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O Outro

por José Mendonça da Cruz, em 21.02.24

O tempo de Pedro Nuno Santos tem pouca importância. É o que vem a seguir que importa.

 

Os antecedentes

Na noite de dia 26 de setembro de 2021, o então primeiro-ministro António Costa, na primeira declaração sobre os resultados das eleições autárquicas, não sendo conhecida ainda a votação de Lisboa, congratulou-se porque os portugueses «renovaram a sua confiança no Partido Socialista». E, depois de admitir que «uma eventual derrota em Lisboa (…) penaliza qualquer partido», concluiu que «o país não é só Lisboa».

Foi pedagógico ver, depois, como o enviesamento, o preconceito, o favoritismo partidário, afectam os olhos, os ouvidos e a inteligência dos observadores engajados. É que, sendo para eles evidente que o Partido Socialista jamais perderia Lisboa, e que Fernando Medina era intocável, nenhum ouviu o que acabara de ser dito. Era, aliás, a coisa principal que Costa viera dizer antecipadamente e a título de controlo de danos: os socialistas tinham perdido a capital. Dias depois, Costa diria que não estava prevista nenhuma remodelação governamental por causa das autárquicas, e que os «refrescamentos» não se fazem no inverno.

Nem de propósito: a primavera começara há dois dias, quando Fernando Medina foi nomeado ministro das Finanças, em 22 de março de 2022.

Costa ungia o herdeiro.

 

A imagem

Há uma fotografia notável do dia da apresentação do «Plano de Acção» socialista, por Pedro Nuno Santos, no domingo, dia 12 de fevereiro. Mas a notável fotografia de José Sena Goulão, da Lusa, uma daquelas imagens que vale mil palavras, não é do protagonista principal, é da plateia. Obviamente, o preconceito só tinha olhos para o palanque, onde Pedro Nuno Santos discursava para «Portugal Inteiro». Mas a imagem fala mais alto. Ela mostra Alexandra Leitão, devotada «pedronunista«, olhos marejados de entusiasmo, bebendo enlevada o discurso, e, num arroubo de militância, pondo o «Plano» mais a jeito. A seu lado está o ungido, Fernando Medina, em cuja expressão a câmara, certeira e oportuna, captou o aborrecimento paciente com que espera a passagem do tempo, a nuvem de desdém que o espectáculo lhe faz perpassar no rosto. E, antes de Pedro Nuno Santos falar, já Medina tinha falado, já Medina tinha dito o que tinha a dizer e lhe convinha.

 

O discurso

E que disse Fernando Medina? No habitual registo socialista de realidade paralela, glorificou a obra do governo, do seu e de António Costa, na «transformação estrutural da economia», na «recuperação de rendimentos» na «convergência com a UE», na «redução do risco de pobreza», na «redução da tributação do trabalho» e no aumento de salários, e nas contas públicas – tudo coisas que não são assim, ou não são bem assim, ou têm um reverso omitido.

A «agência noticiosa» Lusa ficou, evidentemente, maravilhada, e apresentou o resumo do discurso no tom hagiográfico que costuma usar com os donos: «Com a credibilidade de ser o ministro das Finanças que deixa o país com contas públicas certas, com um dos maiores crescimentos da economia de toda a União Europeia, com as exportações em alta…» Etc.

Os «próximos» de Pedro Nuno Santos, ou os «dirigentes» ou os «membros do núcleo duro» de Pedro Nuno Santos ficaram, obviamente, aliviados: que era bom ter Medina «a caucionar o cenário»; que «é a garantia de contas certas»; que é «mais um sinal de confiança e continuidade».

Mas não eram esses os pontos principais do discurso de Fernando Medina.

Os dois pontos principais eram e são, primeiro, que se expurgarmos o discurso de tudo o que tenha a ver com a governação de António Costa e Fernando Medina… bem, não sobra discurso nenhum. Nada. Nem uma palavra sobre infraestruturas, ou ferrovia, ou Habitação, ou TAP, ou aeroporto, nada. Sem o elogio a Medina/Costa não há discurso.

E – segundo ponto fundamental do discurso – os derradeiros vinte e poucos minutos, ocupa-os Medina a classificar o que, segundo ele, foi um bom governo socialista, o dele e de António Costa: «realismo», «prudência», «consistência», «credibilidade», «previsibilidade», «tranquilidade», «constância».

Não foi decerto por acaso que resolveu enunciar os antónimos de Pedro Nuno Santos.

 

O herdeiro

 Após a derrota nas eleições de 10 de março, o PS teimará durante bastante tempo em ignorar que o seu próprio interesse teria sido mais bem servido se tivesse sido outro, e não Pedro Nuno Santos, o sucessor de António Costa. Os media também. Os mesmos media que tão reverentemente apoiaram Costa, já vão inventando, agora, desculpas do «legado» de Costa para a mediocridade de Pedro Nuno Santos. Pois que mais poderia ele?! Estão a ver, é o legado! E acompanharão tanto tempo quanto lhes pedirem os estertores de esquerdismo radical de Santos.

Mas quando a maioria do PS e sua sede de poder constatar que o esquerdismo radical não a leva a lado nenhum, Pedro Nuno Santos terminará a fugaz e nada carismática carreira.

Não lhe sucederá António José Seguro, demasiado distante até dos «moderados», nem César, nem Carneiro, nem esse Francisco Assis que desbaratou toda a individualidade ao aderir ao que antes abominava.

Não. O sucessor será o herói sobrevivente dos anos gloriosos de Costa e Medina (cujo legado os media voltarão a glorificar). Em quem os socialistas reconhecerão o homem que governou bem, nos anos do governo de Medina e Costa; o camarada que fez tudo bem, e que esteve com o partido, até quando, abnegadamente, teve que ocupar um lugar secundário; o moderado «prudente», «previsível», «constante», «realista» de que precisam para voltarem a ocupar todos os postos do Estado e todos os postos das entidades que escrutinam o Estado. Fernando Medina, «o único e legítimo herdeiro».

 

O adversário

O governo da PAF foi vítima de uma ficção criada pelo Partido Socialista, e acolhida, acentuada, enriquecida, propagandeada pelos media, com destaque para as televisões: a ficção de que os riscos e os sofrimentos resultantes da bancarrota causada pelos socialistas eram culpa de quem sanou os estragos da bancarrota e devolveu credibilidade ao país.

Além da tarefa central de governar e remediar a ruína, o governo de direita saído das eleições de março deve preocupar-se menos com as pulsões radicais de Santos (ainda que venham a suscitar, inevitavelmente, o entusiasmo dos media), e mais em prevenir e contrariar desde o início – dado a dado, ponto a ponto, declaração a declaração, número a número – essa narrativa que chegará quando chegar «o único e legítimo herdeiro»: a narrativa ficcionada de que o governo de Medina (e, vá lá, também de Costa) foi um bom e progressivo governo, e não o pior governo da democracia, um colectivo incompetente e corrupto, um completo e verdadeiro desastre.

 


14 comentários

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De IMPRONUNCIÁVEL a 21.02.2024 às 23:18

VOTAR?

Dar autorização a quem não conhecemos para durante 4 anos fazer o que lhe apetece em nosso nome (guerras, negócios, decisões, etc.)?

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De IMPRONUNCIÁVEL a 22.02.2024 às 01:00

O PNS, com a da 'reciprocidade' entalou o PSD.
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De RR a 22.02.2024 às 16:12

Se o P(N)S fala para valer, em vez de andar aí a berrar reciprocidade, comece por dar o exemplo nos Açores... 
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De O apartidário a 22.02.2024 às 08:27

Com um Governo chefiado por Medina teremos enfim uma mesquita na rua da Palma.
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De Ricardo a 23.02.2024 às 15:11

Não sejam chonéfobos diz(mais uma vez) o inquilino de Belém-cascais. 
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De O apartidário a 22.02.2024 às 08:38

Um candidato do outro mundo
O PS, ou uma parte do PS, entrou em pânico. Refiro-me aos socialistas que escolheram o dr. Pedro Nuno para os chefiar e, uma redundância na perspectiva deles, chefiar o país.

17 fev. 2024, 00:20 no Observador

Na quinta-feira, o dr. Pedro Nuno começou uma resposta aos jornalistas da seguinte maneira: “É óbvio que, enquanto primeiro-ministro e enquanto cidadão me preocupa que pessoas estejam detidas durante 21 dias. Sobre isso não haja a mínima dúvida. Aquilo que acho que não devo fazer enquanto primeiro-ministro é estar a fazer comentários sobre casos judiciais em concreto.”

Assim fica difícil, difícil para os comentadores e difícil para o PS. É tradição os socialistas apresentarem candidatos medíocres, maus, péssimos ou miseráveis. Porém, esta é a primeira vez que apresentam um candidato residente numa dimensão paralela, impermeável aos critérios habitualmente utilizados no nosso planeta. Há políticos à frente do seu tempo e há, com maior frequência, políticos atrás do seu tempo. O dr. Pedro Nuno situa-se ao lado do seu tempo, num cantinho recatado em que ninguém penetra sem auxílio de psicotrópicos.

Começo a suspeitar de que a frase do ano – “Diga lá o que é que não funciona!” – não foi um pobre exercício de retórica, e sim genuína estupefacção e sincero interesse. O dr. Pedro Nuno queria ser informado sobre o que não funciona em Portugal porque de facto não sabe. Não sabe o que se passa na saúde, na educação e na justiça. Não sabe o valor do salário mínimo. Não sabe as tarifas da CP. E quando finge saber alguma coisa o dr. Pedro Nuno diz coisas destas: “Os portugueses preferem esperar no SNS do que ser atendidos no privado”, uns dias depois de admitir ser cliente de hospitais privados. O reino do dr. Pedro Nuno não é deste mundo.

Alberto Gonçalves no Observador


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De cela.e.sela a 22.02.2024 às 10:01

«Ora zus, truz, truz,
Ora zás, trás, trás,
Ora chega, chega, chega,
Ora arreda lá pr'a trás!
{eoc}

Indo eu, indo eu,
A caminho de Viseu,
Escorreguei, torci um pé,
Ai que tanto me doeu!»


transforam isto numa pastagem para camelos, burros e outras cavalgaduras bem ferradas

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De João Ribeiro a 22.02.2024 às 17:04

Sabe bem, ler isto.
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De Anónimo a 22.02.2024 às 19:21

Sem dúvida :)
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De Anónimo a 22.02.2024 às 18:02

Insisto : eu sei que no "torrãozinho de açúcar" em que nasci e em que vivo, se lê (muito) pouco. Mas, mesmo assim, custa-me a crer que neste esclarecido e bem informado país,  já entrado no sec.XXI, haja quem , no seu perfeito (?) juízo , encare seriamente a possibilidade de dar o seu voto a esta mais que ridícula caricatura de Dâmaso Salcede...
Mas depois lembro-me do bicharel sócrates, e aí...
Juromenha


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De Anónimo a 22.02.2024 às 19:20

Agradeço a sua clarividência! Subscrevo tudo, tudo, tudo. 
Tirou-me as palavras da boca no seu último parágrafo.
A.P.
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De IMPRONUNCIÁVEL a 24.02.2024 às 10:19

Vão ser as pessoas anónimas que, por intuição e escolha, darão a vitória-derrota, porque nem Montenegro nem PedroNunoSantos têm carisma. E o PSD, se perder, será por culpa dos votos que o Chega lhe tirou.

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De IMPRONUNCIÁVEL a 24.02.2024 às 13:56

Uma pessoa como eu (e como milhares de outras idênticas), que não vota, raciocina de modo diferente dos que acreditam no ‘voto’ e no regime da ‘Democracia’.

 

O ERRO DA DEMOCRACIA, E A NECESSIDADE DE PÔR-LHE FIM.

 

O erro da Democracia é esse. De adoptar o critério meramente quantitativo do voto para se legitimar. 'Governar' é um exercício de Poder. E esse Poder nunca está, nem nunca estará, apenas na quantidade de votos. Razão pela qual, o regime designado 'Democracia' é a causa de tantos males, guerras e assimetrias no mundo atual. É necessário mudar de Regime. Urge, encontrar um melhor do que a 'Democracia'. Todos os regimes foram inventados, logo, muitos mais podê-lo-ão ser.

 

Por exemplo, a decisão de manter a soberania e independência de Portugal é uma questão de ‘quantidade de votos’, isto é, de ‘Democracia’? E ocuparem-nos a casa e prenderem-nos por causa das nossas ideias não serem conformes à maioria dos votos? Etc.

 

É necessário encontrar um regime melhor do que a ‘Democracia’ aprendendo com a história do passado. Percebendo como a adopção do regime da ‘Democracia’ foi fruto do positivismo e do racionalismo do séc. XIX e XX. Concretamente, do modo como se definiu o ‘Moderno’ por contraponto ao ‘Tradicional’.

 

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