura pensa uma coisa só: que o Chega «tornou-se um partido de poder e de governo por mérito próprio» e é «uma verdadeira alternativa política». O Chega promete ser «garante de estabilidade», mas «sem ceder um milímetro».

São dois umbigos para uma impossibilidade de negociação e reformas.

 

O PS e o enigma dos tempos

Pedro Nuno Santos explica que os tempos são difíceis. Com Isabel Moreira espreitando-lhe sobre o ombro, Alexandra Leitão lamenta estarem tão difíceis os tempos. Ana Catarina Mendes apela a «uma reflexão profunda», e também não percebeu nada.

Dos 42,5% de votos, 120 deputados e maioria absoluta de janeiro de 2022, o PS passou para 23,4% e 58 deputados. Pelo caminho, António Costa aliara-se à extrema-esquerda para sobreviver, mas Pedro Nuno Santos & Séquito pensaram que era amor sincero. E António Costa comeu a extrema-esquerda. António Costa insuflou o Chega para entalar o PSD, mas Pedro Nuno Santos & Séquito pensaram que era ódio verdadeiro. E depois o Chega comeu o PS. Tempos difíceis, de facto. Necessidade de reflexão profunda, sem dúvida, com o pré-requisito de que ela não seja feita pelos mesmos.

Detestei tanto as iniciativas «fracturantes» de Sérgio Sousa Pinto quanto admiro a sua genuína convicção e prática de democrata, muito mais raras do que se supõe. Quando Sousa Pinto fala do socialismo – com mercado, com liberdade de expressão, com livre comércio, com menos Estado, com criação de riqueza –, o socialismo chega a parecer-me estimável. É coisa passageira. Depois penso na «redistribuição», em quem a faz, a que custo fiscal e com que critérios, e a estima esfuma-se.

Menos mal se o PS que há-de sair da reflexão profunda fosse um PS à Sousa Pinto. Mas não vai ser. Vai ser o PS por que sonham o PS assustado, os media desalentados… e o PSD. Um PS do centrão, para aliar-se à AD, e os dois empastelarem o centro.

Uma ideia nova: mais do mesmo

Membro dessa espécie em extinção que ainda é fluente em francês, volto muitas vezes a Proust, para deliciar-me com a sabedoria e detença das descrições, e com uma das mais bonitas línguas do Mundo. Não me ofendeu e fez-me rir certa vez a feroz crítica de Boris Vian a Em Busca do Tempo Perdido: é como se Proust estivesse na banheira, beberricando de vez em quando da água suja e inerte do banho.

O Centrão lembra-me isto.

No painel da noite eleitoral na Sic, Sebastião Bugalho o Novo advertiu: mais perigoso que o Chega é desvalorizar o Chega; mais perigosas são as sondagens falhadas [os canais televisivos em uníssono tinham iniciado a noite com prognósticos clamorosamente errados sobre a abstenção], e as sucessivas derrotas anunciadas por comentadores alinhados; mais perigoso é não atender às preocupações de que só o Chega fala, elas estão nas redes sociais. «Não conheço nem frequento», são vias de intoxicação, disse Miguel Sousa Tavares o Velho. E logo decretou que não se interessa pelos extremos anti-sistema, pareceu-me que sem neles incluir os da esquerda.

Em tempos, Rui Tavares já tivera a mesma ideia, ao decretar que sem o Chega a esquerda tinha maioria. Mas, no líder do Livre era apenas uma sugestão para se fazer interessante para o PS, um convite em bicos dos pés para a dança. Em Miguel Sousa Tavares, perante a impossibilidade de uma solução de esquerda, é apenas a atracção pelo centro.

Tem vasta companhia.

Montenegro declarou-se único e bastante, e fica à espera de um PS com que se possa negociar ao centro.

António Vitorino, na noite eleitoral, na Sic, sonha com a busca no PS de um novo «ponto de equilíbrio». 

No Expresso, sempre indispensável para auscultar os modos de sobrevivência da esquerda, João Vieira Pereira recomenda ao PS «trabalhar com o PSD para juntos (…) convencer o eleitorado que os partidos tradicionais (…) continuam a ser essenciais», e Paulo Baldaia espera «que os socialistas vão negociar com a AD um cordão sanitário que acabará por se traduzir num Bloco Central informal».

 

Outras moscas

Teremos, portanto, um PS reequilibrado, sem vontade de reforma alguma, a negociar razoavelmente com uma AD que bem dispensa reformas. E assim será durante oito anos. Durante os quais os media – o «quarto poder», coitados – se entusiasmarão com o Livre, agora que ficaram sem berloque. Oito anos após os quais a frustração nos oferecerá o Chega como primeiro partido e no governo. Um Chega estatista, defensor dos serviços públicos «essenciais», do controlo estatal dos sectores estratégicos [que são o que cada governo preferir chamar estratégico, como se sabe], talvez a falar de reindustrialização como política pública e de proteccionismo como instinto de defesa. E um Chega sem necessidade de gritos ou polémicas. Ao centro mais uns anos. Sem reformas. Na mesma. Como os outros.

Publicado aqui


15 comentários

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De lucklucky a 20.05.2025 às 23:48

Bom.


"É, portanto, com enorme antipatia que reconheço no PSD de Montenegro a completa falta de vontade reformista – de que foi claro sintoma o nojo com que reagiu à ideia de uma revisão constitucional para varrer do texto o «caminho para uma sociedade socialista»."


Diz tudo sobre o suposto "partido reformista".
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De passante a 21.05.2025 às 10:03

Melhor posta do trimestre, obrigado. O lado bom é que a um pessimista só resta ser agradávelmente surpreendido, ao passo que os optimistas andam permanentemente amargurados.
Era o caso do saudoso VPV, que do desapontamento com o "atraso atávico" da paróquia produzia um vinagre vigoroso. Podem tirar o homem da família simpatizante do PCP, mas não é em Oxford que tiram a fé no progresso histórico ao homem.


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De balio a 21.05.2025 às 10:51


Muito bom post.
Em face da opção (repetida) do PSD por governar em minoria, e da opção (repetida) do PS de tolerar isso, tivemos e vamos continuar a ter um governo cujo único programa é satisfazer clientelas (muitas delas, ou até todas, legítimas, diga-se), sem no entanto fazer nada de novo.
Enquanto a economia aguentar, claro. Mas não vai aguentar sempre. Aliás, há quem diga que já este ano (ou, no máximo, no próximo) o Estado vai voltar a ter défice.
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De cela.e.sela a 21.05.2025 às 11:25

borda fora com imigrantes em excesso num país pobre foi receita infalível
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De balio a 22.05.2025 às 11:12


Não há imigrantes em excesso. Há apenas os imigrantes que encontram trabalho para custear a sua sobrevivência.
Todos os imigrantes que há em Portugal têm trabalho. Portanto, não estão em excesso.
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De Silva a 21.05.2025 às 11:25

Entretanto, as reformas estruturais continuam por fazer, ou seja, foi mais um ano perdido e certamente pagaremos por isto assim como estamos a pagar pelos governos socialistas de Guterres, Sócrates e Costa.
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De lucklucky a 21.05.2025 às 18:29

Quais são as reformas estruturais?
Dizem-me sempre que o PSD é um partido reformista, quais as reformas?
As únicas que vejo quando tem poder é criar novos impostos e taxas.
Excepto no primeiro governo de Durão Barroso em que a RTP era para privatizar mas o obreiro da coisa Morais Sarmento acabou comentador...
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De passante a 21.05.2025 às 20:42

O Santana Lopes encomendou e publicou uma lei de arrendamento decente. Foi estralhaçada logo a seguir com repetidos remendos socialistas aleatórios até ninguem saber com o que contar e o mercado se retrair correspondentemente ...



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De Silva a 22.05.2025 às 15:42

Começa-se pela
Abolição do salário mínimo
Liberalização dos despedimentos
Abolição dos descontos
Seguem-se outras
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De Anonimo a 21.05.2025 às 16:36

Como disse o senhor do PCTP-MRPP, quem manda nisto é Bruxelas e Washington, por isso qualquer um serve
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De lucklucky a 21.05.2025 às 21:54

Estares á espera 2 anos por uma autorização de obra não é Bruxelas ou Washington. O INEM não responder a um pedido de socorro não é Bruxelas ou Washington.
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De M.Sousa a 21.05.2025 às 20:26

Excelente post! Contudo, a coisa é mais grave. Os portugueses (citando Alberto Gonçalves) não estão interessados em reformas, mas sim na reforma. Que o digam os 4.311.599 pensionistas e funcionários públicos e respectivas famílias. Por isso, caro José Mendonça da Cruz, tem toda a razão para ser pessimista. O país, é irreformável. Pelo menos enquanto houver fundos europeus...


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De Sérgio Gonçalves a 22.05.2025 às 06:04

Tenho relativa curiosidade sobre as previsões a 8 anos. Estaria interessado em detalhar?
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De O apartidário a 22.05.2025 às 12:32

A culpa disto tudo é do patriarcado (no canal Ramsey Ferrero, uma mulher que não se deixa controlar pelas narrativas politicamente "correctas") 


https://youtu.be/dAvwDB3qgdk?si=eLdxL653NdCNgEWk
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De O apartidário a 24.05.2025 às 11:26

As mulheres (ou a maioria delas) não deveria votar, diz Ramsey Ferrero (sim,uma mulher) neste video do seu canal

https://youtu.be/FgDAf4SkdW4?si=47QRvVtLRo47t-Xf

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