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Ontem ouvi Manuel Pizarro a propósito do Serviço Nacional de Saúde estar de pantanas e dizia ele que em qualquer caso, tem havido resposta, é verdade que há sobrecarga dos médicos que teriam de atender os doentes do seu hospital e agora têm de somar os doentes dos hospitais que não os recebem, sobrecarga para os corpos de bombeiros que têm de andar a fazer mais quilómetros e incómodo para os doentes, mas a assistência é prestada e o Serviço Nacional de Sáude continua a dar resposta.
Este é um dos modelos de resposta dos responsáveis do governo quando confrontados com os resultados confrangedores da sua acção: é verdade que há problemas, mas estamos a trabalhar para os resolver, não esquecendo que o problema existe há décadas, ou é estrutural e muito complexo, é mais ou menos o guião da resposta, a que se seguem meia dúzia de acções pontuais concretas já tomadas ou, sobretudo, que vão ser tomadas nas semanas seguintes (como abrir concursos para vagas que se sabe que não interessam aos potenciais concorrentes).
O outro modelo de resposta, o que Costa usa quase sempre, é uma ladaínha de milhões de euros gastos numa lista de coisas concretas escolhida a dedo, para demonstrar o empenho do governo, acompanhada ou não de referências a cortes do governo de Passos Coelho, para vincar a diferença.
Vamos então a um caso concreto de incómodo para o doente.
Um cidadão apanha gasóleo da estrada, vai de rojo com a mota contra o rail - felizmente os rails já têm frequentemente saias, portanto a probabilidade de amputarem pernas de motociclistas é hoje muito mais baixa - e parte qualquer coisa.
Vem a ambulância dos bombeiros mais próximos e levam-no para a urgência do hospital estatal mais próximo (primeira nota de gestão, não o levam para a urgência mais próxima disponível porque o Estado não trata todos os hospitais da mesma maneira, considerando os hospitais estatais de forma diferente dos outros).
Nesse hospital é feita a primeira avaliação, incluindo uma série de exames complementares de diagnóstico, raio X, TAC, o que for.
Concluem que é preciso operar e encaminham o doente para a urgência do hospital da residência, mas sem ir acompanhado do processo clínico completo, portanto, à chegada à urgência do hospital de residência, novos exames complementares de diagnóstico, raio X, TAC e afins (segunda nota de gestão, a transferência do doente não é feita com critérios de racionalidade de gestão, mas com critérios administrativos, dos quais resulta ineficiência, duplicação de exames, tempos de trabalho e ocupação de espaço hospitalar).
A conclusão confirma-se e o doente fica três dias na urgência, numa maca no corredor do serviço de observação, não porque isso seja necessário, mas porque não há meios para operar ou transferir para enfermaria (terceira nota de gestão, o doente poderia estar a ser tratado mais rapidamente e em instalações hospitalares menos pressionadas, mas por uma alocação deficiente de recursos administrativa, acaba estacionado na urgência, ampliando os problemas das urgências e o custo da assistência hospitalar).
Independentemente da péssima gestão dos recursos, o doente considera que está a ser tratado como um rei, por gente impecável, e pede à família que traga um bolo para toda a equipa, por lhes estar muito agradecido pela atenção que lhe é dedicada.
Ao fim de três dias numa maca nas urgências, é tranferido para uma enfermaria, esperando mais oito dias para finalmente ser operado.
Porque é preciso?
Não, porque é difícil encontrar tempo de bloco operatório e equipas disponíveis para a operação. Durante esses oito dias, por duas ou três vezes se faz o jejum e a preparação prévia para a operação, com o que isso significa de afectação de meios e incómodo para o doente, mas novas urgências acabam por inviabilizar a operação, interferindo com a actividade programada.
Ou seja, durante oito dias há a ocupação de uma cama de enfermaria, com o que isso significa de afectação de recursos e medicalização do doente - por estranho que possa parecer, ter coisas partidas dói bastante - exclusivamente por uma alocação de recursos que afunila as urgências e a utilização do bloco operatório (nova nota de gestão, teria ficado muito mais barato ao Estado, no primeiro dia, ter entregue o doente a um hospital com capacidade de o operar, fosse o hospital privado ou estatal, que aguentar o custo de dez dias de ocupação de uma cama hospitalar, três dos quais, na urgência, e fazer a cirurgia no fim).
De onde vem toda este absurdo gestionário que o ministro considera como sobrecarregando os sistemas e representando incómodo para o doente, mas a demonstração de que a resposta do SNS acaba sempre por ser dada?
Do facto dos administradores hospitalares não terem instrumentos de gestão adequados.
Aos administradores dos hospitais está vedada a verdadeira gestão de recursos, não tendo liberdade para contratar ou despedir, ou mesmo para decidir transferir um doente para outro lado qualquer, pagando, porque fica mais barato que ter um doente dez dias a ocupar camas à espera de Godot (eu sei que há administradores hospitalares que argumentarão sempre que transferir aquele doente para ser operado mais rapidamente noutro lado qualquer não representaria nenhuma poupança porque a cama iria ser sempre ocupada por outra pessoa, mas estou a falar de pessoas com um mínimo de competência para as funções que exercem, ou melhor, com os incentivos adequados para que tenham uma gestão racional dos recursos postos à sua disposição para obter um resultado definido).
Não faz o menor sentido andar o Ministro da Saúde a discutir com sindicatos se a hora de um médico vale mais que a de uma mulher a dias, essa não é a função do ministério da saúde, isso cabe ao mercado decidir: se o administrador precisa de um médico com a especialidade X para obter melhores resultados, tem de ter a liberdade para o fazer, pagando o que for o ponto de equilíbrio entre o que o médico quer e o hospital pode pagar.
Sim, eu sei que sem a intervenção do Estado nesse mercado, pode haver problemas sérios de acesso à saúde, e cabe ao Ministro (ou ao Governo, melhor dizendo), definir que tipo de incentivos pretende dar para que as pessoas que não têm recursos possam aceder a cuidados de saúde, o que não faz sentido é considerar que o Sistema Nacional de Saúde exclui infraestruturas e recursos disponíveis com base na propriedade das paredes do hospital.
Cada um dos médicos, dos enfermeiros, dos auxiliares que trabalham num hospital estatal são privados, são pessoas que vendem o seu trabalho em troca de um ordenado e outros tipos de retorno, comportando-se como qualquer privado: escolhem a quem vender pelo retorno, financeiro ou não, que esperam obter.
Cada um dos hospitais, sejam as paredes do Estado ou do Zé dos Anzóis, comporta-se como um privado, querendo contratar esses médicos, enfermeiros e auxiliares pelo melhor preço possível, em função da necessidade de entregar um resultado definido (pode estar bem ou mal definido, com certeza).
Se dúvidas houvesse, bastaria ter em atenção o que aconteceu com o fim das PPP da saúde: mais dinheiro gasto, muito pior serviço prestado.
Porque os privados são melhores?
Não necessariamente, porque os incentivos se alinham mais facilmente para que os administradores hospitalares tenham melhores resultados, desde logo, pela liberdade contratual que têm e que as regras de gestão do SNS (do Estado em geral) não permitem.
E a demonstração de que isso é uma questão de incentivos, é feita pelos resultados das PPP rodoviárias, que são bastante maus.
A diferença entre os dois modelos de PPP está no risco para o privado associado aos dois modelos.
No caso das PPP rodoviárias, como na verdade boa parte daquelas estradas não eram necessárias, a não ser por razões eleitorais, e portanto o volume de tráfego que os privados esperavam gerar era baixo, tornando excessivo o risco do investimento, o Estado resolveu ficar com o risco para si, com base em estudos malucos de tráfego e vontade política de fazer as estradas, transformando as PPP rodoviárias em sistemas rentistas, sem risco para o privado.
Na saúde, pelo contrário, o risco ficou, e bem, do lado do privado, o que obriga os administradores a procurar melhorar a eficiência a todo o custo, porque só gerindo mais eficientemente conseguem melhorar os seus resultados (seria impensável ter um doente dez dias a ocupar camas e gastar recursos, simplesmente à espera que uma vaga no bloco operatório coincidisse com a disponilidade da equipa para operar o doente).
Claro que tudo isto é irrelevante enquanto os ministros acharem que o incómodo do doente é um pormenor e os eleitores acharem que desde que realmente a pessoa seja operada, não é muito importante a eficiência dos recursos alocados a isso ou, pelo menos, é muito menos importante que garantir que os privados não vivem à custa do Estado, por serem pagos por serviços que efectivamente prestam.
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