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Outra vez o Estado Novo

por henrique pereira dos santos, em 08.10.21

Nuno Palma é co-autor de um novo artigo sobre a evolução de Portugal ao longo do século XX.

O mais interessante do trabalho de Nuno Palma, para mim, é o esforço constante de quantificação.

A ideia dominante, não exactamente na investigação académica, mas na sociedade é, ainda, a de que o país regrediu durante o Estado Novo e a causa da sua pobreza está, em grande parte, na natureza do regime.

Esta ideia, à medida que nos afastamos de 1974, tem vindo a desaparecer, mas mais lentamente do que se poderia imaginar, dada a evidência verificável da enorme convergência económica e social do país em relação aos países mais desenvolvidos na segunda metade do século XX (começa antes, mas é entre 1950 e 1970 que essa convergência é mais impressionante).

Grande parte dessa resistência assenta na preguiça de verificar factos e quantificar realidades.

Por exemplo, é muito comum que a resposta à enunciação de uma realidade verificável "Portugal’s real income per head grew by a factor of eight during the second half of the twentieth century, a period of fast convergence towards Western European standards of living." seja argumentar, por razões ideológicas, que uma coisa tão abstracta como o rendimento per capita não diz nada sobre as condições de vida dos mais pobres.

O que conduz ao argumento seguinte de que esse aumento resulta apenas numa maior acumulação de riqueza em meia dúzia de famílias beneficiárias do condicionamento industrial e da protecção do regime. Comentário lateral a propósito: nunca vi nenhum estudo sério e quantificado dos efeitos do condicionamento industrial e teria muita curiosidade em saber se à letra dos documentos sobre o condicionamento industrial corresponde uma verdadeira realidade de condicionamento dos agentes económicos e em que medida isso se verifica.

Ora o que este novo estudo tem de interessante é que avalia, quantificando com base em dados reais, a incidência dos défices de crescimento na população, que estão intimamente ligados às deficiências alimentares e de cuidados de saúde.

Se, como por vezes se argumenta, o tal aumento de rendimento fosse meramente uma acumulação maior da riqueza dos mais ricos, com efeitos nulos ou marginais nas condições de vida dos mais pobres, não haveria uma alteração relevante da condição física dos mais pobres, na parte em que depende da melhoria das condições de alimentação e sanitária.

O que o estudo demonstra é que existe uma alteração impressionante: ""Our results confirm the reformist and developmental nature of the Estado Novo regime (1926/33-1974) which had been previously documented along other dimensions including education (Palma and Reis 2021), banking (Amaral 2013, 2015), and law (Álvares and Garoupa 2020). During the postwar European golden age, this regime, despite being a dictatorship, was able to generate material gains and convergence from which most of the population benefited, as has also been documented for Spain (Prados de la Escosura et al. 2012). The macroeconomic progress which occurred was associated with considerable improvements in the living standards of ordinary citizens including children. That progress then further continued under democracy. As a result of this joint progress, Portugal was transformed during the 1945-1994 half century from a country with dismal development outcomes into a modern developed country as far as health outcomes are concerned."

Ou seja, o trabalho de quantificação, associado à interpretação do contexto dos números, é essencial para ter uma visão mais objectiva e menos ideológica da realidade, não apenas em relação à história, evidentemente, mas também em relação à epidemia, à conservação da natureza, aos fogos, às alterações climáticas ou a qualquer outro processo social complexo.

É um processo essencial de racionalização que nos permite discutir mais racionalmente as soluções possíveis para melhorar o nosso dia a dia e deveria ocupar grande parte do esforço da academia.


17 comentários

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De Anónimo a 12.10.2021 às 19:24

O sr. Balio é relapso e contumaz. Nem mesmo perante todas as evidências...
Sabe o que se diz daqueles que persistem no erro, não sabe? 
Então explique lá o nexo disso, se for capaz de espreitar através das suas palas: porque não passamos da cepa torta?!  O que fizeram das ajudas externas astronómicas estes nossos admiráveis governantes, que o país nem ata nem desata, nem com as condições externas mais favoráveis, no melhor dos contextos que tem havido?  R-e-l-a-c-i-o-n-e , sr. Balio! Relacione!


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