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O reforço do aparelho repressivo

por henrique pereira dos santos, em 24.06.20

suecia.jpg

Num outro contexto, ando a ser acusado de nem percebo o quê por algures, lá atrás, ter feito referência a uma coisa em alemão, língua de que não percebo raspas. Espero que agora, usando um boneco em sueco, não me venham também dizer que isso tem um significado qualquer retorcido para além do significado normal: o google tradutor é uma coisa muito útil.

A informação diária sueca sobre a covid que está nas bases de dados mais usadas é exasperante porque tem variações muito acentuadas unicamente decorrentes do registo administrativo da informação.

Este boneco, da página oficial sueca sobre a covid tem informação interessante que, no conjunto, nos ajuda a discutir o que faz falta discutir: que medidas de política são úteis para convivermos com esta epidemia e com as próximas?.

À esquerda temos o número de casos (confirmação laboratorial) por classes de idade. No meio das três figuras da esquerda temos o número de cuidados intensivos, por classe de idade e na direita desses três gráficos, o número de mortos, também por classe de idade.

À direita temos três gráficos que dizem respeito aos mesmos indicadores (de cima para baixo, total de casos, cuidados intensivos e mortes) mas com a totalidade diária, ao longo do tempo.

O primeiro comentário, por mais repetitivo que seja, é o de que o número de casos depende da existência da doença, com certeza, mas depende também do número de testes e por isso é uma informação que, sendo essencial, deve ser interpretada sabendo bem as suas limitações.

Se olharmos apenas para o gráfico de cima, à direita, com a totalidade de casos, a coisa parece muito preocupante, com um aumento mais ou menos contínuo e uma estabilização em níveis muito altos.

Mas olhando para o número de casos em cuidados intensivos e mortes, a coisa é completamente diferente e a curva sueca não é, essencialmente, diferente das dos outros países. Uma nota para lembrar que falar dos números totais de cada país é uma simplificação excessiva porque se esbatem as enormes diferenças locais e regionais de incidência da doença, cuja explicação está longe de estar perfeitamente estabelecida.

O exemplo sueco tem uma grande virtude: permite deixar de lado as discussões sobre a real eficácia das medidas de confinamento radicais e coercivas, do género de fechar as lojas às oito da noite, porque, embora tendo havido, e bem, uma política de contenção social no contexto da gestão da epidemia, não se adoptaram medidas radicais de confinamento, na ausência das quais vários modelos matemáticos previam milhares de mortos (nomeadamente na Suécia), acabando por influenciar a aceitação das medidas absurdas com que temos convivido.

O que me interesse neste boneco é fazer notar que a incidência de casos, por idades, é uma coisa, a incidência de cuidados intensivos por classes etárias é outra e, por fim, que a incidência da mortalidade tem ainda outra distribuição etária.

É de supôr que a quase ausência de cuidados intensivos acima dos 90 anos, e a sua reduzida expressão acima dos 80, corresponda à aplicação do princípio médico de que só se devem aplicar tratamentos fortemente impactantes em doentes para os quais se espera que essa terapia represente um ganho real que a justifique (e não, não é apenas por causa dos custos é, em primeiro lugar, para preservar o doente e o que lhe resta de vida, evitando o encarnecimento tecnológico que nos leva a pretender ir ao limite da resistência à morte, mesmo quando isso se traduz num prolongamento da vida sem qualquer qualidade).

Muito provavelmente não se trata de uma segmentação por idade mas sim pela condição física que, naturalmente, se relaciona com a idade.

Ou seja, a ideia de que ao aumento de casos corresponde, necessariamente, um aumento de cuidados intensivos e, consequentemente, de mortalidade, é uma ideia que pode ser aceite, mas tendo em atenção que essa correspondência não é nem directa, nem perfeita: se o aumento de casos é em idades abaixo dos sessenta anos não parece haver grande problema, se o aumento é acima dessa idade parece haver um problema menor entre os 60 e os 70 anos, um problema sério acima dos 70 anos e um problema muito sério acima dos oitenta anos.

Impedir jovens de ir brincar ao São João nas praias de Matosinhos pode ser muito útil politicamente, pode até satisfazer a necessidade que todos temos de ter a sensação de que controlamos o que nos rodeia, mas a verdade é que não parece ter grande utilidade na gestão da doença.

Que se informem as pessoas dos riscos que correm, que se peça que as pessoas tenham uma boa noção das pessoas com quem estiveram em contacto para rapidamente se tracearem cadeias de contágio se elas existirem, que se peça às pessoas que estiveram nessas aglomerações que contactem os serviços de saúde o mais rapidamente possível se houver algum sintoma, que se preparem os serviços de saúde para respostas rápidas e eficazes a estas necessidades de traceabilidade e resposta à doença, tudo isso parece sensato.

Que se pense que é preciso forçar as pessoas a deixarem de ser pessoas, à força se for preciso, e que isso se faz reduzindo horários de centros comerciais ou proibindo a venda de bebidas alcoólicas em alguns sítios e reforçando o aparelho repressivo em vez de reforçar o aparelho de saúde, isso é que me tem custado a aceitar.


12 comentários

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De JPT a 24.06.2020 às 15:46

Não vale a pena. Estão espalhados por Lisboa cartazes da CML a dizer que o Covid se transmite nas festas clandestinas e que os jovens devem pensar nos pais e avós; O Dr. Mexia, o da JS, perdão, o da Associação dos Médicos de Saúde Pública, disse outro tanto em todas as rádios e tvs; os "pivots" dos noticiários, a Cristina e o Gouxa repetiram a mensagem com um ar reprovador, e a minha Mãe, os meus sogros, e quase todos os meus amigos (quinquagenários), estão absolutamente certos disso mesmo. Bem posso eu dizer que o número de infecções não subiu por causa dos estouvados que andam no "botellon" - porque ninguém os testou! - mas, sim, por causa das dezenas de milhares de trabalhadores temporários, pessoal das obras, e professores, educadoras e assistentes operacionais de escolas e creches do Minho ao Corvo, que o governo e as autarquias andaram a testar, que não vale a pena. Já está escrito na pedra: os malandros dos miúdos são os culpados disto tudo! Há, de facto, uns especialistas de génio a gerir a Covid-19 em Portugal, mas não são epidemiologistas.  

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