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Há muitos anos, tantos que já nem me lembrava desta história, eu, com a equipa de fiscalização que estava comigo, almocei num restaurante em Molianos, ou por ali, onde habitualmente almoçavam muitos exploradores de podreiras.
Não sei como está hoje a situação, na altura era das situações mais complicadas de gestão de pedreiras no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros porque a área de exploração de pedra coincidia com a povoação, dois usos evidentemente incompatíveis e conflituantes, havendo pedreiras muito antigas que passaram a ter casas nas imediações com o crescimento urbano e casas muito antigas que passaram a ter pedreiras nas imediações com o crescimento da exploração de pedra.
Era uma boa escola de ambientalismo prático, que infelizmente a esmagadora maioria de ambientalistas nunca teve na vida, porque havia razões de parte a parte, havia razões contraditórias para as mesmas pessoas: as pessoas que se queixavam dos incómodos causados pela exploração de pedra eram as mesmas que beneficiavam da valorização estratosférica do valor dos terrenos e das casas causada por essa exploração.
Gerir uma situação de décadas em que habitação e exploração de pedra em profundidade coincidiam no mesmo espaço, é um exercício com um imenso potencial pedagógico.
Quando pedimos a conta do almoço no restaurante, disseram-nos que estava paga.
Expliquei que eu ia pagar a conta e perguntei, tive de insistir, evidentemente, quem tinha pago, para poder ir à pdereira do senhor em causa explicar-lhe que tinha um crédito pendente no restaurante, visto que a nossa conta do almoço seria paga por nós.
Quer a senhora do restaurante, quer o explorador da pedreira ficaram muito espantados com a situação, que aparentemente nunca lhes tinha acontecido.
Foi num programa de televisão sobre o Freeport que Fátima Campos Ferreira, se não me engano (era um prós e contras) me perguntou se uma situação qualquer era normal e eu, sem perceber verdadeiramente o alcance da minha pergunta, intuitivamente, perguntei-lhe se me estava a perguntar se era habitual ou se era normal.
Só depois me apercebi bem do que eu próprio tinha perguntado e, a partir daí, sempre que surgem notícias como as dos últimos dias, pergunto-me se isto ou aquilo é normal ou habitual, que é uma forma simples de distinguir entre o que é das normas (o que devia ser) e o que é dos hábitos (o que realmente acontece todos os dias).
Também há muitos anos, era a pessoa responsável pelos processos de avaliação de impacte ambiental em que participava o Instituto da Conservação da Natureza, e recebi um cabaz de Natal, bastante rico, para além do azeite, bacalhau, compotas e essas coisas, incluía ainda umas peças de loiça de Viana.
Telefonei ao senhor que tinha mandado o cabaz, agradecendo, e explicando que o iria entregar na Igreja que era por baixo da sede do ICN, depois de informar a minha hierarquia, claro, e que lhe estava a telefonar porque não queria que ficasse pensar que tinha ficado ofendido com a oferta, pelo contrário, achei que tinha sido muito simpática, mas era uma questão de princípio.
O senhor ficou para morrer, este procedimento fazia parte das suas práticas empresariais de sempre, para com fornecedores, clientes e outras pessoas que no ano anterior tinha tido contactos mais relevantes com a empresa e nunca lhe tinha passado pela cabeça que alguém pudesse ver essa simpatia como mais que uma simpatia e um agradecimento, por ter sido bem tratado nesses contactos.
Insisti que era exactamente por saber que assim era que lhe estava a telefonar, se em algum momento achasse que me estava a tentar influenciar com essa oferta, ter-me-ia limitado a devolvê-la, em vez de a aceitar, encaminhar para a paróquia e lhe telefonar a agradecer e explicar que, na posição em que estava, não era possível aceitar o cabaz para mim.
Quer tudo isto dizer que nunca aceitei almoços ou ofertas?
De maneira nenhuma, aceitei muitos almoços e algumas ofertas - tenho até ali uma garrafa de vinho da Herdade da Espirra, que a Navigator me deu da última vez que me convidaram para ir falar numa iniciativa deles e do Expresso, que terei muito gosto em beber um dia destes -, até porque sempre me ensinaram que quem não sabe receber, também não sabe dar.
A questão está, como em muitas outras coisas, no que é sintetizado numa expressão latina que o meu pai (que estudou num seminário até se convencer de que não tinha vocação para padre) repetia frequentemente "est modus in rebus", há uma medida para todas as coisas.
Curiosamente, Paracelso, acaba a dizer a mesma coisa a partir da química, muitos séculos mais tarde: a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.
Há quem desvalorize o tráfico de influências e os almoços grátis, essencialmente porque são coisas habituais.
Eu próprio tenho escrito e dito que se escutassem os telefones de toda a alta administração pública, pelo menos metade da alta administração pública era engavetada à conta do tráfico de influências.
Mas vou sempre repetindo que o facto de uma coisa ser habitual, acontecer todos os dias perante os olhos indiferentes de toda a gente, não quer dizer que essa coisa seja normal, no sentido em que corresponda a uma boa norma, ao que deveria ser.
Uma das maiores fragilidades institucionais que temos é exactamente a nossa complacência para com o tráfico de influências e pequena troca de favores, sem circulação de dinheiro.
Se, em algum momento, houver um conflito entre a liberdade de acção política do governo e a liberdade de investigação do ministério público, a opção, para mim, não levanta a menor dúvida: é de longe preferível ter o poder com medo dos erros do ministério público, a ter um ministério público com medo de cometer erros em processos que investigam o eventual abuso desse poder.
Para a sociedade, o risco de haver um poder cujo abuso é dificilmente sancionado é incomparavelmente mais corrosivo que haver uma justiça cujos erros influenciem excessivamente a actividade política.
Os eventuais prejuízos sociais que decorram do facto de António Costa se ter demitido - o governo não foi derrubado pelo ministério público, o governo foi derrubado por António Costa e por opção de António Costa - não resultam da acção do ministério público mas de todo o histórico de actuação de António Costa, fortemente caracterizado pela sua convivência e complacência com esquemas e habilidades, desde muito antes de ser primeiro-ministro, de que é exemplo claro a sua serena convivência com José Sócrates e tudo o que o rodeava.
Tal como nos fogos, discutir a ignição é mais ou menos irrelevante, o fundamental é a acumulação de combustível anterior ao momento da ignição.
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