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Os comentários sobre o meu post anterior, que se limitava a descrever uma situação de puro desperdício de recursos no sistema de saúde, são muito instrutivos de como o estatismo é uma doença fortemente entranhada em Portugal.
Uma boa síntese está aqui: " ter noção de que o SNS anda mal, e não é de hoje, ou do covid, não implica que queira acabar com ele, ou substituí-lo por um serviço tendencialmente privado. Ou em que o Estado suporta o Privado.
Em Portugal existe uma ideologia de que se algo funciona mal, é acabar ou privatizar (como se a gestão privada fosse infalível... assim sendo, a taxa de falências de empresas seria 0%); ao invés de melhorar. E melhorar, ou "investir", não significa exactamente gastar mais dinheiro".
Para este comentador, se um restaurante serve mal o cliente, a solução é melhorar o restaurante, não é dar liberdade ao cliente para escolher o restaurante que quiser, e os que responderem ao que os clientes querem, sobrevivem, os que não responderem, desaparecem.
Um outro comentador não tem dúvidas, relatar uma situação factual tem apenas um objectivo: "Eu sei que o objectivo é dizer mal do SNS".
Para este comentador, eu dizer que bife era duro é apenas dizer mal do restaurante, não serve para avaliar objectivamente a qualidade do restaurante.
E acaba-se sempre nestas perguntas retóricas: "Quanto aos privados poderem fazer parte integrante do sns, é contratualizar com o Estado à tabela definida para os hospitais públicos. Estarão dispostos a aceitar? Deviam questionar ministros e empresas de saúde", independentemente de ser exactamente isso que se fez com as PPP da saúde, que tiveram como resultado melhores serviços prestados aos utilizadores, por menos dinheiro gasto pelos contribuintes.
O problema base é alguém achar que "o Estado suporta o privado" quando o Estado paga um serviço prestado por uma empresa, mas não "suporta o privado" quando contrata directamente médicos (privados), enfermeiros (privados), auxiliares (privados), gestores (privados), prestadores de serviços (privados), compra equipamentos (privados), usa consumíveis (privados), etc..
Para o utilizador, é completamente indiferente quem é o dono da cadeira onde se senta, desde que se possa sentar.
Para o fabricante da cadeira, é completamente indiferente quem a paga, desde que a pague.
De resto, numa necessidade tão básica como a alimentação, ninguém perde tempo com o argumento estúpido de que não se pode pagar a ninguém prestações sociais porque as pessoas vão gastar em bens e serviços privados, gerando lucros pornográficos aos grandes grupos económicos da distribuição alimentar.
No entanto, para a saúde e a educação, discutir quem é o dono das paredes da escola ou do hospital parece ser uma questão de vida ou de morte.
O Estado não suporta o privado quando paga a um privado para prestar um serviço, o Estado apoia a pessoa concreta que precisa desse serviço.
Olhemos para um argumento clássico dos maníacos de que o Estado está ungido de um dom especial que lhe permite prestar cuidados de saúde melhores, a melhor preço, que qualquer organização privado, mais uma vez, usando os comentários ao post.
"Uma vizinha minha foi acompanhada na gravidez num privado, mas quando a coisa ia correndo mal ala para a maternidade pública porque não quiseram assumir o risco (no dia do parto, com tudo pago)".
Confesso que nunca percebi este argumento (mais genericamente, o de que os seguros ou os privados, quando acaba o plafond, despejam os doentes nos hospitais estatais).
Olhemos para o exemplo em causa.
Alguém presta um serviço.
Quando verifica que há um nível de risco incompatível com os meios que tem, remete para alguém que está preparado para lidar com esse risco.
Qual é o problema disso?
Parece-me uma boa prática e de uma grande sensatez.
Do ponto de vista do Estado, não há sobrecarga nenhuma, visto que a alternativa teria sido o de seguir o doente desde o princípio, isto é, ter de prestar mais serviços que não se traduziriam em mais receita.
Basta pensar no estado em que estaria actualmente um Serviço Nacional de Saúde, que já está de pantanas, se toda a actividade dos privados estivesse a ser realizada pelos serviços estatais.
Eu sei que a resposta a este argumento é a de que se o Estado não gastasse dinheiro com os privados, haveria muito mais dinheiro para os serviços estatais, mas este argumento só é válido se a eficiência no uso dos recursos fosse a mesma nos privados e nos serviços estatais, o que as PPP da saúde desmentem em toda a linha.
Ou melhor, haveria muito mais dinheiro, mas haveria também muito mais actividade, sobrecarregando um sistema que já hoje está de pantanas.
Quer isto dizer que não existem problemas na prestação de cuidados de saúde pelos privados?
Claro que não, há problemas em todo o lado, há boas soluções em todo o lado, mas globalmente há maior eficiência nos privados, com o problema de haver limites de recursos inultrapassáveis.
Qual é a melhor solução?
Exactamente a que é descrita acima como péssima: os privados prestam os serviços para os quais têm recursos e onde são mais eficientes, o Estado concentra-se no que não é possível ser pago pelas pessoas, seguros e afins (por exemplo, um tratamento de dois milhões de euros para uma doença rara dificilmente pode estar incluído na protecção que cada um de nós pode pagar, pelo que terá se ser o conjunto da sociedade a suportar esse custo).
Ao libertar-se de muita da actividade que pode ser feita pelos privados (e paga, pelo menos parcialmente, pelas pessoas), o Estado acaba por concentrar recursos no que mais ninguém consegue fazer.
Como o lucro é o lubrificante de tudo isto - para que os privados invistam, é preciso que esperem ter lucros - há muita gente a protestar contra o facto de alguém ter esse lucro.
No fundo, no fundo, embora não saibam, estão convencidos de que a apropriação colectiva dos meios de produção, ao impedir a apropriação da mais valia pelo capital, permite que a mais-valia seja socialmente mais bem distribuída, fazendo com que todos vivam melhor.
Nem dezenas de anos de história, nem dezenas de regimes políticos assentes nesta mistificação conseguem convencer estas pessoas de que impedir que o capital se aproprie de parte da mais valia faz com que o capital desapareça, com a consequente diminuição da mais-valia futura, do que resulta uma pior situação para todos.
Aliás, nem a constatação mais simples que de que em Portugal há um serviço gratuito nos prestadores de serviços de saúde estatais e, mesmo assim, as pessoas preferem pagar, pelo menos parcialmente, esse mesmo serviço, consegue demonstrar a essas pessoas que há um problema sério nessa tal prestação gratuita.
Continuam convencidos de que um restaurante gratuito às moscas, com um restaurante pago cheio, mesmo ao lado, não é um bom indicador da qualidade dos dois restaurantes.
O relatório "Profiting from Pain" ("Lucros da Dor") da Oxfam, sobre o período entre março de 2020 e março de 2022, conclui que "os milionários" do setor da alimentação aumentaram os lucros em 382 mil milhões de dólares (quase 370 mil milhões de euros).
Deste modo, refere a Oxfam, "menos de duas semanas de lucros seriam mais do que suficientes para financiar a totalidade do programa de recolha de fundos da ONU que pede 6.200 milhões de dólares para a África oriental"
zé onofre
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