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"Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer/ aniquilando mansamente, delicadamente/ por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus".
Ninguém me tira da cabeça que há imensa gente, da mais inteligente e preparada que conheço (pelo menos os melhores exemplos que conheço do que vou descrever, são do melhor e mais qualificado que o país tem), que acredita piamente numa forma de acção política assente em forçar o Estado a obrigar a sociedade a ser perfeita.
Vou dar um exemplo bem concreto, a propósito de uma dessas bizarrias programáticas que pretendem usar o carácter supostamente coercivo da lei para obter um resultado social, a Lei de Bases do Clima, partindo de leis que são, em si, programas políticos sem qualquer exequibilidade prática através do sistema de justiça.
"1 - O CAC [Conselho para a Acção Climática] é composto por 17 membros de reconhecido mérito, com conhecimento e experiência nos diferentes domínios afetados pelas alterações climáticas:
a) Presidente e vice-presidente do CAC, designados pela Assembleia da República, a indicar pelos partidos com representação parlamentar, de acordo com o método D'Hondt; b) Um designado pelo Governo; c) O presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, como membro por inerência; d) Um representante das organizações não-governamentais de ambiente com experiência e intervenção na área climática, com estatuto de utilidade pública, designado pela Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente; e) Um cidadão com idade igual ou inferior a 30 anos, residente em Portugal, designado pelo Conselho Nacional de Juventude; f) Um designado pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas; g) Um designado pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos; h) Um designado pela Associação Nacional dos Municípios Portugueses; i) Um designado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira; j) Um designado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores; k) Um designado por cada uma das cinco comissões de coordenação e desenvolvimento regional; l) Um designado pelo Conselho Económico e Social.
2 - A designação dos membros do CAC deve assegurar uma representação paritária, não podendo integrar menos de oito elementos de cada sexo".
Não, não é da estupidez (peço desculpa pela grosseria, mas o que é demais é moléstia) da composição deste conselho (aprovado pela Assembleia da República) que quero falar, mas do facto da Assembleia da República aprovar normas legais sem qualquer viabilidade prática, apenas como sinalização de virtude.
Trata-se de uma proposta feita pelo PAN (no tempo em que tinha quatro deputados), que dá origem a muitas outras propostas e depois de muita baldroca, é aprovada, tanto quanto percebi, com o voto contra da IL e a abstenção do PCP, ou seja, a formulação acima foi aprovada por quase toda a gente.
O dito Conselho para a Acção Climática ainda não começou a funcionar (um problema gravíssimo porque sem este conselho o clima não funciona, evidentemente).
A lei determina a designação independente, por organizações autónomas, de representantes, e não calhou uma designação de oito ou nove mulheres e oito ou nove homens, mas uma designação de quatro mulheres e 13 homens, o que é contra a lei.
Não é preciso ser especialista em probabilidades para saber que uma designação autónoma de 17 membros (um ou outro por inerência dos cargos que ocupam) dificilmente resulta numa designação de oito ou nove mulheres e oito ou nove homens, como a lei exige, portanto, que a probabilidade de cumprir esta norma é baixíssima, razão pela qual a probabilidade de pôr a coisa a funcionar, de acordo com a lei, é igualmente baixa.
A norma só existe porque os senhores deputados querem mostrar a toda a gente que são muito moderninhos ao ponto de só aceitarem orgãos com composições paritárias (vamos agora esquecer os não binários e afins), na verdade estão-se nas tintas para a eficácia de lei (se levassem a sério a eficácia da lei não havia lei de bases do clima, evidentemente).
O objectivo não é que a lei seja cumprida, mas que a sociedade seja aperfeiçoada "por ínvios caminhos, quais se diz que são ínvios os de Deus".
Estou habituado a isto porque na área da conservação da natureza e do ambiente isto é o normal.
A Lei de Restauro da Natureza (uma inutilidade do mesmo tipo da lei de bases do clima, isto é, um conjunto programático de proclamações cujo incumprimento não gera sanções proporcionais aos responsáveis por esse incumprimento) é um bom exemplo destas sinalizações de virtude sem qualquer interesse prático.
Quando disse, a quem tinha responsabilidades pela execução que o objectivo de ter 10% do território em reserva integral era, que esse objectivo não só era tecnicamente errado (grande parte das ameaças a volores de conservação não resultam de gestão excessiva, mas da falta de gestão que iria ser acentuada pela norma) como manifestamente incumprível, a resposta foi a habitual: "tem calma, vamos trabalhar a definição de protecção integral para incluir isto e aquilo e depois vai-se andando até se encontrar uma solução que sirva para se dizer que cumprimos a lei".
Quando disse o mesmo a ideólogos dessa ideia peregrina que já vem errada do Pacto Ecológico Europeu (a ideia de que é expandido a não gestão que se obtêm melhores resultados de conservação é recuar cem anos nas políticas de conservação e deitar borda fora toda a construção intelectual e institucional em que assenta a directiva habitats e a rede natura, bem mais contemporâneas e inteligentes e, por isso, também politica e socialmente muito mais complexas) responderam-me que o caminho se faz caminhando, era evidente que os objectivos nunca seriam atingidos, mas com certeza no caminho se ganharia alguma coisa.
No fundo, a versão suave do que me responderam quando disse que não compreendia o apoio dado a Greta Thundberg, uma populista radical que, a prazo, teria um efeito muito mais negativo para os processos de transição necessários à gestão climática, que sim, que o que dizia não tinha grande base técnica, era radical e evidentemente inexequível, mas tinha a grande vantagem de mobilizar a juventude para pressionar os governos, o que em si era um resultado muito positivo (como se os governos tivessem o poder mágico de aperfeiçoar sociedades que não querem ser aperfeiçoadas).
O que me chateia não são as Gretas deste mundo, são inevitáveis e desempenham papéis sociais que existirão sempre (como qualquer milenarista), o que me chateia são os que, sabendo perfeitamente dos riscos dos populismos associados a estas grandes proclamações, as usam para obter ganhos políticos para forçar os governos a actuar da forma que acham melhor, sem ter o trabalho de ganhar eleições como passo prévio para a execução dos seus programas políticos.
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