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O que podem fazer os proprietários?

por henrique pereira dos santos, em 13.08.24

A pergunta do título do post está incluída no título desta peça sobre roubo de cortiça.

Já várias vezes tenho escrito sobre os roubos no mundo rural, seja cortiça, seja gado, seja pinha, seja azeitona, sejam metais de fios eléctricos ou equipamentos de rega, o que se quiser imaginar.

O mais interessante na peça é ver a GNR a responder sobre o que devem fazer os proprietários, como quem diz que o melhor é não ir de mini-saia para uma zona onde têm ocorrido violações ou deixar os ouros em casa se se vai para uma zona de assaltos.

Sim, são conselhos de bom senso, mas são conselhos de bom senso para lidar com o falhanço do Estado numa das suas funções essenciais: garantir a segurança de pessoas e bens.

Eu sei que é impossível evitar todos os crimes e há uma parte da defesa que é individual (os bancos passam o tempo a inventar sistemas para se defenderem de ladões de bancos) e outra que é comunitária (as comunidades em que as relações das pessoas são mais estáveis, começando pela estabilidade das pessoas que compõem a comunidade, tendem a ter mecanismos de controlo social mais eficientes, incluindo o que diz respeito à criminalidade).

Mas a função essencial do Estado de garantir o primado da lei está, com certeza, a falhar, quando são as pessoas comuns que são aconselhadas pelo Estado sobre a melhor forma de se defenderem dos que não cumprem a lei.

Quando os meus filhos nos ofereceram uma viagem que me levou a Moçambique em 2017, mais de quarenta anos depois de lá ter estado pela última vez, uma das coisas que mais me impressionaram foi ver um pessoa sentada à frente de cada entrada para uma casa ou prédio, cuja única função era assegurar-se de uma coisa que por aqui damos por adquirida, a quase inviolabilidade das nossas casas (mesmo a polícia só pode entrar sem consentimento nas nossas casas em algumas circunstâncias que a lei define, atribuindo a decisão de autorizar essa entrada a pessoas diferentes daquelas que querem entrar).

Para mim era a demonstração mais que evidente de um Estado falhado que não é capaz de garantir a segurança de pessoas e bens, levando as pessoas comuns a privatizar o serviço de segurança das suas casas, com duas consequências: 1) os mais pobres, que não podem pagar a quem fique sentado em frente de sua casa, estão ao Deus dará; 2) a eficiência na utilização de recursos é baixíssima, correspondendo a um gasto estratosférico de recursos para um retorno miserável (quer do ponto de vista de segurança, quer do ponto de vista da remuneração miserável do trabalho dessas pessoas).

Ver a GNR a dar conselhos de como se devem as pessoas defender dos roubos no mundo rural faz-me logo pensar num Estado que se demite das suas funções essenciais para ter dinheiro para gastar em coisas que não são essenciais ou, o que é pior, que correspondem melhor aos interesses das minorias com capacidade para capturar o Estado.

Mas quantas notícias de jornais nacionais, rádios de referência e televisões generalistas vemos nós sobre os roubos constantes no mundo rural?


8 comentários

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De Francisco Almeida a 14.08.2024 às 12:21

Não conheço a especificidade do mercado de cortiça mas talvez não seja diferente no fundamental do mercado do cobre há uns anos.
Roubaram-me 3 x 200m de fio de cobre que alimentava uma bomba submersível. O que obtiveram valeria 20 a 25 vezes menos do prejuízo e custo de substituição (desta vez enterrado).
Noutra ocasião numa madrugada de 5ª feira, roubaram 3 x 600m de fio que alimentava o meu PT (posto de transformação de média tensão). No dia seguinte, à tarde, apareceu a equipa da EDP (subcontratados) que iniciou a substituição, desta vez por alumínio- O trabalho durou até ao cair da noite de Sábado e implicou certamente horas extraordinárias. Sem que o pedisse, apareceu um enorme camião com um transformador que alimentaria uma pequena aldeia, para me assegurar o consumo, que seria talvez de duas lâmpadas eléctricas, um computador e duas ou três recargas da bomba de água. Custou-me a graça 2.400€ porque ao arrancarem os fios danificaram-se o seccionador que teve de ser substituído. À EDP terá custado 15 a 20 vezes mais.
No final o encarregado perguntou-me se eu ia apresentar queixa, caso em que teriam de elaborar e fornecer um relatório. Perguntado, disse-me que a EDP não apresentava queixa porque o custo administrativo era superior ao proveito que era de zero (toda a gente sabia e eu também quem eram os ladrões). Por isso, tal como quando ciganos alimentavam os acampamentos de por ligações à rede pública de iluminação, nunca apresentavam queixa. Eram apenas custos depois reflectidos no preço de venda.
A questão final é que, nessa ocasião, existiam apenas duas empresas que adquiriam cobre usado e o exportavam para a China. Se o Estado que temos quisesse fazer alguma coisa, teria de actuar sobre os circuitos comerciais. Acredito que o mesmo se aplique à cortiça.
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De M.Sousa a 14.08.2024 às 15:32

Claro que sim. Deveria actuar-se do lado da procura. Não do lado da oferta. No caso do cobre, da azeitona e da cortiça, os roubos respondem à procura. Claro que nestes casos, na linha da frente estão sempre os ciganos, mestres em explorar negócios fáceis - "o que está a dar". 
Tal como nos narcóticos, não adianta atacar os traficantes, apenas respondem ao estímulo da procura. Deviam reprimir e "cercar" o consumo, como fizeram, por exemplo, com o tabaco.
No caso do cobre, actuar sobre os sucateiros e demais compradores, na azeitona actuar sobre os lagares, e na cortiça sobre as aquisições da indústria. 
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De Silva a 14.08.2024 às 17:54

Actuar do lado da procura, levaria a fiscalizações intensivas feita pela polícia ou similares e essencialmente levaria a maiores gastos operacionais por parte do Estado sem grandes resultados práticos.
O que realmente seria eficaz seriam a implementação, rápida e em força de reformas estruturais a começar, repito, a começar pela abolição do salário mínimo, liberalização dos despedimentos e abolição dos descontos seguindo-se outras reformas estruturais sendo que as consequências seriam a reutilização e/ou reciclagem imediata feita pelos utilizadores/consumidores de vários materiais que proporcionaria a um aparecimento dum mercado desses materiais, por exemplo, os consumidores ao consumir uma lata de sardinha ou de atum, em vez de as atirar para o lixo, acumularia as latas para serem vendidas no mercado até chegar à siderurgia nacional para reciclagem muito mais rapidamente e a um custo mais baixo do que as actuais operações de recolha de lixo e reciclagem.
Os consumidores ganhariam algum dinheiro, os intermediários também, a siderurgia nacional idem idem aspas aspas, os custos com o transporte, reciclagem e depósito em aterros seria menor (ou seja, pouparia recursos ao Estado, pouparia energia, pouparia o ambiente). Afinal estamos a falar de alumínio. O mesmo se aplicaria a outros materiais como o cobre, pois há sempre pequenas quantidades de cobre que são deitadas ao lixo porque simplesmente não há um mercado suficiente para ser comprado e vendido rapidamente.

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