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Pensamento mágico e casas concretas

por henrique pereira dos santos, em 29.03.18

"Sempre pensei que a aversão de muitos à Matemática se materializa no horror à Economia. A Economia impõe balizas e limites às políticas e à discussão pública, tal como a Matemática impõe regras ao raciocínio. Quem não gosta de Lógica não pode gostar de Matemática, tal como quem prefere o pensamento mágico à análise objectiva dos factos não pode gostar de Economia."

Nestes últimos tempos tenho-me lembrado de ideias que estão muito bem sintetizadas por este parágrafo de Luis Aguiar-Conraria.

Talvez a melhor demonstração prática sejam dois artigos muito próximos de Fernanda Câncio que são o retrato de um mundinho "lesboeta" que tem uma representação claramente desproporcionada no espaço público, com reflexos na forma como se discutem políticas públicas e votamos, aceitando as fantasias que qualquer um nos vende, como se pode verificar olhando para as sondagens e o êxito da encenação do OE de 2017.

Não me passaria pela cabeça falar de um dos artigos, é só um compreensível panegírico em louvor de um amigo. O artigo confunde os clientes do Frágil e do Lux com o mundo, Portugal e Lisboa mas isso é apenas uma típica hipérbole das classes dominantes quando morre um dos nossos, não há muito a dizer sobre isso, a não ser sublinhar, para o quero dizer neste post, a ancestral confusão entre os interesses das classes dominantes e os interesses das pessoas comuns que é típica dos grupos sociais privilegiados: é sempre mais difícil reconhecer o outro quando se vive numa bolha social confortável.

O outro artigo é uma espécie de reportagem sobre as dificuldades dos clientes do Frágil e do Lux (estou evidentemente a exagerar, não é exactamente sobre estes clientes, mas sobre os grupos sociais que grosseiramente poderemos designar assim, aceitando esta descrição como uma caricatura) encontrarem casas decentes para arrendar, a preços decentes, nos sítios de Lisboa em que este grupo de pessoas acham decente.

Independentemente de termos um problema na definição de cada um dos "decentes" do parágrafo anterior, verdadeiramente relevante é o facto de, em nenhum momento, se discutir seriamente as razões dos proprietários para evitar ter as suas casas no mercado de arrendamento, tendo à cabeça o medo das dificuldades em se livrar de um inquilino que não cumpra as suas obrigações, para além do medo do Governo (qualquer governo) alterar as regras a meio do contrato e, por exemplo, estender o congelamento de rendas mais não sei quantos anos, como fez o actual.

Isto é, como diz o parágrafo que citei na entrada do post, toda a reportagem assenta num pensamento mágico sobre o que devem ser as cidades, independentemente da economia que as suporta, porque o drama, o horror, a carnificina (atenção, qualificar o mero efeito económico resultante da lei da oferta e da procura na qualidade de vida de grupos privilegiados como carnificina não é um exagero meu, é mesmo do artigo original, por interposta citação) é um conjunto de pessoas que ganham muito acima da média, e mais ainda acima da mediana, entrando mesmo nos 10% de redimentos mais altos do país, não poderem ter uma quinta com porta para o Chiado.

Pois bem, e isto deixa de ser mera literatura, a Senhora Secretária de Estado responde que pode haver pessoas com 3 mil euros por mês no programa da renda acessível. Programa esse que assenta em benefícios fiscais, isto é, para que pessoas que ganham 3 mil euros por mês possam ter uma casa mais próxima do que são os seus sonhos, pessoas que recebem o RSI têm de pagar mais IVA de cada vez que vão ao supermercado comprar um quilo de batatas.

A reportagem que fala sobre este drama, este horror, esta carnificina tem honras de chamada de primeira página, tal como a generalidade dos jornais que se pretendem nacionais fizeram as suas manchetes com a morte de um homem que terá sido notável (e acredito que sim) a fazer bares e discotecas elitistas em Lisboa.

Nunca fui ao Frágil, posso por isso ter uma ideia errada a partir das fotografias que circulam, mas do que vejo, as preocupações com os problemas da habitação do bairro do Aleixo entram tanto na reportagem citada como entravam chungas, pretos, indianos e chineses no Frágil e no Lux, sem que isso afectasse minimamente a consciência da beautiful people que os frequentava.

Será só coincidência?


4 comentários

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De Anónimo a 29.03.2018 às 14:19

Que imaginação fértil, Henrique ;) Passou do Frágil para uma reportagem sobre a habitação em Lisboa, misturando clientes de bares com esse problema? Isso é que é ecletismo pós-moderno...
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De Anónimo a 29.03.2018 às 19:01

Argumentos, para qual dos assuntos? É que o Henrique fala de bares, por um lado, e de habitação, por outro. É só dizer-me qual é o tema que quer discutir.
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De henrique pereira dos santos a 29.03.2018 às 21:09

Eu só queria discutir o tema do post, mas como pelos vistos não percebeu nada do que escrevi, tenho de me render à evidência de que fui pouco claro.

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