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Marcelo Rebelo de Sousa foi o primeiro a compreender que a geringonça estava para ficar bem mais tempo do que a generalidade dos eleitores julgava. Por isso mesmo a sua campanha eleitoral foi tão bem concebida. Em vez de dirigir-se ao eleitorado que lhe garantiria a mesma vitória apenas moral que a coligação PaF conseguiu, alargou o leque, com afectos, com abrangência, e com uma frieza e um pragmatismo (um cinismo, mesmo) que os bovinos do comentário à esquerda e à direita ainda se recusam a compreender. Marcelo promete a Costa o que Costa mais teme: um longo período de governação (o longo período em que os disparates produzem consequências), em vez de uma curta campanha eleitoral. Fá-lo (outra vez) com extrema frieza e pragmatismo. Fá-lo (outra vez) com cinismo, mesmo -- por exemplo quando no discurso de comentário após promulgação do OE2016 deixa, por detrás do apoio inevitável, uma séria lista de avisos e armadilhas. Mas os bovinos da chamada «direita bem pensante» só vêem equidistância e desafecção. Enquanto os ovinos do contingente geral acham tudo pacificador, e, confortados numa aparência de consenso, pronunciam béééé. A compor o ramalhete, os burros da comunicação social vislumbram «um improviso» num discurso onde dois neurónios identificariam premeditação ao milímetro e à vírgula.
A geringonça veio para ficar e não vale a pena gritar e rasgar as vestes. É preciso dar-lhe tempo para desgovernar e estatelar-se (e ao país e aos seus apoiantes, e aos eleitores, juntos e como merecem); é preciso que o povo economicamente mais iletrado da Europa, o povo mais abúlico e ignorante, tenha nova oportunidade de aprender dolorosamente o que já devia ter aprendido. Entretanto, fará béééé (o mesmo que «a minha política é o trabalho», ou «"eles" são todos iguais», ou «devia haver mais apoios do Estado»).
Os ovinos assistiram ao compadrio e às sinistras negociatas que puseram a Caixa Geral de Depósitos de rastos, arruinaram a PT, embrenharam BES e governo socialista em manobras de ocultação de dívida recompensadas com mais gastos desnecessários e disseram béééééé´, e repetem béééé quando a geringonça se intromete na constituição do capital de bancos privados, ameaça mais nacionalizações na banca, ou pega no dinheiro dos contribuintes para o entregar a uns «lesados» da sua própria ignorância. A geringonça meteu a Tap numa trapalhada de indefinição que lhe custará a paralisação e a vida, entregou transportes públicos aos apetites do PCP com pleno desprezo pelos utentes, mas os utentes ovinos dizem béééé. A geringonça entregou a educação aos rafeiros, e mudou avaliações e exames, e depois mudou a mudança, mas os ovinos nem baliram. A geringonça acentua desigualdades, reduzindo o horário de trabalho e aumentando os vencimentos no sector público, e os ovinos pastam. A geringonça «reverte» a reforma do IRC e promete ao mesmo tempo «apoiar as empresas» e os bovinos ruminam. A UTAO, a Comissão Europeia, o FMI , a última agência de rating que suporta o nosso crédito preocupam-se, alertam, avisam contra as medidas mal avaliadas e perigosas da geringonça, mas a geringonça responde «lá estão eles», e os ovinos balem (aprenderam com a postura adiposa de Guterres -- que é a mesma da geringonça, e a mesma de Sócrates, sem a «ferocidade» embora com a mesma grosseria -- a achar que «não há de ser nada» e que os erros não se pagam, e que quando chega a altura de pagar, devia haver «solidariedade», e não essa consequência necessária a que chamam «austeridade»).
O défice aumenta, a dívida aumenta, o desemprego interrompe a queda e aumenta, as exportações caem, a poupança regista mínimos históricos, o investimento cai a pique, a geringonça despeja dinheiro dos contribuintes em manobras ad hoc, mas os bovinos ruminam, os ovinos balem e os cãezinhos saltitam. Os cãezinhos da comunicação social, fiéis, servis, obsequiosos, tratarão de calar e omitir todos os protestos, abanarão os rabinhos e ladrarão o seu entusiasmo a cada esquina. Não vale a pena protestos e avisos: os cãezinhos da imprensa registarão com reverência as propostas governamentais mais bacocas (como esse extraordinário amontoado de vacuidades a que Costa chama um plano de reformas), aplaudirão com veemência as decisões mais gravosas, calarão as trapalhadas (como esse incumprimento obsceno das promessas sobre o ISP), na sua fidelidade canina abster-se-ão de todo o escrutínio, e montarão até diversões que afastem a atenção das desgraças.
Mas talvez que quem cala não consinta. Talvez que o calado seja o melhor. Talvez deva ser assim inevitavelmente enquanto se dá tempo e espaço à geringonça, à sua governação e aos frutos dela.
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