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Polémicas e diversidade

por henrique pereira dos santos, em 11.09.23

É muito frequente ouvir "não entro em polémicas" a propósito de uma opinião que tenha escrito ou dito, nomeadamente na área da conservação e da gestão da paisagem, que são áreas nas quais tenho alguma competência técnica.

Não sei como é fora de Portugal, mas a mim parece-me que esta resposta frequente é mais uma declinação do famoso "o respeitinho é muito bonito" (por vezes, a observação é mais sofisticada e diz-se que não se pode deitar fora o bebé com a água do banho) que nos faz achar que porque o interlocutor é primo da cunhada da filha do senhor da mercearia, não devemos discutir o que diz ou faz.

Daqui resulta um ambiente social em que se aprende pouco e se evolui devagar, ao misturar-se a necessária contenção e boa educação de respeitar a pessoa que está à nossa frente e a desnecessária contenção e ausência de crítica de opiniões concretas dessa pessoa.

Na área da conservação, é quase um sacrilégio alguém dizer que é inacreditável que uma associação como a Liga para a Protecção da Natureza, ao fim de 75 anos, apenas tenha uns poucos milhares de hectares seus para dedicar à conservação e, pior, na esmagadora maioria dessas terras, a informação sobre objectivos, trabalho feito, acções programadas e resultados seja sistematicamente desvalorizada, não sendo fácil a qualquer pessoa saber o que se passa nessas terras.

A Rewilding Portugal, ao fim de meia dúzia de anos é dona e gere uma área de conservação da mesma ordem de grandeza, a Associação Transumância e Natureza ao fim de 23 anos é dona e gere talvez um terço da área da LPN, a Milvoz, em menos de dez anos comprou umas dezenas de hectares, a Montis ao fim de dez anos tem menos de 20 hectares seus e gere uns 300, portanto é perfeitamente legítimo perguntar por que razão as associações de conservação mais antigas e mais clássicas de Portugal (frequentemente, também as mais ricas) nunca se interessaram por gerir directamente terra, preferindo concentrar-se em tentar impor modelos de gestão a terceiros, frequentemente pela via da influência sobre o Estado.

Cada uma das associações que citei no parágrafo anterior tem objectivos diferentes e modelos de gestão diferentes, embora tenham todas objectivos de conservação da natureza a atingir pela gestão directa de terras.

É por isso inevitável que tenham divergências, que adoptem técnicas de gestão diferentes, ou mesmo que definam objectivos concretos diferentes: a Rewilding Portugal quer renaturalizar o vale do rio Côa e compra terrenos com esse objectivo, a Milvoz quer conservar terrenos com elevado valor de conservação na região em volta de Coimbra, a ATN quer renaturalizar as propriedades que foi comprando de modo a fazer um núcleo extenso e concentrado de elevado valor de conservação, a Montis compra ou gere terrenos em qualquer lado, preferencialmente terrenos sem interesse nenhum, mesmo do ponto de vista de conservação, procurando criar valor através da gestão, e poderia ir acrescentando outras organizações, como a Fundação Terra Agora, que passou a ter umas centenas largas de terra para gerir, há não muito tempo.

Se a Montis (a que estou mais ligado, de uma maneira ou de outra já tive contactos e, às vezes, bem mais que isso, com todas as organizações que citei) procura fomentar a discussão das suas opções (por exemplo, publicando relatórios como este sobre a reconversão de eucaliptais em duas das suas propriedades), na maior parte das organizações, o escrutínio, a discussão de resultados, a mera observação crítica de algumas das opções, é considerado polémica estéril e indesejável.

E isto é verdade neste meio que conheço bem, mas é extensível a grande parte da sociedade, em Portugal.

O resultado prático é que temos muita diversidade, o que é bom, mas progredimos muito mais devagar do que seria possível porque dessa diversidade não resulta uma discussão franca e alargada de opções e resultados, mas uma defesa corporativa de cada uma das organizações, do seu modelo e das pessoas que o executam (a persistência, por anos e anos, das dificuldades e entraves que o ICNF levanta ao uso extenso de fogo controlado em povoamentos florestais, por exemplo, só é explicável desta forma, tal como a persistência de outras políticas públicas de gestão do fogo que manifestamente não atingem os resultados esperados).

E, com isso, aprendemos todos muito menos do que poderíamos tendo em conta a diversidade de experiências que temos.


20 comentários

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De balio a 11.09.2023 às 09:48


A Rewilding Portugal, ao fim de meia dúzia de anos é dona e gere uma área de conservação da mesma ordem de grandeza, a Associação Transumância e Natureza ao fim de 23 anos é dona e gere talvez um terço da área da LPN, a Milvoz, em menos de dez anos comprou umas dezenas de hectares



De que formas é que essas três associações conseguiram alcançar a posse de tanta terra?
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De balio a 11.09.2023 às 11:07

Comprando a preço de mercado? Onde arranjaram dinheiro para o efeito?
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De henrique pereira dos santos a 11.09.2023 às 11:09

Não faço a menor ideia se foi a preços de mercado (no caso da Montis, foi, os outros não sei).
E arranjaram dinheiro onde foram capazes, qual é mesmo a tua questão?
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De balio a 11.09.2023 às 11:14

A minha questão é, precisamente, como é que foram capazes de arranjar muito dinheiro para comprar muitas terras. Quem lhes deu esse dinheiro? Pessoas individuais? Empresas mecenáticas? Instituições europeias? O governo português?
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De henrique pereira dos santos a 11.09.2023 às 11:59

Varia. Umas fizeram crowdfunding, outras têm doadores internacionais e nacionais, outras têm projectos que talvez financiem, a fundação Terra Agora tem mecenas, varia.
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De Pedro Oliveira a 12.09.2023 às 12:55

Fiquei desiludido com a resposta.
"Ocuparam-nas, a terra a quem as trabalha" era o que estava à espera.
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De Pedro Oliveira a 12.09.2023 às 12:57

[resposta à resposta: "Comprando"]
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De Tiro ao Alvo a 11.09.2023 às 09:50

Sim, senhor, é um bom exemplo. Esperemos que frutifique, ou seja, que os vossos objectivos sejam atingidos, quer no terreno, quer na forma de actuação das outras organizações "congéneres".
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De balio a 11.09.2023 às 09:51


as associações de conservação mais antigas e mais clássicas de Portugal (frequentemente, também as mais ricas) nunca se interessaram por gerir directamente terra



Não entendo: então a Liga para a Proteção da Natureza tem uns milhares de hectares mas não os gere "diretamente"?
Se não os gere diretamente, gere-os indiretamente? Ou não os gere de todo?
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De henrique pereira dos santos a 11.09.2023 às 10:43

Tem uns milhares de hectares que gere (não sei como), mas gerir terra directamente não é uma preocupação central da LPN
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De balio a 11.09.2023 às 11:11

Quando eu era sócio da LPN, há umas dezenas de anos, que eu saiba a LPN geria os seus milhares de hectares, que eram todos situados no Baixo Alentejo na zona de Castro Verde, entregando-os a agricultores para eles cultivarem cereais - embora reconhecendo que  aquela terra era de qualidade muito marginal para cereais - e limitando-se a impôr regras à forma desse cultivo. Portanto, a gestão consistia apenas em controlar que os agricultores estavam a fazer tudo de acordo com as regras. Penso eu de que.
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De urinator a 11.09.2023 às 10:57

este país nunca foi local recomendável para se viver: piorou nos últimos 50 anos, principalmente a partir de 2015
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De Ricardo a 11.09.2023 às 12:41

No entanto é muito recommend para turistas e reformados estrangeiros. 
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De Anonimo a 11.09.2023 às 13:47

Uma coisa é fazer turismo, outra é viver num local.
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De lucklucky a 11.09.2023 às 19:21

Deve-se aos baixos indices de confiança entre os Portugueses. 
Resultado de factores históricos, culturais e ao não funcionamento da Justiça.
Vê-se também nas empresas que são muito pequenas, pois o nucleo de confiança é pouco alargado.


O extraordinário é que temos um regime que por ser socialista pune o crescimento para sair desta limitação logo á partida.
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De balio a 12.09.2023 às 11:18


Vê-se também nas empresas que são muito pequenas, pois o nucleo de confiança é pouco alargado.


Nas empresas maiores, observa-se a desconfiança entre colegas de trabalho. Em princípio deveriam colaborar uns com os outros para o bem da empresa, na prática passam o tempo a conspirar uns contra os outros e a dar facadas nas costas um do outro.
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De Anonimo a 12.09.2023 às 09:54


" práctico"?


Só porque se comem uns C cortesia do AO, não quer dizer que nasçam outros do nada.
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De henrique pereira dos santos a 12.09.2023 às 10:38

Obrigado, é um erro que faço há muitos, muitos anos, tenho sempre dúvidas, mas não tem qualquer relação com o acordo ortográfico (em latim tinha o c, mas há séculos que se escreve em português sem c, de facto)
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De Anonimo a 12.09.2023 às 11:07


É um erro recorrente, cada vez mais, no práctico (e um outro vocábulo de que agora não me recordo) mas acima de tudo no contracto (palavra que existe, mas com outro significado). Curiosidade, quando referido o erro, a resposta é inevitável "uso o AO antigo, seu vendido".
Sempre liguei o "c" ao inglês, em que se escreve practical e contract, estando mais expostos ao dito será normal absorver sem dar conta.

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