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Plano Quinquenal de Chefia de Estado

por João Távora, em 29.09.24

presidentes da república.jpg

Para quem tenha a paciência de me ler, aqui vão os meus cinco tostões para o peditório emergente das eleições presidenciais de 2026:

Não sendo tradição em Portugal o Chefe do Estado ser o responsável pelo governo do País, cabendo-lhe “apenas” um papel de mediação e de representação (sei bem das ambiguidades da constituição semipresidencialista quanto aos limites da sua actuação) é para mim um profundo enfado o ritual quinquenal da luta partidária para o lançamento das putativas candidaturas ao cargo. É como se a Nação fosse obrigada a encarar uma mudança de bandeira ou de hino a cada cinco anos.

Por alguma razão facilmente se intui a tese corrente de que os portugueses reelegeriam continuamente um presidente da república com mediana popularidade e razoável sentido de Estado até que uma doença o incapacitasse ou a morte o levasse, não fosse o limite constitucional dos dois mandatos. Para dar um exemplo ao gosto dos republicanos mais empedernidos, não fosse essa limitação legal, é difícil imaginar Mário Soares, se lhe fosse possível continuar a concorrer, alguma vez derrotado. “O povo português é sábio”, diz por aí a opinião publicada, quando é do seu interesse. O povo português é intrinsecamente monárquico, digo eu…

“O povo português é sábio” quando não é ignorante e volúvel, e é por isso que periodicamente as “elites” têm de se impor à força para o educar, para o curar dos maus vícios e ignorância, como aconteceu no 5 de Outubro de 1910, quando esses generosos revolucionários cuidaram até de mudar os símbolos nacionais. A Nação com 800 anos, há muito consolidada na língua e nas fronteiras, tudo parece aguentar com assinalável bonomia ou conformismo. Até umas eleições para a Chefia de Estado, que no fundo, no fundo, não nos interessa muito. Andamos há oito anos a afeiçoarmo-nos aos modos e idiossincrasias do presidente que nos calhou em sorte e agora os partidos esguedelham-se para lá pôr outro, o seu, quando já tínhamos assimilado o Marcello? Não há direito…

Evidentemente que a agitação política que umas eleições presidenciais proporcionam têm a vantagem de animar o jornalismo e comentariado político, é uma mina para parangonas de jornais e debates televisivos, que gradual e inevitavelmente atrairão algum interesse do português médio conformado, mesmo sabendo que as promessas de “amanhãs que cantam” pelos candidatos, são panaceia, entretenimento, uma democrática “fantasia benigna” a que todos afincadamente nos dedicaremos a tentar levar a sério. Afinal de contas, ao Chefe do Estado Português, mesmo no nosso ambíguo sistema semipresidencial, não cabe governar. Cabe representar o seu povo com dignidade e parcimónia.

Ao contrário do que se pensa, o nosso actual regime semipresidencialista é herança da monarquia liberal, característica que os autores da Constituição de 1976 acharam por bem repescar. A sua ambiguidade durante o “Liberalismo”, permitiu estilos de reinados bastante diferentes: o do Rei Dom Luís, que grosso modo se limitou, mantendo higiénica distância, a deixar os partidos governarem. Já o seu sucessor, o rei Dom Carlos, para mal dos seus (nossos?) pecados, usando-se dos instrumentos constitucionais e da magistratura de influência, teve a veleidade de querer reformar o regime em acelerada degradação. Pagou isso com a vida.

Talvez fosse tempo de olharmos para o nosso regime de Chefia de Estado e conferir-lhe mais dignidade. Vivemos todos bem entretidos, mas verdadeiramente não sabemos se um dia será mesmo necessária.

Publicado no Observador


8 comentários

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De cela.e.sela a 29.09.2024 às 11:11

idiotossincrasias pulíticas.
não dou para este peditório
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De Apartidário a 30.09.2024 às 04:39

Muito bem apanhado. 
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De anónimo a 29.09.2024 às 12:34


Muito bom. Representatividade é a palavra chave. 
Mas, segundo a Constituição um PR é obrigado a concordar -a assinar, um processo legislativo com o qual não concorda- na segunda vez que o AR/Governo lhe apresente, a despacho, tal legislação. O PR não é a dita primeira figura do Estado. Na prática assistimos frequentemente a essa realidade. 

Quanto à origem exclusivamente partidária da AR estamos óbviamente perante uma partidocracia....

Afinal bem sabemos quem foram os autores, e sobretudo auto-aprovadores, da actual Constituição.
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De Albino Manuel a 29.09.2024 às 15:57

Já fui monárquico, hoje sou agnóstico. O tempo passa e tudo morre.


Mas, verdade seja dita, ninguém mais que os nossos presidentes da República tem defendido com tanto vigor a monarquia. 


O argumento mais invocado contra a monarquia é que qualquer imbecil pode chegar a Rei só porque é o filho mais velho. Não deixa de ser verdade. Mas lá que, já vão mais de 90 anos, nos temos esmerado em pôr no cadeirão todo o tipo de imbecis, generais de opereta, lá isso...


Eu estou concenvido que quem deu cabo da monarquia foi Dom Pedro IV. Não, não tem nada a ver com liberalismo. Meteu-se-lhe na cabeça educar os filhos. Saíram todos cultos, gente de valor: D. Maria II, Dom Luís, Dom Carlos, Dom Manuel II. Estragou tudo. O povo não gostou.


Aceitam-se pretendentes a Rei mas só saídos de grupos de forcados ou clubes de futebol e verificada a hipótese,  improvável, de terem um curso superior. Mal por mal, de alguma privada...em relações internacionais. 


A propósito: há algum impedimento no direito canónico contra um processo de canonização de Marcelo Rebelo de Sousa? Assim podíamos embalsamá-lo já.
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De lucklucky a 29.09.2024 às 23:56

Porque não um sorteio? de 4 em 4 anos sorteia-se um Presidente.
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De Apartidário a 30.09.2024 às 04:36

"Assim podíamos embalsamá-lo já."  -----------------------------------------   Exactamente, com dignidade e parcimónia.
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De G. Elias a 29.09.2024 às 23:27

Declaração de interesses: sou republicano e não me revejo em nenhum tipo de monarquia ou outro sistema que nega à maioria dos cidadãos a possibilidade de ascender ao mais alto cargo da nação, só pelo facto de não terem nascido numa determinada família.
Dito isto, gostava de comentar esta parte: "Para dar um exemplo ao gosto dos republicanos mais empedernidos, não fosse essa limitação legal, é difícil imaginar Mário Soares, se lhe fosse possível continuar a concorrer, alguma vez derrotado."

Creio ser oportuno lembrar que Mário Soares, depois de ter cumprido dois mandatos, concorreu uma terceira vez em 2006, contra Cavaco Silva, tendo sido derrotado não apenas por Cavaco (que venceu a eleição à primeira volta), mas também pelo candidato independente Manuel Alegre. Ficou por isso em terceiro lugar, com 14% dos votos. Claramente o povo já não achava que Soares fosse a pessoa indicada para ocupar o cargo de chefe de Estado.
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De Vasco Silveira a 03.10.2024 às 11:41

A sua ambiguidade durante o “Liberalismo”, permitiu estilos de reinados bastante diferentes: ..."


Caro Senhor


Eu , se me permitir, acrescentaria que essa ambiguidade ( referente ao Chefe de Estado - Rei) impediu a continuidade monarquia, levando ao seu descrédito, e à sua queda:
_ Não tinha possibilidade de justificar todos os actos ( ou sua ausência) que sempre lhe puderam ser atribuídos (pela sua ambiguidade).


Cumprimentos


Vaso Silveira

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