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"De repente, não mais que de repente", o R entrou no debate público.
No debate mais restrito já entrou há muito, evidentemente, por exemplo, Francisco Rego calcula-o (mesmo que não lhe chame assim, a ideia central, a da taxa de infecção, é a mesma) há já algum tempo e divulga-o aos amigos (no caso desta figura, o cálculo a 25 de Abril, em que se admite que a taxa de contágio começou a descer algures por volta de 1 de Março, quinze dias antes do fecho das escolas e ainda mais antes da declaração do Estado de Emergência).
O Instituto Robert Koch, na Alemanha, não só o calcula, como o inclui nos boletins diários (diz o Observador, eu não fui verificar se era assim) e até o confronta objectivamente com as medidas tomadas, como neste gráfico, o que faz sentido porque as tais medidas não farmacêuticas têm como objectivo reduzir este tal R, ou a velocidade de contágio da doença
Ora em Portugal a imprensa, que até agora tem genericamente ignorado esta discussão - concentrada como está em aterrorizar pessoas - descobriu agora o R, como se vê nesta peça que é a manchete do Observador neste momento, e o Público tem também hoje uma peça mais ou menos igual, ouvindo as mesmas pessoas e usando as mesmas fontes para dizer as mesmas coisas, mais ou menos. São peças que, como no Público, dizem que o Rt baixa por causa das medidas, mas se sobe numa semana de medidas ainda mais restritivas, como na Páscoa, conclui-se que é por causa dos desrespeito pelas medidas, sem que se perceba qual é a informação de base que fundamenta esta gincana lógica.
Não tenho o menor apreço por teorias de conspiração nem processos de intenções, portanto nem me passa pela cabeça a hipótese de que alguém esteja a controlar a informação com objectivos bem definidos (embora o Observador faça eco do risco da populaça ter na mão valores de R "“Nas mãos dos especialistas, o R0 pode ser um conceito de grande valor. Porém, o processo de definir, calcular, interpretar e aplicar o R0 está longe de ser direto. A simplicidade de um valor R0 e a sua interpretação correspondente mascaram a natureza complicada desta métrica”, dizem especialistas dos Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA.").
O que me parece que se passa é a normal fragilidade da nossa Democracia:
1) a nossa falta de exigência - o que não faltam são pessoas preocupadas com a má interpretação que "as pessoas" possam fazer de informação complexa;
2) a falta exigência da nossa imprensa - a forma acéfala como estão a ser repetidas as afirmações parcelares veiculadas pelos politicos e funcionários (para este efeito chamam-se investigadores, especialistas ou cientistas) envolvidos na gestão da pandemia sem a menor exigência de acesso à informação primária que permita o escrutínio independente dessas afirmações;
3) a ideia dos nossos governantes de que se as pessoas "soubessem o que custa mandar, gostariam de obedecer toda a vida", de maneira que o melhor mesmo é ir tomando decisões sem dar muitas explicações para não confundir o povo.
Avaliar o Rt ao longo de toda a epidemia, como faz ali acima Francisco Rego, com base num modelo simples empírico, permite ir avaliando de que forma, e por que razões, este Rt vai variando.
Os nossos jornalistas acham normal que "Ao contrário de outros países (como é o caso da Alemanha, que inclui a evolução do R nos boletins diários), as autoridades de saúde em Portugal não têm divulgado de forma sistemática a evolução diária do número de reprodução do SARS-CoV-2 no país. Este valor, que é calculado pelo INSA, tem sido partilhado apenas com a DGS e o Ministério da Saúde e discutido com os líderes políticos", não lhes suscitando esta diferença de respeito pelas pessoas comuns por parte dos governantes e funcionários qualquer urticária.
No fundo, no fundo, têm razão: para quê avaliar publicamente se as medidas, e quais medidas, estão realmente a ter um efeito no Rt, e qual efeito, se confiando nos nossos governantes teremos a segurança de saber que "tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis"?
Adenda: a acefalia do jornalismo nesta discussão ultrapassa tudo o que é admissível. Agora é a moda de olhar para os números de cada dia e relacioná-los com o levantamento de medidas que ocorreu três ou quatro dias antes. Independentemente de tudo o resto, estas medidas só poderiam ter efeitos mais ou menos imediatos no R (mesmo assim são precisos alguns dias para os perceber, mesmo que sejam imediatos), só podem ter efeitos nos novos casos mais ou menos uma semana depois, e na mortalidade mais ou menos quinze dias depois. Relacionar variações de mortalidade (de resto, com muito pouco significado) dos últimos três dias com medidas tomadas há quatro ou cinco, como faz hoje o Observador noutra peça, mas fazem frequentemente outros jornais, não é jornalismo, é mesmo ignorância básica do assunto sobre o qual se escreve
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