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Este programa da Rádio Observador foi-me bastante útil para eu sistematizar, na minha cabeça, a questão da TAP (com recurso a Sérgio Palma Brito para questões complexas pontuais que eu não estava a conseguir integrar na minha opinião sobre o assunto).
Talvez a frase que me tenha influenciado mais, ao ponto de fazer este post, é uma frase de Susana Peralta "a Airbus ganhou dinheiro", mas a ideia mais fecunda é a da habitual sensatez de Luís Aguiar-Conraria: não, não basta discutir apenas a legalidade das coisas, é preciso avaliar se o empresário toma decisões que prejudicam a empresa para que ele ganhe pessoalmente por fora (devo dizer que acho que a gestão danosa até cabe na discussão da legalidade, parece-me, mas deixemos isso de lado porque a questão, posta assim, de forma autónoma em relação à legalidade, me interessa bastante).
Comecemos pela posição de partida de cada interveniente no momento da decisão sobre a privatização, e depois avaliemos como essa posição de partida evolui.
A posição de partida da TAP é de desespero financeiro. O Estado está impedido de voltar a meter dinheiro na empresa, sob pena de ser considerada uma ajuda de Estado ilegal, a empresa está tecnicamente falida (os seus capitais são negativos), tem uma dívida monstruosa e está em risco de grave incumprimento financeiro, quer quanto às obrigações contratuais na compra de novos aviões que encomendou dez anos antes, quer mesmo em risco de deixar de ter dinheiro para pagar salários.
O Estado português, dono da empresa, não tem maneira de a capitalizar e não tem maneira de a vender porque não há ninguém interessado em comprar uma companhia falida com um modelo de negócio que não se percebe como poderá remunerar o capital necessário para a manter viva. Acresce que na sociedade há um forte movimento nos jornais, e em parte das elites, que todos os dias diz que o país deixar de ter uma companhia de aviação é uma tragédia ao nível da integração de Portugal no conjunto de estados sob a tutela da coroa espanhola em 1580.
A Airbus, fornecedora de aviões e, por essa via, credora da TAP, está numa posição mais que confortável, visto que se a empresa existir, a venda dos aviões prossegue normalmente, se a empresa deixar de pagar as prestações de compra dos aviões, como parece ser mais provável, a Airbus fica com os 40 milhões já pagos e pode vender os aviões a outros clientes, em condições mais favoráveis, porque entretanto o preço daqueles aviões subiu (a TAP não pode vender a sua posição contratual, portanto não pode apropiar-se do ganho que resulta de vender agora os aviões a terceiros, ganho esse que será sempre da Airbus).
Num processo mais que aberto de privatização, aparece um novo interveniente, David Neeleman, um empresário de aviação com negócios sobretudo nos Estados Unidos e Brasil, de dimensão relativamente modesta no sector, mas de sólida reputação de conhecedor do mercado da aviação e com uma boa relação com a Airbus, a quem abriu o mercado dos aviões dos Estados Unidos, uns anos atrás.
Neeleman tem uma ideia - transformar a TAP numa ponte entre a Europa e os seus dois mercados preferenciais, EUA e Brasil - mas não tem dinheiro (ou vontade) de arriscar muitos milhões nessa ideia.
Partindo destas circunstâncias, Neeleman vê uma oportunidade que ninguém tinha visto até ao momento e que consiste em redefinir o modelo de negócio da TAP a partir de uma alteração estratégica da sua frota, dispensando os aviões mais caros que têm vantagens em voos de mais de dez horas (de que a TAP só tinha dois destinos, Porto Alegre e Maputo), e comprando uns aviões novos mais competitivos, e mais baratos, para percursos possíveis a partir de Lisboa, mas já não de Madrid, o que, penso eu, vai beneficiar também as suas empresas americanas e brasileiras para quem será canalizado parte do negócio gerado pelo reforço de rotas da TAP para EUA e Brasil.
Subsiste, no entanto, o problema do financiamento desta alteração estratégica.
Neeleman vai ter com a Airbus, demonstra-lhes que vão ganhar muito dinheiro com a falência da TAP, como a Airbus está fartinha de saber, é verdade, mas que podem ganhar muito mais financiando a TAP, a quem podem vender aviões que a Airbus tinha desenvolvido, mas que ainda não tinham demonstrado a sua utilidade no mercado.
E apresenta-lhes o plano de negócio que tem para a TAP, permitindo à Airbus vender a terceiros, por valores mais altos, os aviões encomendados pela TAP, e vender à TAP novos aviões, bastante mais baratos, e que a Airbus tem interesse, naquele momento, em promover.
Só que para isso é preciso financiar a TAP e Neeleman propõe à Airbus que parte do que vão ganhar com esta venda de aviões já encomendados e venda de novos aviões a encomendar, seja antecipadamente entregue à TAP, que irá pagando à medida que compra os novos aviões a encomendar.
A Airbus, cujo negócio é vender aviões, aceita a proposta que lhe permite vender mais aviões, porque acredita que Neeleman encontrou uma reorientação estratégica da empresa que lhe vai permitir sobreviver, e Neeleman apresenta uma proposta de privatização ao Estado português que consiste em pagar a empresa por muito mais do que ela vale (10 milhões são trocos, mas os capitais negativos da empresa são custo de capital para o investidor), para depois a capitalizar com esta operação complexa (mais complexa que o descrito aqui porque envolve outros investidores, como Humberto Pedrosa e uns chineses e outras coisas).
O Estado português, através da Parpública, quer garantias de que a complexa troca de encomendas de aviões não financia toda a operação através do preço inflacionado dos novos aviões (e, já agora, que os 40 milhões já pagos pela TAP não se perdem na desistência da compra que estava em curso) e pede três avaliações do preço dos novos aviões, concluindo todas elas que o preço é o preço de mercado dos novos aviões.
Qual é, então, o ponto de chegada de todos os intervenientes, depois desta privatização concretizada?
A TAP foi capitalizada e a reorientação estratégica que implica a troca de aviões tornou-a competitiva.
O Estado português livrou-se de um peso financeiro que os contribuintes carregavam estupidamente (eu acho que é estupidamente, aceito perfeitamente que haja quem ache que, pelo contrário, é uma afirmação de soberania nacional essencial, como defende o Chega).
A Airbus ganhou uma pipa de massa quer com a revenda dos aviões anteriormente encomendados à TAP, quer com a venda de novos aviões à TAP, demonstrando ao mercado, de caminho, a superioridade dos seus novos aviões, em algumas circunstâncias.
Neeleman ganho um instrumento estratégico de crescimento dos seus negócios, sem forçar as suas necessidades de capital acima do que pretendia.
Perdedores?
Os que acham que a TAP é uma questão de soberania nacional e os que defendem a apropriação colectiva dos meios de produção.
Infelizmente, estes perdedores conseguem criar no PS e em António Costa a percepção de que são relevantes eleitoralmente, razão pela qual o PS nunca desistiu de apresentar a nacionalização da TAP como um troféu eleitoral, ainda que isso custe milhões aos contribuintes, em especial a partir de um fenómeno estocástico, imprevisível por definição, uma epidemia que deixou os aviões em terra durante demasiado tempo, a consumir recursos, sem gerar retorno.
Não tenho nada contra os que acham que uma doação da Airbus a Neeleman de 200 milhões (essa é a definição formal da transferência da partilha de ganhos com as alterações contratuais na compra de aviões que vai financiar a TAP) é uma marosca que deve ser investigada pelos tribunais, limito-me a não entender como uma partilha de benefícios de uma alteração empresarial estratégica que beneficia todos os envolvidos é uma marosca inaceitável, mas estou perfeitamente aberto a ouvir argumentos racionais nesse sentido.
Já ouvir Alexandra Leitão, Pedro Nuno Santos, António Costa e outras pessoas que tiveram responsabilidades no assunto, e portanto sabem perfeitamente que a TAP não podia negociar a sua posição contratual em relação aos aviões encomendados, que entretanto se tinham valorizado, e sabem perfeitamente que a Airbus aceitou o risco de entregar 200 milhões para capitalizar uma empresa falida apenas porque o promotor dessa reorientação estratégica e capitalização era aquele empresário concreto, em quem a Airbus confiava, francamente, não tenho interesse nenhum, porque o problema deles não é falta de informação, é mesmo falta de carácter.
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