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Tem havido um grande barulho (justificado) sobre a forma de lidarmos com a epidemia que está em curso.
De entre as ideias mais populares que circulam estão estas que vou caracterizar (e comentar) citando um médico para o qual remete um comentário ao meu último post:
"1. ... Esta doença mata, e mata todos, não mata só os velhinhos ..." (sim, é verdade que mata todos, ou quase todos, mas em percentagens muito, muito diferentes: dos mortos em Itália, 75% têm mais de setenta anos, dos quais, dois terços tem uma história clínica de problemas cardio pulmonares, diabetes, cancro ou tabágica e 80% são homens, dizer que temos de proteger todos por igual parece-me muito pouco solidário, por mais igualitário que seja)
"2. ... por muito virulento e de fácil contágio que seja o vírus, ele só se propaga se nós deixarmos, e isto é uma verdade incontornável. Em última análise, se ninguém contactar com ninguém a doença desaparece. Conclusão 2: a ausência de contacto impede de forma inequívoca a propagação do vírus." (sim, até poderia ser verdade (mas pode não ser se o vírus tiver outros hospedeiros em que sobreviva), mas não se percebe como se pretende gerir uma sociedade em que durante dois meses ninguém contacta com ninguém)
"3. Também sabemos que medidas drásticas de contenção, como as que a China e a República da Coreia utilizaram, são a arma mais eficaz para combater o vírus, precisamente porque atuam na parte mais basal da sua doença, que é a evicção do contágio." (não, não sabemos, que essa é a arma mais eficaz é uma hipótese por demonstrar)
"4. ... Conclusão 4: não tomar medidas drásticas de contenção pode ter consequências como nunca antes foram vistas." (consequências nunca antes vistas? Não seria melhor medir as palavras? Menos de oito mil mortos no dia em que escrevo este post, contra 17 a 50 milhões, as estimativas variam muito, da gripe espanhola? Bem sei que estamos no princípio da epidemia, e ela pode ainda vir a ser muito letal mais tarde, mas consequências nunca vistas se não houver medidas drásticas? Ter consciência dos riscos é uma coisa, fomentar o medo é outra)"
Como estas ideias são muito populares, quando surgem abordagens que não adoptam a ideia de que as medidas drásticas são a única forma de gerir a situação (como acontece na generalidade dos países, que têm procurado adequar a proporcionalidade das medidas ao momento concreto de evolução da epidemia, sabendo, naturalmente, que há efeitos sociais negativos relevantes associados às tais medidas drásticas) há tendência para a imprensa desistir do seu papel informativo e adoptar a posição de militância pelo bem comum, naturalmente definido pelo jornalista.
Tem sido o caso com a abordagem do Reino Unido, que nem é tão diferente do resto do mundo como a pintam (tem diferenças interessantes, mas não é nenhuma maluquice eugénica), nem é uma abordagem de deixar andar para se ganhar imunidade de grupo, sem consideração pela necessidade de uma grande contenção nos contactos sociais com o objectivo de atrasar a expansão da epidemia e achatar o seu pico (estes objectivos são iguais para toda a gente, o que existem é diferentes opiniões sobre a melhor forma de lá chegar, com o mínimo de custo social possível).
Só que a generalidade da imprensa resolveu caricaturar a abordagem do problema por Boris Johnson (que me dizem que é a abordagem tradiciona do Reino Unido nesta matéria, mas isso não interessa nada) e agora, de cada vez que se verifica que afinal o Reino Unido tem procurado reforçar a contenção social (como toda a gente, mas não pela forma como alguns, poucos, países a procuraram forçar), perguntam "Porque é que o Reino Unido mudou de estratégia?"
A questão é que basta ir à wikipedia (que tem umas excelentes páginas sobre a epidemia em cada país) para saber que ainda a 31 de Janeiro foi lançada a primeira campanha para que as pessoas diminuíssem o contacto social, ou seja, não há novidade nenhuma em Boris Johnson dizer: "Chegou a altura de todos pararmos, de reduzirmos os contactos sociais e de deixar de fazer viagens desnecessárias”, alertou o primeiro-ministro britânico esta quarta-feira. “A partir de agora temos de ir mais a fundo”".
Até pode ser que a melhor forma de lidar com isto tudo tivesse sitiar os focos de infecção, como fez a China à cidade de Wuhan, isso ver-se-á no fim, mas note-se que mesmo a China não fez isso quando a contaminação era baixa e com poucas cadeias de transmissão, mas sim quando havia intenso contágio na comunidade.
A ideia de que é possível isolar regiões e países inteiros quando as pessoas nem sequer sentem a ameaça, e aguentar o tempo que for preciso até que não exista ameaça, é uma ideia por demonstrar que convém não dar por adquirida. Note-se que é razoavelmente pacífica a ideia de que achatar o pico da epidemia, para conseguir encaixar na capacidade de resposta dos sistemas de saúde, é feito, de maneira geral, à custa do prolongamento da epidemia no tempo, ou seja, se tiverem sido adoptadas medidas radicais de contenção social, com um mais que provável aumento do efeito social e económico negativo dessa opção.
É muito útil que os matemáticos invistam o seu tempo a procurar compreender como está a evoluir a epidemia em cada dia em números globais, mas seria bom termos mais e melhores simulações em tempo quase real sobre a evolução potencial em função da probabilidade de contacto social para cada situação, para que tivéssemos a possibilidade de saber que medidas reduzem a probabilidade de uma pessoa infectada contagiar um maior número de pessoas, com o menor custo social.
Eliminar as grandes aglomerações é uma coisa evidente, com alguns custos, mas um grande retorno. Reduzir os contactos sociais trabalhando a partir de casa e reduzindo deslocações, é, em muitos casos, uma medida sem grande custos imediatos e seguramente com retorno.
Mas a partir de onde começa a haver um custo desproporcionado para o efeito social negativo associado?
Por exemplo, o fecho compulsivo de cafés e restaurantes, em alternativa ao que foi adoptado pelo Governo português, de medidas de distanciamento social (que têm funcionado, em grande medida porque as pessoas voluntariamente reduziram muito a frequência desses sítios), quanto custa para a economia e a sociedade e quanto pode trazer na diminuição de probabilidade de contágio e, sobretudo, de mortes?
A proibição de sair à rua, adoptada em Itália e Espanha, que custo tem, e que retorno tem (em Espanha parece que passear o cão é uma razão aceitável para ir à rua, mas passear os filhos, não, vi algures, no que espero que seja uma caricatura) na redução da probabilidade de contágio em alternativa ao modelo adoptado em Portugal?
E em que ponto da evolução da epidemia o retorno passa a ser mais vantajoso que o custo? Faz sentido quando o número de infectados é relativamente baixo, ou só tem verdadeiramente significado quando o número de infectados é tão elevado que a probabilidade de contágio só pode ser diminuída reduzindo os contactos sociais quase a zero?
Pensar não agrava os efeitos da epidemia, mas desistir de estar sempre a avaliar porquê, com que custo social, face a que alternativas, pode bem agravar os problemas que teremos de resolver no pós epidemia, como bem lembra aqui Carlos Guimarães Pinto.
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Passos tentou!?Aumentou impostos, criou novos. Alg...
Claro. Tudo será cabal e integralmente esclarecido...
> Tudo uma hipótese completamente absurda, clar...
Clara manobra de diversão para fingir que todos sã...
Vamos ver o que diz agora a imprensa sobre a dita ...