Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Já escrevi sobre os velhos e a epidemia, e hoje, ao olhar para estes dois gráficos, achei que valia a pena retomar o assunto.
A mim não me interessam nada os campeonatos sobre o que mata mais, excepto para poder avaliar a dimensão de qualquer ameaça e, consequentemente, procurar compreender a proporcionalidade das medidas a adoptar para lhe fazer face.
O primeiro gráfico mostra a mortalidade geral em Portugal desde um de Janeiro e a mortalidade de 2020 é aquela linha preta que acaba hoje com um pontilhado (é a mortalidade de hoje, à hora a que o gráfico foi produzido). Os três ou quatro dias anteriores a hoje, em especial o dia de ontem, 21, podem ainda ter correcções no número de mortos.
No caso de Portugal no seu todo - e isso nem é válido para diferentes sítios em Portugal, nem é válido para todos os países, nem é válido para diferentes sítios em diferentes países - é evidente que esta semana de calor induziu uma mortalidade em excesso maior que a epidemia de covid.
Aliás é o que diz o gráfico de baixo, que começa em vinte e um de Julho de 2018, mostrando a mortalidade excessiva a amarelo na linha da mortalidade, sendo evidente que, apesar do bombardeamento constante com a contagem de mortos covid - e não me meto na discussão sobre o que é um morto covid -, a verdade é que 5 de Agosto de 2018 (508 mortos num só dia em que seria de esperar uma mortalidade em torno dos 270 a 300 mortos) é um dia terrivelmente pior que o pior dia de mortalidade excessiva durante o surto de covid, e as épocas gripais de 2019 e 2020 (mais aquela que esta) e mesmo esta última semana de calor, tiveram impactos bem maiores na mortalidade excessiva que a epidemia de covid.
O que me interessa é que, para qualquer destes três factores - época gripal, calor ou covid - a mortalidade induzida é sempre sobre os mais velhos (no caso da gripe também sobre os muito mais novos, embora em menor proporção, como ia acontecendo com uma das minhas netas que passou algum tempo nos cuidados intensivos quando tinha um mês, com as complicações de uma porcaria sem importância nenhuma que a irmã terá trazido do infantário, a que os pediatras preferem chamar infectários).
E o que talvez valha a pena é pensar o que isto diz sobre nós.
Em primeiro lugar, aparentemente estamos menos disponíveis para aceitar a vida tal como ela é, em especial a sua finitude, e rapidamente alguém que se limite a constatar que muitos destes mortos eram pessoas que, na expressão brutal, mas certeira, de um médico meu amigo, "estavam mais doentes que vivas", é catalogada como eugenista sem coração e respeito pela velhice.
Constatar que está Sol não é ser a favor do Sol contra a chuva, é constatar uma realidade que é o que é.
Em segundo lugar, depois de constatar que de facto não faz sentido revoltarmo-nos contra a morte, "que é de todos, e virá", talvez valha a pena perder algum tempo saber se não podemos melhorar a qualidade de vida e, talvez, prolongá-la, dos muito velhos, reconhecendo a sua fragilidade e os riscos que todos os Invernos correm com a época gripal, e todos os Verões também correm com os dias de canícula.
Pessoalmente, antes de toda esta confusão com a epidemia, não tinha grande noção do que disse acima.
Tinha a noção de que há demasiados lares que são essencialmente depósitos de pessoas que já não conseguimos acompanhar, seja porque não queremos - é melhor para todos, dizemos, e muitas vezes é verdade -, seja porque realmente não conseguimos, às vezes até por não sabermos o que fazer.
Talvez seja útil partir da constatação base: é muito caro manter vivas estas pessoas e muito mais caro mantê-las vivas no pressuposto de que estar vivo é um bocado mais que ter as funções vitais em funcionamento.
E que, como é habitual, são os pobres as maiores vítimas do Estado optar por gastar o dinheiro dos contribuintes a comprar companhias aéreas em vez de assumir parte dos custos de ter lares, centros de dia, apoios domiciliários dos que não têm dinheiro para pagar a quem possa cuidar de si.
Enquanto se considerar que a gestão da epidemia é uma questão que deve estar entregue à Direcção Geral de Saúde quando mais de terço da mortalidade é em lares, e dos restantes dois terços, a esmagadora maioria diz respeito a pessoas que pela idade, condição física e económica e rede social de apoio, mereciam bem mais atenção de um Estado negligente e de uma Segurança Social kafkiana, acho que não vamos longe.
No nosso caso, e de muitos outros países, os erros de gestão da epidemia decorrem de estarmos loucamente à procura de evitarmos o contágio que nos prejudica pessoalmente, em vez de estarmos a aceitar os riscos de contágio próprio para que possamos levar a sério a protecção das pessoas mais velhas, protecção em relação à doença, claro, mas também em relação ao calor e, sobretudo, em relação à solidão e abandono.
Infelizmente a Organização Mundial de Saúde sabe mais de doenças que de solidão e os governos preocupam-se mais com os votos dos que têm voz, que com o abandono dos que a sua condição condena a ser abstencionistas.
E nós, temos a nossa vida para levar, não o queremos fazer carregando também o fardo de terceiros que já não o conseguem fazer sozinhos.
O resultado não é bonito de se ver, mesmo que eufemisticamente expressos em gráficos de muitas cores.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
Perante resposta tão fundamentada, faço minhas as ...
O capitalismo funciona na base da confiança entre ...
"...Ventura e António Costa são muito iguais, aos ...
Deve ser por a confiança ser base do capitalismo q...
"que executem políticas públicas minimalistas, dei...