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Uma das coisas interessantes no debate político é o comportamento diferenciado das claques.
No PS e Chega (acho que não vale a pena falar do BE e do PC), o que o partido diz ou faz está, por definição, certo, portanto é relativamente raro haver contestação a sério ao poder exercido por esses partidos, vindo de dentro dos grupos sociais que apoiam estes partidos.
Já no caso da direita (mas também do Livre e do PAN) há aquilo que a esquerda tem optado por chamar, depreciativamente, como confusão, que na verdade é uma visão crítica do exercício do poder por aqueles a quem se reconhece proximidade política. Ao contrário da tal apreciação depreciativa que os seguidistas fazem da divergência, eu acho muito útil que a divergência seja expressa e acho que os governos de partidos que não podem esperar fidelidade canina por parte dos seus apoiantes têm mais probabilidades de ser governos melhores.
Por exemplo, no meu caso, é vulgar eu dizer que prefiro este governo ao anterior, que em geral me parece melhor ter Montenegro como primeiro-ministro que António Costa (ou Pedro Nuno Santos), mas isso não me impede de dizer que fico horrorizado com declarações como as que aqui são atribuídas a Margarida Balseiro Lopes, que estão muito para lá do que acho normais divergências de pontos de vista políticos, considerando-as um completo disparate e um erro grave (se se materializarem em decisões, o que os políticos dizem interessa-me relativamente pouco, interessa-me bastante o que fazem).
Temo que na gestão do fogo, se a situação não era brilhante antes, com este governo seja ainda pior.
Não há ainda nada de muito concreto, mas os sinais de um excesso de atenção ao que dizem os bombeiros, a protecção civil e os autarcas, face à aparente desvalorização do que é hoje o razoável consenso na produção de conhecimento, se vá traduzir na estupidez do reforço das políticas de supressão do fogo e desvalorização das políticas de gestão de combustíveis, incluindo o uso do fogo, do pastoreio e da gestão dos poucos nichos de competitividade que subsistem na gestão de áreas marginais.
Por isso me pareceu muito oportuna a chamada de atenção de João Adrião para o problema, o que deu origem a um post meu, no qual Gonçalo Elias faz um comentário, a que depois João Adrião responde noutro lado, resposta essa a que Paulo Fernandes dá a sua benção no sentido de confirmar o essencial do que é dito por João Adrião quanto à questão da pirodiversidade.
E como essa é uma questão relevante e muito contra-intuitiva, resolvi fazer de caixa de ressonância do que foi dito.
Começemos pelo boneco base.

O boneco não tem uma leitura fácil nem imediata, mas no essencial "mostra as áreas ardidas com alguma dimensão nas últimas 5 décadas em Arganil, Góis e Pampilhosa" (1975 a 1985, 1985 a 1995, 1995 a 2005 e depois o que aconteceu em 2017, porque entre 2005 e 2017 não há grande história).
O que é relevante é que à medida que somos mais eficientes a combater o fogo - convém ter a noção de que isso não é apenas por uma questão de melhoria do desempenho do dispositivo de combate em 98% dos casos, mas também porque o abandono da gestão concorre para o mesmo resultado - vamos passando de fogos relativamente frequentes, mas de dimensão contida, para fogos menos frequentes (conseguimos adiar o fogo por uns anos através do melhor combate aos fogos nascentes), mas mais contínuos (já agora, isso não se consegue ver nos bonecos, mas para além de maior continuidade, também há maior intensidade destes fogos porque há maior acumulação de combustível, é verdade, mas também porque os 2% das intervenções em que o combate não é eficaz ocorrem em condições meteorológicas mais extremas, é por isso que o combate não consegue fazer nada. Já agora, esses 2% de situações em que o combate que temos não serve para grande coisa são responsáveis por mais de 90% da área ardida).
Esta progressiva alteração de padrão de fogo auto-alimenta-se, na medida em que passamos a ter áreas de combustível mais homogéneo, porque arde todo na mesma altura, da mesma maneira, de forma que a vegetação responde também com maior uniformidade, o que acentua as tendências de fogos mais espaçados, mais intensos e mais contínuos.
Resumindo, a política de supressão do fogo, sem uma concomitante política de gestão de combustíveis finos (por favor, não confundir com a absurda e infundamentada legislação de limpeza da vegetação junto às infraestruturas e casas), acentua os problemas causados pelos fogos e aumenta a dimensão da tragédia futura (não necessariamente em mortes, que é um aspecto muito contingente, mas em área ardida e em efeitos negativos no solo e na economia das terras marginais).
Infelizmente, a sensação que tenho é a de que este governo não sabe, nem quer saber disto, o que representa um custo futuro muito elevado, quer pelos efeitos reais dos grandes fogos de 2030 (mais ano, menos ano), quer pelo efeito que esse fogo terá nas políticas públicas, que tenderão a ser, como aconteceu em 2017, mal formuladas para salvar a carreira política dos decisores que tiverem o azar de levar com estes fogos em cima.
Em 2003 e 2005, foi o reforço da protecção civil a escapatória encontrada para responder à pressão política dos grandes fogos de 2003 e 2005, em 2017 foi a perseguição ao que funciona (a produção de eucalipto) em detrimento do ataque ao problema real, a imensa sucata florestal sem gestão que por aí anda, em 2030 se inventará outra bode expiatório qualquer, porque estudar, gerir, fazer o trabalho de formiguinha, é caro, custa dinheiro, exige esforço e não dá votos.
Aparentemente, o governo, os partidos, os jornais, confiam muito mais na Virgem que na corrida, apesar de todas as evidências sobre a insanidade dessa opção.
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