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Ontem, uma boa parte dos portugueses tiveram uma experiência prática do efeito das regras na eficiência dos processos.
Para assegurar uma votação segura, foram adoptados um conjunto de procedimentos definidos centralmente, e aplicados com razoável rigidez por pessoas concretas, apoiadas nos meios disponíveis.
O resultado é que apesar da afluência às urnas não ter aumentado muito, o tempo de votação para cada pessoa aumentou substancialmente, uma parte por causa da situação em si, outra por causa da aplicação concreta de regras razoavelmente rígidas.
Por exemplo, em condições normais o ritmo de atendimento das mesas de voto é regulado, espontaneamente, pela bicha das pessoas que querem votar. Ontem não. Ontem as bichas formavam-se longe das mesas de voto e não eram as pessoas que decidiam avançar ou não, mas sim um conjunto de pessoas que ia recebendo informação sobre o que se passava nas mesas de voto e iam transmitindo às pessoas, com a inevitável consequência de falhas de comunicação, distracções de quem dava as ordens, que fazia com que pessoas estivessem à espera quando na verdade poderiam já estar a fazer o que era suposto.
O mesmo é válido para a gestão da epidemia e do sistema de saúde que lhe responde.
Como a covid é uma doença de notificação obrigatória e se optou por considerar o contágio como o primeiro problema a resolver - em detrimento da doença - há um conjunto de procedimentos adoptados que têm efeitos reais na capacidade de resposta do sistema de saúde, incluindo nele a forma como são tratados os corpos dos que morrem.
Uma parte visível da gestão da epidemia, como os problemas com os atrasos em funerais, sobretudo na primeira fase, como as famosas acumulações de caixões, ou bichas de ambulâncias à porta das urgências, não resultam primariamente de um número ingerível de pessoas a morrer ou a afluir às urgências, mas sim da combinação entre um pico de utilização e dos procedimentos adoptados para evitar contágios, que limitam fortemente a eficiência do sistema.
"Do total de 95 doentes, temos com 30 anos dois doentes, com 50 anos estão nove doentes. Isto significa que há vários doentes na urgência dos Covões que dão trabalho para estabilizar e controlar e optimizar, mas não são centenas de doentes. A grande falha é mesmo no plano sequenciador dos cuidados. Onde internar, quem internar, porque internar. Portanto, está a falhar o encaminhamento ou em linguagem popular o arrumo das soluções. Aqui se percebe as filas de ambulâncias. Os doentes não podem permanecer em urgência e sobretudo numa em que os condicionalismos são limitadores de espaço. Por cada um que demora a encaminhar há uma ambulância que não liberta o seu ocupante", escreve Diogo Cabrita, que desde o início da epidemia tem trabalhado na urgência do único hospital exclusivamente covid - o covidário nacional, como lhe chama.
Nem de propósito, o Público tem hoje uma peça com o título "Norma da DGS "retém" doentes dos lares nos hospitais", exactamente sobre o agravamento do congestionamento dos hospitais que resulta de uma norma da DGS "que obriga a que os doentes internados nas enfermarias dedicadas covid 19 e que vão ser reencaminhados para os lares ou estruturas de cuidados paliativos ou integrados não possam ter alta se, ao fim de dez dias de evolução clínica favorável, o teste continuar a dar positivo".
Note-se que a alta médica deixa assim de ser um acto médico tomado em função da evolução de uma doença para passar a ser um acto administrativo decidido em função de um teste laboratorial cuja relação com a infecciosidade não tem, hoje, qualquer base técnica.
"na prática obrigam a que o doente permaneça internado por mais dez dias, ocupando camas que são muio necessárias para outros doentes, quando a evidência científica já demonstrou que já não existe qualquer risco de contágio... estes dez dias em que os doentes ficam retidos nos hospitais têm um efeito dramático porque bloqueiam a entrada de novos doentes, esses sim, com critérios de internamento, e que congestionam as urgências ou não conseguem sair das ambulâncias, que depois se acumulam à porta dos hospitais", diz José Manuel Silva.
Como é inevitável em sistemas burocráticos cheios de pequenos poderes não escrutinados - e por vezes não escrutináveis - à irracionalidade da norma, juntam-se as interpretações criativas ultra-garantísticas de responsáveis de lares que se recusam a receber doentes sem testes negativos, mesmo muitos dias para lá do que a norma estabelece.
Pois bem, perante isto, que são meros exemplos dos efeitos das regras na eficiência de processos - podem acrescentar a isto o que se passa em cada empresa, em cada café, em cada restaurante, em cada centro de saúde, em cada serviço público, etc., de cada vez que alguém decide aplicar uma norma bem intencionada, aparentemente inócua e orientada para o bem comum, seja ela determinada por razões de saúde, ambiente, justiça social ou qualquer outra grande razão ligada à bondade, à justiça e à igualdade - qual tem sido a opção da generalidade do jornalismo?
Escrutinar cada regra, avaliando os seus efeitos e a sua fundamentação ou cavalgar o crescimento metastático da intervenção burocrática, justificando-o com o bem comum e acusando de uma qualquer deficiência de carácter quem se limite a perguntar porquê ou porquê assim?
Bastaria o exemplo da obrigatoriedade do uso de máscaras, e a forma como a imprensa não tem procurando perceber as razões da Alemanha, Áustria e França para alterarem as suas políticas sobre o uso de máscaras para perceber que não é o jornalismo que nos vai defender de regras iníquas e da utilização ilegítima do Estado pelas classes dominantes, estamos mesmo condenados a só contar com cada um dos que queiram defender a liberdade contra o abuso do poder.
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