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Perplexidade

por henrique pereira dos santos, em 08.01.21

"The rate or speed of transmission of viral infections depends on factors that include population density, the number of susceptible individuals, (i.e., those not immune), the quality of healthcare and the weather."

Isto não é sofisticação científica, é a wikipedia a falar de actividade viral.

"Numerous viruses can cause upper respiratory tract infections. They often precede serious lower respiratory tract infections. Each virus has a seasonal pattern, with peaks in activity in different seasons. We examined the effects of daily local meteorological data (temperature, relative humidity, “humidity-range” and dew point) from Edinburgh, Scotland on the seasonal variations in viral transmission. We identified the seasonality of rhinovirus, adenovirus, influenza A and B viruses, human parainfluenza viruses 1–3 (HPIV), respiratory syncytial virus (RSV) and human metapneumovirus (HMPV) from the 52060 respiratory samples tested between 2009 and 2015 and then confirmed the same by a generalised linear model. We also investigated the relationship between meteorological factors and viral seasonality. Non-enveloped viruses were present throughout the year. Following logistic regression adenovirus, influenza viruses A, B, RSV and HMPV preferred low temperatures; RSV and influenza A virus preferred a narrow “humidity-range” and HPIV type 3 preferred the season with lower humidity. A change (i.e. increase or decrease) in specific meteorological factors is associated with an increase in activity of specific viruses at certain times of the year."

Isto é o resumo de um relatório científico de 30 de Janeiro de 2019 (Price, R.H.M., Graham, C. & Ramalingam, S. Association between viral seasonality and meteorological factors. Sci Rep 9, 929 (2019). https://doi.org/10.1038/s41598-018-37481-y), imediatamente antes do vendaval irracional que se abateu sobre a discussão da evolução da actividade viral, ligando-a exclusivamente a contactos entre hospedeiros potenciais dos vírus.

Era no tempo em que, naturalmente, se escrevia: "upper respiratory tract infection (URTI) ... are mostly self-limiting but can progress to lower respiratory tract infections (LRTI) particularly in those with underlying conditions", ou que "Most respiratory viral infections have seasonality. In temperate regions, URTI increase in frequency in autumn and spring, and remain raised through winter. Three theories have been put forward to explain viral seasonality. 1: The effect of climatic conditions on host resistance to infection (low vitamin D levels following lack of sun exposure can affect our ability to fight infection). 2: The effect of meteorological factors (e.g. temperature, humidity) on virus survival and hence on infection rates. 3: The effect of behavioural changes on transmission (e.g. spending more time indoors in close proximity to others or aggregation of susceptible children at schools during the colder months)".

Sem surpresa, os autores conseguem estabelecer padrões de incidência dos diferentes tipos de vírus respiratórios em função de condições ambientais, por exemplo, em bonecos como este.

41598_2018_37481_Fig4_HTML.jpg

Generalised Linear Models.The generalised linear models were performed to demonstrate the seasonality of each virus. Using temperature as a comparison meteorological factor, the highest point in the waveform for each virus is the time of year where they are most active in the population 4a: Enveloped viruses in the winter. RSV – 17th of December, IAV – 12th of January, IBV – 8th of February; HMPV – 11th of March 4b: Non-enveloped viruses. Adenovirus – 5th of March, Rhinovirus – 6th of November; 4c: Human parainfluenza viruses. HPIV-1–31st of October, HPIV-2–15th of November, HPIV-3–4th of May.

O relatório é todo ele interessante, relativamente fácil de ler e não tenho intenção de o reproduzir aqui, bastando-me finalizar com esta citação: "meteorological factors like temperature, humidity and “humidity-range” have a significant effect on the incidence of the causative agents of the common cold and changes in meteorological factors could potentially predict the decline of one virus and the emergence of the next."

O que na verdade motiva este post é uma pergunta simples: se o conhecimento estabelecido em Janeiro de 2019 sobre a sazonalidade da actividade viral era mais ou menos este, como é que, de repente, um monte de gente desatou a explicar subidas e descidas de actividade viral apenas (sublinho este apenas) com base no contacto humano?

Como é absolutamente claro, há muitos anos, a evolução temporal de uma infecção, consequentemente, a probabilidade de se ser infectado, depende de dois factores essenciais: o nível da actividade viral e a densidade de contactos entre potenciais hospedeiros.

Ao longo de um ano, a densidade de contactos entre potenciais hospedeiros é razoavelmente constante, pelo que são as variações da actividade viral, fortemente influenciadas pelos factores ambientais, que verdadeiramente comandam a sazonalidade das infecções respiratórias.

Algumas mentes brilhantes resolveram, como o José Mário Branco, que se todo o mundo é composto de mudança, o melhor era trocar-lhe as voltas que ainda o dia era uma criança, e decidiram que se alterássemos profundamente os contactos entre pessoas, passávamos nós a comandar a dinâmica das infecções.

Agora, como os aprendizes de feiticeiro que descobrem, tarde demais, que afinal o mundo é muito mais complexo do que imaginam, inventam mitos para justificar a evidente falta de resultados positivos decorrentes das opções que determinaram.

É por isso que, contra toda a evidência factual, insistem que o aumento de uma doença respiratória em Janeiro se deve à falha moral de celebrar o Natal e não ao facto, prosaico, de que neste Janeiro as condições ambientais parecem favorecer, em Portugal, a actividade viral associada à covid.

Espero que não se esqueçam de que Malagrida, que atribuía o terramoto de 1755 a uma falha moral da sociedade, foi garrotado e queimado, mimetizando o justo catigo de Sodoma e Gomorra, igualmente destruídas por causa das falhas morais dos seus habitantes.


25 comentários

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De zazie a 09.01.2021 às 09:03

Já agora,


O HPS consegue juntar questões "técnicas" perante o bicho com as decisões políticas.
Eu não tendo a fazer isso por motivos mais prosaicos-
Acho que não adianta nada.
Em relação a confinamentos quem manda são os médicos
Em relação a escolas quem manda é o PCP por sindicato. 

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