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Pequena nota sobre microclimatologia

por henrique pereira dos santos, em 28.09.24

Um comentário simpático reza assim: "Gostaria de deixar aqui um testemunho que vivi num dos últimos verões quentes ainda antes do desastre do pinhal de Leiria. Paramos com a minha sogra para apanhar umas pinhas numa estrada secundária absolutamente deserta e ao fim de algum tempo verifico o aparecimento de um fogo na caruma a mais ou menos 15 metros de nós, posso assegurar que não havia ninguém e que nenhum de nós fumava ou tivesse algo que pudesse provocar. Até hoje me interrogo como foi possível. Felizmente estava ali e acabei em poucos minutos por evitar um desastre".

O mais provável é que alguém lá tivesse estado antes e tivesse deixado uma pequena brasa para trás, sem dar por isso (uma ponta de cigarro, uma brincadeira de crianças, um motor desafinado, seja o que for).

Isto acontece permanentemente todos os dias do ano, o território está encharcado de ignições, e sempre estará (eu não conheço nenhuma análise à solidez da actividade bancária que se centre na actividade dos ladrões de bancos, toda a gente sabe que existem, com certeza há um enquadramento legal que permite reprimir essa actividade, mas não há um único banqueiro que organize o seu banco no pressuposto de que o essencial é acabar com os ladrões, porque não há assaltos sem ladrões).

Vou então seguir o conselho de Teresa Andresen e falar de tabaco.

Acho que toda a gente sabe que quando se chega uma chama à ponta de um cigarro, não se forma uma labareda instantânea, pelo contrário, a chama tem energia suficiente para fazer uma brasa na ponta do cigarro, mas a disposição do combustível é demasiado densa para que se passe da brasa à chama, falta oxigénio naquela combustão.

Os grandes apreciadores de charutos guardam os seus charutos em caixas climatizadas com o objectivo de manter a humidade perfeita para que a combustão do charuto seja a que se pretende, tal como os fumadores de cachimbo calcam o tabaco e os enroladores de cigarros se esforçam por garantir que o tabaco fica suficientemente aconchegado, o que é o mesmo que dizer que o cigarro tem alguma densidade, para não queimar excessivamente depressa e com demasiada intensidade.

Em nenhum caso se forma uma chama, e um charuto pode demorar tempos infindos a acabar, tal como uma cachimbada, dependendo da humidade do tabaco, e da oxigenação que é proporcionada pelo facto de chupar o ar numa ponta implicar a entrada de mais oxigénio na outra ponta, onde está em curso a combustão.

Um cigarro esquecido num cinzeiro vai destruindo a capacidade da combustão progredir, apagando-se, excepto se o cinzeiro estiver numa zona ventosa que garanta a oxigenação (em qualquer caso, sem produzir chama porque a estrutura do combustível e a sua humidade não o permitem).

Agora destruamos o cigarro e espalhemos o papel e tabaco num caldeirinho que seja possivel arejar e cheguemos-lhe uma chama. A combustão é bastante mais rápida, mas talvez não chegue para incendiar o monte de tabaco e papel que fizemos, porque a humidade do combustível o impede.

Então sequemos primeiro esse material numa estufa ou num forno.

A partir de certo grau de humidade e arejamento, conseguimos incendiar o cigarro que não se incendeia na sua forma original: a quantidade de combustível é a mesma mas a sua estrutura não (permitindo a oxigenação, como quando não se calca o cachimbo) e a sua humidade não (porque secámos o material).

Explicado isto, falemos agora de microclimatologia.

O vento é ar em deslocação, o ar quente sobe, o ar frio desloca-se para ocupar o espaço criado pela subida de ar quente, e forma-se uma brisa.

Todos nós conhecemos isto porque vamos à praia: a água tem bastante inércia térmica, portanto aquece mais lentamente que a areia da praia, durante o dia, e arrefece mais lentamente, durante a noite.

Portanto, durante o dia há tendência para haver uma brisa no sentido do mar para a praia (geralmente fresca e mais húmida), e durante a noite o sentido é inverso (atenção estou a falar de brisas relativamente fracas, que podem ser facilmente anuladas por ventos mais fortes, não relacionados com factores locais mas com a dinâmica geral da atmosfera).

Nos relevos mais acentuados, o processo é semelhante, do vale para os cabeços: os vales arrefecem menos de noite e aquecem mais durante o dia, portanto formam-se brisas de encosta em direcções opostas durante o dia e durante a noite (o que é acentuado pelas "gotas" de ar frio que se formam nos cabeços, a zona de maior irradiação nocturna, o ar arrefece e vai pingando pela encosta abaixo, como qualquer pessoa experimentada em passar a noite ao relento já sentiu, com certeza, o que se explica pelo facto do ar frio se comportar como um líquido viscoso).

Perdoem-me esta longa explicação, que ajuda a perceber como uma brasa se pode manter horas sem formar chama, progredindo lentamente e, ao mesmo tempo, que há variações nocturnas relevantes nos ventos que podem oxigenar a combustão que está a ocorrer sem chama.

Eu sei que há pessoas que acham que só um estúpido imbecilizado põe em dúvida que todos os fogos nocturnos sejam fogos postos, o que sugiro é que pensem que talvez não tenham toda a informação necessária para ter opiniões tão seguras sobre processos naturais complexos e a sua interacção com sociedades igualmente complexas.

E não é a eleição para um cargo autárquico que consegue, magicamente, transformar o conhecimento de uma pessoa sobre o assunto, é preciso mesmo ir à procura de informação.


3 comentários

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De Carlos Sousa a 28.09.2024 às 18:48

Se o intuito destes textos é informar, porque não começar por explicar o que é o triângulo de fogo?
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De Terry Malloy a 28.09.2024 às 21:27

Excelente trabalho de esclarecimento.
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De Anonimus a 29.09.2024 às 10:27

é preciso mesmo ir à procura de informação.



O autarca tem é que procurar quem tenha a informação. 
Essa frase dá a entender que, basta ir ao dr google "pesquisar", e automaticamente ficamos doutorados num certo assunto. E essa é a mentalidade vigente na sociedade actual.
Antigamente diferenciava-se o profissonal (ou perito) do curioso, que até podia dar uns toques e perceber algo da coisa, mas não era levado demasiado a sério. Agora qualquer curioso é perito.
Era bom que em Portugal, seja na política seja no comentário público, se voltasse a chamar quem percebe da coisa.


Ps: claro que todos podemos e devemos opinar, refiro-me a centros de decisão,  e no caso do comentário, àquele que supostamente é especializado. Não desejo eliminar a conversa de café, seja no dito, na net  ou na tv

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