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Hoje dei com um post com um mapa em que a Europa aparecia dividida entre aquela em que chove mais que Londres e a que chove menos.
O mapa era grosseiro, isto é, sem pormenor, mas está genericamente certo.
Algumas das pessoas que comentavam estranhavam que mais de metade de Portugal estivesse na parte em que chove mais que Londres (incluindo Lisboa, com certeza) e um dos comentadores dizia que estavam a brincar, era evidente que o Nordeste de Portugal tinha menos chuva (já agora, precipitação média anual) que Londres e alguém de Mirandela corroborava que por lá chovia pouco.
Fui buscar os números para explicar que o mapa não tinha pormenor para distinguir a terra quente da terra fria, mas que mesmo em Mirandela, a diferença para a chuva anual em Londres não era assim tão grande: cerca de 60 mm de precipitação, ou seja, em Mirandela, anualmente, chove 90% do que chove em Londres.
Este tipo de dissociações cognitivas são muito frequentes e prendem-se com a forma como pensamos: todos nós temos facilmente a percepção de que choveu ontem, mas se se perguntar de choveu 0,1 mm, 1 mm ou 10 mm, temos uma enorme dificuldade em responder, isto é, temos uma razoavelmente apurada sensibilidade para ter uma ideia de quantos dias de chuva temos por ano, e em que alturas ocorrem, mas temos muito pouca sensibilidade para avaliar quantidades de chuva.
Por curiosidade, Suzanne Daveau tem um livrinho muito interessante sobre a precipitação em Portugal que, na altura, correspondeu a uma contestação fortíssima aos números dos serviços meteorológicos. Não nos valores medidos - mesmo aí os serviços meteorológicos descartavam muitos dados por serem discrepantes e consideravam-nos erros - mas na interpretação das variações entre pontos de medição, em que os serviços meteorológicos privilegiavam interpolações matemáticas simples (ainda não havia modelos digitais de terreno, aliás, em rigor, ainda não havia mundo digital) e Suzanne Daveau privilegiava interpretações geográficas, com uma sólida base no território. Foi aí que, por exemplo, tanto quanto sei, se demonstrou que precipitações anuais de 3 mil mm no Gerês (cinco vezes mais que em Londres) não eram um erro de registo, mas um facto verificável.
Vem isto a propósito dos vários amigos que tenho visto defender que, por eles, nem discutem a utilidade das máscaras, acham que é um preço razoável a pagar, independentemente da sua utilidade para o controlo da epidemia (Filipe Frois admite que têm uma importância pequena no exterior, mas que é preciso juntar todos os bocadinhos pequenos que seja possível, uma ideia muito sensata, claro, típica de quem tem uma visão global dos problemas associados às políticas públicas), se for o preço para abrir tudo o resto.
Em tese, também estaria disposto a trocar toda a irracionalidade associada às medidas que pretendem controlar totalmente - e totalitariamente - os contágios por um uso generalizado de máscaras, mesmo que não exista qualquer evidência sólida sobre o seu uso na generalidade dos casos não hospitalares e as poucas evidências que existem fora desse contexto dizerem respeito a espaços fechados, cheios de gente, mal ventilados e em que as pessoas estão muito próximas por períodos de tempo relativamente longos (acima de um quarto de hora).
Mas é aí que entra esta nossa maneira de pensar sobre a qual fazemos percepções, um mecanismo muito interessante de defesa porque se tivéssemos de pensar cartesianamente, sem atalhos, perante todas as ameaças, a espécie já se teria extinguido.
O uso generalizado das máscaras no exterior, que cada vez mais tem vindo a ser adoptado por governos fracos e desesperados por abrir a economia e a sociedade sem incorrer no risco político de serem responsabilizados pelas mortes registadas como covid, reforça o problema principal da epidemia: o pânico social.
Para a generalidade das pessoas, se as autoridades obrigam toda a gente a andar de máscara, isto só pode ser porque é mesmo muito perigoso, tão perigoso, pelo menos, como andar a aplicar fito-fármacos no pomar, e como não podem estar todos enganados, temos mesmo de ficar em casa e mexer-nos o menos possível.
Mais uma vez, é uma opção que desvaloriza o risco do medo generalizado que, sendo inevitável, é obrigação dos governos combater, e não fomentar.
Como diz Rui Tavares hoje na sua crónica no Público, em que faz a defesa do reaccionarismo como instrumento de eleição de Joe Biden (que ironia), "a vontade de que o mundo pare de dar solavancos é uma força poderosa", ou seja, a esperança de que as pessoas comuns e a comunicação social pressionem os seus governos para que façam o que têm a fazer e não o que responde à minha percepção imperfeita da realidade, é praticamente nula.
Esta epidemia tem sido uma demonstração poderosa de como os estados democráticos continuam, como sempre estiveram, ao serviço das classes dominantes, o que neste caso quer dizer a classe média que se está nas tintas para os 12 mil desgraçados que engrossaram a bicha do RSI em Portugal nas últimas semanas, ou os 100 milhões que o Banco Mundial estima que estejam a ser empurrados para a miséria extrema pela cobardia dos governos que amplia os efeitos sociais e económicos inevitáveis de uma epidemia.
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