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Pérolas a porcos...

por Corta-fitas, em 12.04.19

ratzinger_pedofilia.jpg_1869580913.jpg

As palavras mais lúcidas que li até agora sobre a pedofilia na Igreja são de Ratzinger: a duríssima carta aos bispos da Irlanda e o texto conhecido ontem. Em ambos os textos, Ratzinger situa a origem do problema dentro, e não fora, da Igreja. Na carta aos bispos irlandeses, critica uma estrutura de poder muito condicionada pelos factores históricos específicos de uma sociedade em que a hierarquia eclesiástica era vista como guia espiritual da nação, estrutura essa que, na prática, protegeu os pastores e não as ovelhas (uma linha de pensamento que seria retomada pelo Papa Francisco sob o nome de clericalismo). Em certo sentido, o texto mais recente é o segundo painel de um díptico, agora mais atento aos factores culturais e doutrinais do que à questão do abuso de poder sempre presente na pedofilia. Sem surpresa, as reacções que li até agora ficaram pela superfície do pensamento de Ratzinger, ou seja, pelo Maio de 68, pela revolução sexual e pelo Benfica-Sporting a que os espíritos mais apressados reduzem a teologia. Poucos notaram o seu diagnóstico certeiríssimo de que a crise é muito mais profunda e começa na tentativa de substituir o direito natural pela exegese bíblica como fundamento da moral católica, um fenómeno de protestantização (a palavra é minha) que levou fatalmente ao relativismo dos anos 60 e do pós-concílio. Com efeitos óbvios na moral sexual, mas não só: atente-se em especial ao que é dito sobre a Eucaristia. Quem conhece minimamente a obra de Ratzinger sabe que este diagnóstico não é novo e não nasceu de um súbito ataque de pânico perante a dimensão do escândalo. O que me parece novo, e mais notável, é a sua reflexão espiritual (na terceira parte) sobre a natureza ao mesmo tempo histórica e salvífica da Igreja, uma reflexão que, como sempre em Ratzinger, vai aos fundamentos da coisa. É isso que verdadeiramente interessa. E é muito claramente dirigido para dentro, para os católicos, a quem Ratzinger, no fundo, convida a fazer um sério exame de consciência. Aliás, não será por acaso que o texto se publica em vésperas da Semana Santa. O resto é ruído. E não é com ruído que se resolve o problema.

 

Pedro Picoito


6 comentários

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De Anónimo a 12.04.2019 às 22:53

Li parte do texto de Bento XVI poucos minutos antes de ler este post... sim, ele sempre foi um grande teólogo e o seu pontificado era um farol que incomodava e por isso o mundo ocidental o hostilizou tanto. O texto que li mostram bem como ele ainda irradia luz para iluminar os cristãos.
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De jpt a 13.04.2019 às 07:57

Este ateu agradece o postal e as ligações para os textos. De um grande intelectual.
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De Anónimo a 13.04.2019 às 13:49


Pedro Picoito,
Foi bom trazer o tema para o blog.
Para nos ajudar a perceber como é este mundo, veja em ACI digital (http://www.acidigital.com/) as diferenças de realce dadas a esta notícia nas edições em várias línguas: Inglês, Espanhol, Português... Veja uma síntese/comentário na edição inglesa!
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De João Marchante a 13.04.2019 às 20:25

Um texto oportuníssimo, caro confrade Pedro.
Saudações Culturais e um abraço!
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De marina a 14.04.2019 às 09:36

acontece que os pecados sexuais dos padres não começaram em 1960...e quem não se sente capaz de guardar castidade não escolhe essa profissão. passar a batata quente para outros foi o que esse senhor fez.
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De marina a 14.04.2019 às 16:05


só para terem ideia da antiguidade do problema...no ano 350..

"El concilio de Nicea (350 D.C.), en sus cánones disciplinares inspirándose en los cánones de Elvira, impone una vida de pureza con grave penas para los presbí-teros que la incumplan112. Como ejemplo de las penas citamos a Fructuoso de Braga que en su obra De delictis113, establece penas para los clérigos que abusan de menores como ser azotado públicamente, pérdida de la tonsura, y humillaciones como raparlos al cero, junto con un encierro de seis meses a pan de cebada tres veces por semana y más tarde otros seis bajo tutela de un guía espiritual."


in  "aproximación histórica a los abusos sexuales a menores"  Gil José Saéz Martinez, Juez Eclesiástico (Murcia) . está on line.


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