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"Dizem que o ódio é baboseira
E que a raiva é má conselheira
Mas nós com o grande capital
Damo-nos mesmo muito mal"
Começo com Sérgio Godinho para falar de Helena Pereira, uma editorialista do Público, e de muitos outros, como António Mendonça Mendes, do PS.
Antigamente era a esquerda mais radical que concordava com o Sérgio Godinho de 1974, partindo do princípio de que o lucro era sempre a apropriação indevida da mais valia que pertencia ao trabalhador por direito.
O resto das pessoas, incluindo a esquerda moderada, poderia defender "“Tax the rich” is always the answer. “Why” changes with the seasons", como diz John H. Cochrane neste artigo muito interessante que me mandaram ontem, mas, em teoria, não era contra o grande capital, só pretendia controlá-lo e taxá-lo (e, mesmo assim, na frase que citei, a ideia é taxar os ricos, não é taxar as empresas, grandes ou pequenas).
Helena Pereira escreve, como introdução, "a polémica descida do IRS que era para valer 1500 milhões de euros e que afinal se ficará por 200 milhões", uma mentira evidente da jornalista.
O governo, a AD e Montenegro sempre falaram de uma descida de 1500 milhões face a 2023 e é o que vai acontecer, mas o que verdadeiramente lhe interessa no editorial, até porque a mentira tem perna curta, é dar visibilidade a um argumento que a esquerda, incluindo o PS, tem vindo a usar: a contraposição entre impostos pagos pelas famíias, que é justo baixar, e impostos pagos pelas empresas, uma borla fiscal indecorosa, que rapidamente se afunila nas grandes empresas, vistos serem essas que pagam a larga maioria do IRC.
Comecemos pelo essencial: as empresas não pagam impostos, quem paga impostos são os seus donos, os seus fornecedores, os seus trabalhadores e os seus clientes através da actividade das empresas. Qualquer imposto sobre uma empresa é apenas um custo que se vai reflectir nos preços.
A ideia de que reduzir impostos sobre lucros é aumentar os lucros é uma ideia infantil, porque a maximização do lucro, um dos objectivos da empresa, com certeza, é limitada pela necessidade de produzir ao menor preço possível, se a empresa se quer manter competitiva.
Claro que se o retorno do investimento, se quisermos, claro que se a remuneração do capital não for interessante para o capitalista, ele vai investir esse capital noutra actividade, se se preferir, há um custo de oportunidade associado que se mede pelo lucro conseguido com determinado capital que pode ter diferentes aplicações.
Aumentar ou diminuir o imposto sobre lucros interfere nesse custo de oportunidade que, num mundo globalizado e com liberdade de circulação de capitais, significa analisar investimentos em todo o mundo.
Dito de outra maneira, aumentar os impostos sobre os lucros do Pingo Doce tem como resultado condicionar as opções da Jerónimo Martins sobre o que fazer ao capital disponível para investimento, seja no Pingo Doce (Portugal), Biedronka (Polónia), Ara (Colômbia) ou no outro sítio onde andam a preparar a entrada do grupo, que não me lembro onde é.
Se o retorno do capital investido pela Jerónimo Martins em Portugal, que tem um retorno talvez de 6%, ou coisa do género (sim, os milhões de lucros são muitos, mas os milhões de investimento também, o que interessa não é se o valor global do lucro de uma empresa é alto ou baixo, o que interessa é a taxa a que é remunerado o investimento necessário para criar esse lucro), for muito mais baixo que o retorno na Polónia, na Colômbia ou no tal outro sítio, o mais natural é que as decisões de investimento do grupo reflictam essa diferença e o investimento seja prioritariamente canalizado para onde tem maior retorno.
O que não faltam, em Portugal, são empresas de vão de escada com retorno do investimento muito maiores que os das grandes empresas, ou porque estão em sectores específicos em que o desequilíbrio entre oferta e procura é favorável à oferta, ou porque os donos trabalham horas sem fim sem remuneração adequada desse trabalho, ou porque têm uma vantagem que mais ninguém consegue (jogar melhor futebol, pintar de maneira diferente, etc.), ou porque exploram mais facilmente os seus trabalhadores, ou porque a sua pequena dimensão permite fazer desaparecer os lucros disfarçados de despesas, ou simplesmente porque têm acesso a contratos leoninos porque têm relações privilegiadas com quem decide esses contratos, especialmente se o dinheiro que os paga não é de quem os decide.
Taxar os lucros dessas empresas apenas faz com que os seus donos comprem carros que não são imprescindíveis, como remuneração acessória, para pagar menos impostos, numa aplicação de capital mais ineficiente que a que fariam se os impostos não atingissem um valor que os próprios acham excessivo, quer sobre o trabalho, quer sobre o capital.
Daí que a pergunta do editorial do Público de 17 de Abril "Descida do IRC vale sete vezes a do IRS?", seja uma pergunta sem interesse nenhum, não apenas porque parte de pressupostos errados sobre o valor global das descidas de impostos face a 2023, mas sobretudo porque baixar impostos sobre IRS e IRC vai acabar no mesmo, na diminuição da transferência de dinheiro da economia produtiva para o Estado.
A única discussão que interessa é se aumentar os recursos disponíveis na economia produtiva, por contraponto com a sua diminuição no Estado, é socialmente útil ou não, nas actuais circunstâncias.
A conversa dos lucros milionários, das borlas fiscais e das grandes empresas não passa de conversa de treta: as grandes empresas são as que pagam mais impostos (em valores absolutos, que é uma medida bastante imperfeita, mas enfim), as que têm maiores valores absolutos de lucros (uma medida tonta porque o que interessa é o lucro sobre o capital investido), mas também as que melhor pagam aos trabalhadores, as mais inovadoras, as ambientalmente mais responsáveis, isto é, as que melhor servem a sociedade.
Fazer delas o inimigo é um desporto nacional, dificilmente um partido que defenda que o que precisamos é de melhorar os mecanismos que permitam aumentar o número de grandes empresas, a ter grandes lucros, consegue grandes votações eleitorais, mas isso é só uma das razões pelas quais somos mal pagos.
E o nosso jornalismo é mau, cheio de gente que continua a cantar, convictamente:
"O grande capital
Está vivo em Portugal
E quem não o combate
É que dele faz parte",
mesmo que vivam da caridade de uma família de capitalistas, como os jornalistas do Público.
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