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O gado e a geringonça

por José Mendonça da Cruz, em 02.04.16

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Marcelo Rebelo de Sousa foi o primeiro a compreender que a geringonça estava para ficar bem mais tempo do que a generalidade dos eleitores julgava. Por isso mesmo a sua campanha eleitoral foi tão bem concebida. Em vez de dirigir-se ao eleitorado que lhe garantiria a mesma vitória apenas moral que a coligação PaF conseguiu, alargou o leque, com afectos, com abrangência, e com uma frieza e um pragmatismo (um cinismo, mesmo) que os bovinos do comentário à esquerda e à direita ainda se recusam a compreender. Marcelo promete a Costa o que Costa mais teme: um longo período de governação (o longo período em que os disparates produzem consequências), em vez de uma curta campanha eleitoral. Fá-lo (outra vez) com extrema frieza e pragmatismo. Fá-lo (outra vez) com cinismo, mesmo -- por exemplo quando no discurso de comentário após promulgação do OE2016 deixa, por detrás do apoio inevitável, uma séria lista de avisos e armadilhas. Mas os bovinos da chamada «direita bem pensante» só vêem equidistância e desafecção. Enquanto os ovinos do contingente geral acham tudo pacificador, e, confortados numa aparência de consenso, pronunciam béééé. A compor o ramalhete, os burros da comunicação social vislumbram «um improviso» num discurso onde dois neurónios identificariam premeditação ao milímetro e à vírgula.

 

A geringonça veio para ficar e não vale a pena gritar e rasgar as vestes. É preciso dar-lhe tempo para desgovernar e estatelar-se (e ao país e aos seus apoiantes, e aos eleitores, juntos e como merecem); é preciso que o povo economicamente mais iletrado da Europa, o povo mais abúlico e ignorante, tenha nova oportunidade de aprender dolorosamente o que já devia ter aprendido. Entretanto, fará béééé (o mesmo que «a minha política é o trabalho», ou «"eles" são todos iguais», ou «devia haver mais apoios do Estado»).

 

Os ovinos assistiram ao compadrio e às sinistras negociatas que puseram a Caixa Geral de Depósitos de rastos, arruinaram a PT, embrenharam BES e governo socialista em manobras de ocultação de dívida recompensadas com mais gastos desnecessários e disseram béééééé´, e repetem béééé quando a geringonça se intromete na constituição do capital de bancos privados, ameaça mais nacionalizações na banca, ou pega no dinheiro dos contribuintes para o entregar a uns «lesados» da sua própria ignorância. A geringonça meteu a Tap numa trapalhada de indefinição que lhe custará a paralisação e a vida, entregou transportes públicos aos apetites do PCP com pleno desprezo pelos utentes, mas os utentes ovinos dizem béééé. A geringonça entregou a educação aos rafeiros, e mudou avaliações e exames, e depois mudou a mudança, mas os ovinos nem baliram. A geringonça acentua desigualdades, reduzindo o horário de trabalho e aumentando os vencimentos no sector público, e os ovinos pastam. A geringonça «reverte» a reforma do IRC e promete ao mesmo tempo «apoiar as empresas» e os bovinos ruminam.  A UTAO, a Comissão Europeia, o FMI , a última agência de rating que suporta o nosso crédito preocupam-se, alertam, avisam contra as medidas mal avaliadas e perigosas da geringonça, mas a geringonça responde «lá estão eles», e os ovinos balem (aprenderam com a postura adiposa de Guterres -- que é a mesma da geringonça, e a mesma de Sócrates, sem a «ferocidade» embora com a mesma grosseria -- a achar que «não há de ser nada» e que os erros não se pagam, e que quando chega a altura de pagar, devia haver «solidariedade», e não essa consequência necessária a que chamam «austeridade»). 

 

O défice aumenta, a dívida aumenta, o desemprego interrompe a queda e aumenta, as exportações caem, a poupança regista mínimos históricos, o investimento cai a pique, a geringonça despeja dinheiro dos contribuintes em manobras ad hoc, mas os bovinos ruminam, os ovinos balem e os cãezinhos saltitam. Os cãezinhos da comunicação social, fiéis, servis, obsequiosos, tratarão de calar e omitir todos os protestos, abanarão os rabinhos e ladrarão o seu entusiasmo a cada esquina. Não vale a pena protestos e avisos: os cãezinhos da imprensa registarão com reverência as propostas governamentais mais bacocas (como esse extraordinário amontoado de vacuidades a que Costa chama um plano de reformas), aplaudirão com veemência as decisões mais gravosas, calarão as trapalhadas (como esse incumprimento obsceno das promessas sobre o ISP), na sua fidelidade canina abster-se-ão de todo o escrutínio, e montarão até diversões que afastem a atenção das desgraças.

 

Mas talvez que quem cala não consinta. Talvez que o calado seja o melhor. Talvez deva ser assim inevitavelmente enquanto se dá tempo e espaço à geringonça, à sua governação e aos frutos dela.

 

 


7 comentários

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De ali kath a 02.04.2016 às 11:15

diria o mesmo por outras palavras
estou preparado para o pior a curto prazo
cada vez tenho mais vergonha de ter aqui nascido e regressado.


com estes sovietes sociais-fascistas tornou-se 
'um local mal frequentado'
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De Vasco a 02.04.2016 às 14:24

O fascismo acabou em 1974 e não há saudades dele, é uma ideologia já fora de moda, comoo capitalismo.
Humiladade sempre, campeão!
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De Anónimo a 02.04.2016 às 15:05

Ó homem, emigre. Nunca tantos o fizeram nos últimos anos. Ou pretende ficar por aqui a fazer o seu eterno choradinho?
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De cristof a 02.04.2016 às 16:43

o que seria de nós se não fossem gente muito inteligente a mostrar-nos o caminho? uns iluminados!!!
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De RO a 03.04.2016 às 18:05

Pois é, mas nem com gente muito inteligente a mostrar o caminho, lá vamos.
... o povo mais abúlico e ignorante...
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De Carmo Pais a 03.04.2016 às 12:43

Se a geringonça está mal, o que se poderá dizer da caranguejola? o Congresso do PSD tem sido uma maravilha da técnica. O grande líder ganhou. Mas o melhoe é "não embadeirar em arco" com os "95%". Se considerarmos o nº de militantes que puderam votar (com as quotas em dia) verificamos que só cerca de 40% votaram (60% nem quiseram votar). Mesmo assim 5% não votaram em Pedro Passos Coelho. Conclusão os 95% são clara publicidade enganosa." E ainda: Se considerarmos que os cerca de 60% não votaram porque não queriam votar em PPC (a única alternativa) este só conseguiu 38% e não os 95% tão apregoados. No XXXVI Congresso do PSD houve delegados que só entraram para "marcar o ponto" e saíram pouco depois, certamente para irem conviver para outras bandas. No 2º dia, após o jantar, às 22:30 ainda só estavam cerca de 50 pessoas na sala, situação estranha, mas demonstrativa do desinteresse. No momento da votação das moções, por volta das 0:15 min, só metade dos delegados estavam presentes (a outra metade já nem regressou do jantar) onde era habitual estar presente a maioria. Outro aspeto negativo foi a pressão exercida para que só surgisse uma lista ao Concelho Nacional. Caciquismo ? Felizmente que surgiram 8. EXPLICAÇÃO: Para quê votar se já se sabia que a grande maioria das moções iam ser aprovadas ? Foram todas aprovadas. Mas a mais importante e fundamental foi: Em vez de as eleições internas serem realizadas pós-Congresso, depois de se ouvirem as propostas dos potenciais candidatos a líder, "inverteu-se o sentido democrático" forçando - à cautela - a que o líder já tivesse sido antecipadamente escolhido, daí não terem comparecido alguns dos potenciais candidatos.
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De Anónimo a 03.04.2016 às 18:54

Caranguejola é outro termo para a geringonça, porque quem quer andar para trás no tempo é o "governo".

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