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Se se procurar no google "Fire paradox" ou "Fire trap", encontram-se dezenas de artigos sobre uma ideia relativamente simples, mas paradoxal: quanto mais eficiente for um sistema de supressão do fogo, pior é o primeiro fogo que fugir do controlo.
Esta ideia não é evidentemente minha, mas descrevo-a vezes sem conta, para contrariar a ideia de que deveríamos ter um país sem fogos: quanto mais investíssimos nessa ideia irrealista, mais estaríamos a investir numa tragédia futura.
Há umas cabeças frágeis que lendo esta frase conseguem concluir que estou a dizer que se deve queimar o mais possível, em qualquer circunstância e eliminar todo o esforço de combate aos fogos, por isso convém explicar a essas cabeças frágeis que não é nada disso.
O fogo é um filho do seu contexto (mais uma ideia que está muito longe de ser minha, e que uso frequentemente) e o que o paradoxo do fogo diz é que ao favorecer a acumulação de combustíveis, uma política de supressão do fogo, sem gestão de combustíveis, corresponde à substituição de muitos fogos pequenos e médios por um fogo catastrófico futuro.
O centro da ideia é a gestão de contexto, não é a supressão do fogo.
Lembrei-me disto quando me mandaram notícias sobre uma afluência anormal de crianças com doenças respiratórias aos hospitais, nesta altura do ano.
Depois, em comentários posteriores, vi exemplos de outros países e inclusivamente falaram-me do facto de surtos de polio no princípio do século XX terem sido relacionados com o avanço da higiene.
Não gosto de notícias que se baseiam em testemunhos individuais, por mais qualificados que sejam, em que os jornalistas não verificam a matéria factual desses testemunhos: não é por um responsável por um serviço de saúde dizer que está a verificar que há uma entrada anormal de pessoas que o jornalista fica dispensado de ir à procura dos factos verificáveis, por exemplo, nos registos das urgências ou internamentos, comparando-os com anos anteriores. Por isso não dou um crédito excessivo a estas notícias, acho que têm informação contingente a mais e organização e verificação de dados a menos.
Mesmo com todas estas reservas, não posso deixar de me lembrar que a assepsia é fundamental em acções de risco, quando se aumentam as probabilidades de infecção, por exemplo, quando se abre um doente, que é igualmente fundamental reduzir as condições de falta de higiene especialmente favoráveis a organismos que podem ser patogénicos, mas não é possível viver em permanente assepsia.
Ou melhor, em algumas doenças utra-raras, não há outra possibilidade de sobrevivência, mas em condições extremamente precárias e que representam um risco de vida permanentemente alto.
O excesso de assepsia parece corresponder às políticas de supressão de fogo: ao eliminar os mecanismos de adaptação ao contexto, ficamos à mercê de circunstâncias relativamente raras mas que é altamente provável que aconteçam no futuro (é uma questão de tempo a ocorrência de um fenómeno raro como um grande terramoto).
E, nessa altura, quando mais precisarmos da nossa resistência, ela não existe.
Hoje ouvi Carlos Aguiar a explicar - vou usar o que me pareceu que disse, a conversa nem era comigo, ouvi por acaso, por isso posso estar a trair o seu pensamento - que o papel ecológico do fogo é o mesmo da herbivoria: fazer a decomposição da matéria orgânica.
Claro que reconhecia que os processos não são idênticos, falava, se não me engano, num processo explosivo, no caso do fogo, e num processo lento, no caso da herbivoria (para além de outras diferenças).
O mais interessante era a ideia seguinte: na medida em que reduzirmos a intensidade do fogo, aumentarmos a frequência dos fogos e os deslocarmos do Verão para a Primavera, aproximamos os dois processos, de tal forma que o fogo controlado, enquanto processo ecológico, está muito mais próximo da herbivoria que de um fogo de Verão.
É claro que para chegar a esta elegância de formulação é preciso saber muito sobre os processos naturais, a forma como ocorrem independentemente da nossa vontade e a forma como podem ser geridos a partir do conhecimento que se vai acumulando no processo colectivo de gestão do território.
Bem apela Carlos Aguiar para que trabalhemos mais com os pastores que condensam, frequentemente, um conhecimento dos processos naturais que temos tendência a desvalorizar, havendo muita vantagem em que o seu conhecimento empírico e o conhecimento teórico de pessoas como Carlos Aguiar "se iluminem mutuamente" para benefício de todos.
A impressão com que fico é que o peso excessivo na gestão da epidemia dos que estão mais habituados a gerir a assepsia que a progressiva adaptação aos contextos reais em que vivemos, nos continua a conduzir a um beco sem saída, onde correríamos o risco de perder estupidamente uma quantidade anormal de crianças que fossem impedidas de desenvolver as suas defesas.
Felizmente as sociedades são demasiado complexas para que seja possível pôr as pessoas a comportar-se como autómatos, e por isso as doenças talvez tenham vindo a ter um desenvolvimento muito mais próximo do padrão habitual que seria de esperar da paranoia colectiva que recomenda a assepsia permanente como ideal de vida.
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