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Os fogos e ódio ao lucro

por henrique pereira dos santos, em 05.10.24

Apesar de que já ter dito várias vezes que se o preço a pagar por se adoptar a proposta de pagar 100 euros por hectare de três em três anos a quem tiver menos de 50 cm de altura de biomassa fina no seu terreno for a condição, errada, de não a aplicar à produção comercial de eucalipto, eu discordo, acho um preço alto, mas pago-o sem problema.

Eu sei que a oposição à proposta, à falta de argumentos, cavalga uma velha pecha do país: o ódio ao lucro.

O que defendo é que é fundamental manter a aplicação da proposta o mais simples possível e centrada no essencial: os contribuintes pagam para obter um resultado verificável.

A proposta tem fundamentos bem definidos.

A falta de gestão, ou a gestão insuficiente, em larga escala, tem um efeito de acumulação de biomassa fina que torna o fogo incontrolável, logo, sem retomar a gestão de biomassa fina à escala da paisagem, que foi abandonada com as alterações sócio-económicas resultantes da possibilidade de produzir fertilidade em fábricas em vez de a colher nas terras marginais, nunca ganharemos controlo sobre o fogo.

Que isso não chega, dou de barato, mas se for associada a uma alteração de doutrina do combate que permita um melhor aproveitamento das oportunidades criadas pela gestão, seguramente ganharemos um controlo maior sobre o fogo.

A simplicidade de aplicação que considero fundamental resulta das dezenas de anos em que andamos a discutir problemas e soluções, sempre, sempre, sempre com o mesmo resultado: ou investimos milhões em aspectos relativamente pouco importantes, como as ignições ou o cadastro da propriedade, ou paralisamos e burocratizamos qualquer passo no sentido certo com preocupações abstractas, como o facto de alguém poder lucrar com a afectação de recursos decidida, como no caso das cabras sapadoras ou vales floresta.

A proposta pode traduzir-se nuns milhões a mais para as empresas de celulose?

Sim, pode, e qual é o problema?

Comecemos por desmontar o mito de que as empresas de celulose têm milhões de lucro (ainda bem, o problema não é as celuloses terem milhões de lucro, o problema é a TAP ou a CP terem milhões de prejuízo, sem que as deixem falir) com a exploração florestal.

Isso simplesmente não é verdade.

As empresas de celulose têm milhões de lucro nas componentes industriais da sua actividade, a produção florestal tem um peso marginal nos lucros destas empresas e corresponde a uma aplicação de capital pouco interessante face às alternativas.

Se assim não fosse, haveria em Portugal grandes e fortes empresas de produção florestal, só que não há.

As duas outras fileiras de base florestal com indústrias relevantes, o pinheiro e o sobreiro, só muito recentemente começaram a verticalizar o seu negócio investindo na produção florestal, até há muito pouco tempo o sector industrial trabalhava comprando matéria prima que outros produziam livremente (tal como os supermercados, cuja actividade é comprar e vender produtos, e não produzi-los, a verticalização no sector da distribuição tem um peso marginal, correspondendo ao princípio da especialização que tende a criar economias mais eficientes).

A razão estratégica para que a indústria que transforma pinheiro e cortiça em produtos, ter agora começado a investir na produção florestal não é porque a produção florestal seja um grande negócio, é exactamente ao contrário, é porque a exploração florestal é um negócio de treta que o abandono da produção começou a prejudicar o abastecimento das fábricas, ao ponto das empresas industriais alterarem a sua política e começarem a investir na produção florestal directa.

Sim, provavelmente há uma preocupação de regulação do preço, fugindo a flutuações acentuadas, que leva também a indústria a investir na produção florestal, mas esse resultado é fácil de obter em mercados com vitalidade, saudáveis e com boa concorrência.

Só que os mercados de produção florestal não têm nenhuma destas características, levantando riscos muito sérios de dificuldades de aprovisionamento da matéria prima necessária para o desenvolvimento do negócio que dá realmente dinheiro, a transformação industrial.

É por isso que é um erro excluir a produção florestal comercial do mercado público de prestação de serviços de gestão de biomassa fina, é bom e útil para o país que esse mercado seja mais interessante para todos os produtores florestais, não excluindo os agentes que, apesar das condições adversas do sector, conseguem ser suficientemente eficientes para não ter prejuízos na actividade.

Claro que depois vem o velho argumento de que estas actividades têm externalidades negativas para a sociedade, mas nem vou perder tempo a desmontar essa conversa chilra, por um lado porque o que não falta é investigação científica sobre o assunto, para quem se quiser informar, por outro porque nunca vi ninguém defender o fim da política agrícola comum, ou pelo menos do seu primeiro pilar, com o argumento de que nos vinhedos do Douro a biodiversidade é muito menor que num carvalhal maduro de fundo de vale, para já não falar da biodiversidade da avenida dos Aliados.

A exploração florestal comercial não existe para produzir biodiversidade, existe para responder a consumos da sociedade, e a razão pela qual existe muito mais área de eucalipto que de produção de biodiversidade é porque há muito mais gente disponível para pagar papel que para pagar biodiversidade (nem a porcaria de 25 euros por ano para financiar uma associação aberta, transparente, que faz gestão directa de terrenos com objectivos de produção de biodiversidade, cujos resultados podem ser verificados por qualquer pessoa, a generalidade das pessoas está disponível para gastar, ao mesmo tempo que, por ano, gasta seguramente cinco vezes mais só em papel higiénico).

Argumentar que uma actividade deve ser prejudicada porque não produz aquilo que não é suposto produzir não faz sentido nenhum, na verdade é apenas uma forma pouco séria de impor um argumento bem menos simpático, o argumento de que o lucro é, em princípio, ilegítimo e, por isso, deve ser perseguido de todas as formas possíveis.

Os impactos negativos da actividades tratam-se na regulamentação da actividade.

A apropriação para fins sociais de parte do lucro das actividades trata-se na política fiscal.

Não é na política de gestão do fogo que podemos resolver todos os problemas do mundo, nas políticas de gestão do fogo o que é preciso é tratar os KPI (uso isto sempre que posso, dá um ar de superioridade intelectual fabuloso), que é como quem diz, os factores que interessam à gestão do fogo, a saber: gestão de biomassa fina e combate focado no aproveitamente das oportunidades criadas por essa gestão.

O resto é só o resto, que tem muito apoio social porque o ódio ao lucro, em Portugal, é uma ideia com muita saída e uma autêntica fábrica de pobreza material (que a intelectual é um dado adquirido, claro).


5 comentários

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De Albino Manuel a 05.10.2024 às 14:49

Eu também quero ter algum lucro e tal passa por não andar a dar dinheiro a quem não quer tratar do seu. Se não dá, não dá - que venda ou vá para hasta pública. A falência, a venda, fazem parte do código comercial e do código civil. Provavelmente um dos maiores problemas dessas zonas rurais do centro e do norte é o minifúndio. Pois que se impulsione a reestruturação fundiária, a concentração da terra, não pela colectivização mas pelo capitalismo. Em vez de termos 1000 famílias Zé, proprietárias de 2 hectares cada, temos a empresa X com 2000 hectares. Pelo menos esta é suposto dar lucro, pagar impostos e tratar do que lhe pertence. E adeus Montis, associações benfeitoras e outras entidades que tais. Viva a eficiência e o lucro! Público e privado.






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De henrique pereira dos santos a 05.10.2024 às 17:23

Nada contra, excepto num pormenor: o problema é que boa parte da terra não dá lucro, por isso a gestão é abandonada e não há ninguém interessado em a comprar.
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De Silva a 05.10.2024 às 19:53

25 euros dá para 2,5 Kg de bacalhau.
Querem lucro na terra? as restrições aumentam todos os anos.
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De Francisco Almeida a 06.10.2024 às 10:16

Inicialmente, foram os excedentes agrícolas que permitiram o aparecimento das cidades (isto tanto na hoje Europa como na China antes de o ser). Desde aí que a tendência universal seja para o poder político se centrar nas cidades e estas parasitarem o seu hinterland.
Refere HPS que a as celuloses têm lucro significativo na actividade industrial e marginal na produção florestal. Poderia dizer que o corte e transporte da rolaria é uma actividade periclitante sempre à beira do prejuízo entre os preços de combustíveis, as subidas do salário mínimo e os preços por tonelada leoninamente decididos pelas fábricas. Mesmo assim esse custo de corte e transporte subiu várias vezes vezes mais do que preço da madeira pago ao produtor. Por isso só explorações florestais com alguma dimensão e capitalizadas podem ter lucros marginais. Toda a restante realidade, a enorme maioria, simplesmente não pode nem tem.
É uma aplicação visível de uma realidade mais geral. Na minha experiência de longos anos, pude comparar a evolução dos preços ao produtor com a evolução de um produto agro-industrial (um reboque da mesma marca a capacidade) e o resultado é idêntico ao da madeira.
Dito de forma mais prosaica, conheço muitos que enriqueceram a fazer vinho em adegas mas nenhum que tenha enriquecido a cultivar vinhas. De facto, com excepções pontuais quer em escala quer em tempo e sempre em zonas de elevada fertilidade (muito raras em Portugal) só me lembro de ver enriquecer em agricultura, seareiros de arroz (há muito tempo) e de tomate (há menos tempo).
É uma realidade que só cede por ruptura - revoltas no passado, guerras no presente - e a que teóricos têm tentado responder com milenarismos ou dirigismo económico, os primeiros calamitosos, os segundos ineficazes  e apenas dilatórios. Parece ser o caminho escolhido pela UE.
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De Anónimo a 06.10.2024 às 19:15

Sim, os portugueses, no geral, têm problemas com o lucro ... dos outros. 

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