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O meu post anterior levou um amigo meu a fazer dois comentários muito interessantes:
"Não percebo as tuas certezas. A existência de um predador condiciona a evolução da população da presa. Não pode o homem ser esse predador?"
E, perante a minha resposta de que é ao contrário, é a população da presa que condiciona a população do predador, o meu amigo insiste:
"Dificilmente o predador homem será condicionado pela presa javali".
Em primeiro lugar, certezas não é bem comigo, mas foquemo-nos no resto, que é mais interessante.
É verdade que se houver boas densidades de lobo, as densidades de javali tendem a diminuir, quer porque o lobo preda crias de javali quando consegue (ou quando a fome aperta o suficiente para valer a pena de correr o risco de enfrentar a fúria da javalina), quer porque há competição pelo espaço entre as alcateias de lobo e as varas de javalis.
Portanto, sim, populações de predadores podem afectar populações presa, embora de forma bastante limitada.
A natureza, desse ponto de vista, é bastante marxista: não há capitalistas sem trabalhadores, mas pode haver trabalhadores sem capitalistas.
A chave da questão é a energia: todos os sistemas naturais que conhecemos assentam na capacidade de captação de energia para a formação das cadeias químicas complexas de que somos feitos, ou seja, esmagadoramente, assentam na capacidade de fotossíntese das plantas ( há uns sistemas com expressão marginal que vivem de outras fontes de energia).
Ou seja, a grande maioria da biomassa, isto é, do armazenamento químico da energia solar que a terra recebe, é constituída por plantas e é a partir dessa base que tudo se organiza.
Não por acaso, a esmagadora maioria dos grupos heterotróficos (não sei se isto existe e se é tecnicamente correcto usar esta palavra para dar a ideia de que dependem da energia armazenada por outros, por não terem capacidade fotossintética), sejam fungos, bactérias ou organismos mais desenvolvidos e complexos, como nós, é constituída em número, diversidade e biomassa, por invertebrados, muitos deles decompositores da tal biomassa constituída pelas plantas.
Organismos de topo somos poucos e representamos uma quantidade de biomassa relativamente modesta (a população humana mundial é relativamente pequena quando comparada com a população mundial, mesmo medida em biomassa e não em número de indivíduos, de formigas).
O sistema, pois, organiza-se de baixo para cima: é na medida em que há abundância de presas que pode haver alguns predadores (sendo certo que os maiores organismos são herbívoros, e não carnívoros, como alguns grandes predadores, ou omnívoros, como nós e muitos outros predadores).
O controlo de presas por predadores, visto deste ponto de vista, é uma contradição nos termos, na medida em que se os predadores forem muito eficientes a controlar as presas, estão a suicidar-se, a prazo.
Claro que quanto menos especialistas forem os predadores, mais se podem usar as suas preferências por esta ou aquela presa, mas também a sua capacidade de substituir umas presas por outras, para tentar gerir o sistema de acordo com os nossos objectivos, mas convém perceber que o mundo biológico evolui a partir da acção de um relojoeiro cego (o título de um livro de Dawkins) e não a partir de um design inteligente.
Os mais versados em economia e outras ciências sociais repararão, com certeza, na similitude entre a ideia de um relojoeiro cego e de uma mão invisível, mas deixemos essa curiosidade por agora.
Não sendo exactamente rigorosa a ideia de que dificilmente o predador homem pode ser condicionado pela presa javali, essa é uma ideia que, em termos gerais, está certa, mas porque o predador homem é um omnívoro oportunista que se alimenta de tudo o que encontra à volta, não tem a dependência dessa presa que o lince da península ibérica tem do coelho.
E não é exactamente rigorosa não só pelas razões que o artigo que dá origem a estes dois posts lista, com prejuízos económicos relevantes que podem liquidar actividades económicas inteiras, para além de efeitos sociais na forma como ocupamos ou evitamos usar espaços, como porque as populações de javali podem ser veículos de transmissão e doenças que impactam fortemente a economia de produção do porco, por exemplo.
Já em tempos escrevi sobre como a disseminação da peste suína africana liquidou a base económica do montado de azinho em Portugal, sendo claro que a sua erradicação é dificultada pelo facto das populações de javalis a poderem disseminar.
E isto é válido para qualquer espécie, o que deve ser visto tendo em atenção que as doenças e a fome são muito mais relevantes na dinâmica das espécies que a predação directa (incluindo a morte provocada por conflitos dentro da mesma espécie, a que, no caso da nossa espécie, chamamos guerra, quando atinge elevadas proporções).
Ou seja, certezas, certezas, só mesmo a que já enunciava no post anterior: nós sabemos muito menos de como lidar com o mundo do que estamos convencidos, e por isso convém manter a humildade que alimenta a prudência, antes que caiamos nas armadilhas da convicção sobre a superioridade das capacidades do design inteligente em relação às capacidades do relojoeiro cego.
É uma posição que também partilho. Lembro-me de ter lido textos sobre o efeito da caça em algumas espécies. Nomeadamente um que se referia à caça ao coiote nos EUA e as conclusões eram opostas ao senso comum. Defendia, esse texto, que a caça até podia levar a um aumento das populações de coiote. Fico com alguma curiosidade sobre os efeitos da caça nas populações de javali, aqui na Europa, desconfio que não serão grandes.
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