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Há, na cultura da tecnoestrutura florestal do Estado e da academia (a das empresas é ligeiramente diferente), uma predominância muito grande da importância do Estado na transição florestal que o país sofreu desde meados do século XIX até hoje.
Até meados do século XIX o país era basicamente agricultura e pastorícia, com a produção florestal muitíssimo reduzida, havendo ainda uns pequenos retalhos de matas velhas, de maneira geral em posições fisiográficas desfavoráveis ao desenvolvimento do fogo (fundos de vale, encostas protegidas e mais húmidas, coisas deste tipo).
A dominância era claramente das áreas abertas, ou áreas agrícolas, ou áreas de matos e afloramentos rochosos.
A descrição mais sintética e expressiva desta realidade que conheço, está no "Relatório àcerca da arborisação do paiz", de 1868.
"O engenheiro Francisco da Silva Ribeiro expressa-se da seguinte forma: «... Pede-se a área a arborisar em terrenos que não tenham cultura alguma? Se é, nada dou, porque todo este terreno tem alguma cultura, todo elle produz centeio, o que aqui chamam pão: é verdade que é um pão de sangue, por que estes terrenos, na maior parte, por causa de sua magreza, só produzem de tres em tres annos, havendo muitas colheitas que mal dão a semente, quando a dão. Se é pedida a área a arborisar em terreno que tenha alguma cultura, então digo que, com pequenas excepções, a área é quasi a que tem o districto (da Guarda).»"
Há um livro de filosofia, muito interessante, que li há já alguns anos, chamado "Tratado da árvore", de Roger Dumas, que me chamou a atenção para o papel simbólico da árvore a partir do iluminismo e da revolução francesa, que estaria na base da reavaliação do papel da produção florestal entre as elites do século XIX e XX, reavaliação essa que influenciou, de forma determinante, a política florestal do Estado em Portugal.
O relatório que citei acima, bem como a pequena transcrição que fiz, são filhas da ideia de que florestar é um bem em si, que as matas são um bem público que justificam restrições aos direitos de propriedade e outras ideias comuns ainda hoje.
Essas ideias, no Mediterrâneo, chocam de frente com as necessidades económicas de gestão da fertilidade das terras de produção, que têm no gado e no fogo aliados naturais, levando à clivagem entre as ideias das elites urbanas e das comunidades camponesas cuja expressão literária mais conhecida é o "Quando os lobos uivam" do Aquilino Ribeiro, ele próprio oriundo de um dos epicentros dessa clivagem.
O certo é que há uma cristalização da ideia de que o Estado desempenhou um papel fundamental na florestação do país, que na verdade é um mito propagado pelos serviços florestais e pelo Estado Novo, tão profundamente enraizado na tecnoestrutura florestal do Estado que nem as evidências acumuladas destroem facilmente.
Olhemos para estes dois bonecos, o primeiro, que fui buscar à minha tese, mas que tem origem nos trabalhos de Américo Mendes e o segundo de Nuno Guiomar, que colige toda a informação sobre área florestal de pinheiro bravo (sim, é preciso ter cuidado com as leituras demasiado literais dos dados antes da estabilização das modernas técnicas de inventário florestal, a meio do século XX).
No primeiro boneco podemos ver o que terá sido a florestação feita pelo Estado ao longo dos anos, no segundo a área do país ocupada por pinhal bravo (a principal espécie usada pelo Estado nos seus projectos de florestação).
Independentemente das discussões que possam existir sobre cada valor concreto no segundo gráfico, o que é evidente é um enorme desfasamento entre o ritmo de florestação promovido pelo Estado (raramente ultrapassando os dez mil hectares/ ano, com excepção de um pequeno período nos anos 50), que terá dado origem, na melhor das hipóteses, a 300 mil hectares florestados (cerca de 3% do país) e a florestação promovida pelos privados que, no caso do pinheiro bravo (a expansão do montado de sobro é praticamente toda feita por privados), parte de cerca de meio milhão de hectares no fim do século XIX até uns cerca de milhão e trezentos mil hectares no fim do século XX (a partir daí há uma brusca queda do pinhal, para metade, em grande parte substituída por eucaliptal).
Ou seja, aos trezentos mil hectares florestados pelo Estado, contrapõem-se mais de um milhão (seguramente mais de um milhão e meio, se juntarmos a expansão do montado) de hectares florestados pelos privados e, ainda assim, a tecnoestrutura do Estado (e grande parte da academia) ligada ao sector insiste na ideia de que a florestação do país decorreu das opções do Estado e não das circunstâncias económicas que levaram milhões de agricultores a florestar partes das suas propriedades.
É uma metáfora do país, em que se acredita que a sociedade não existe sem a acção do Estado.
Não teria grande importância se não se desse o caso de continuarmos a repetir o erro de gastar os recursos do Estado a "domesticar" os mercados, como solução ideal para gerir paisagens, nomeadamente na questão do fogo, em que agora se insiste em derreter o dinheiro dos contribuintes em soluções economicamente inviáveis com oliveiras, medronhos e outras fantasias, para proteger as aldeias.
É público que eu defendo que há um défice de gestão das terras marginais, que esse défice resulta de um problema quase geral de competitividade das actividades que poderiam justificar essa gestão e que só com dinheiro dos contribuintes de pode reequilibrar um bocadinho a coisa, pagando directamente a gestão que resulta num bem colectivo (o controlo sobre o fogo).
O que me diferencia do modelo dominante não é o papel do dinheiro dos contribuintes nesta história (essa é a posição dominante nos meios ligados à produção de eucalipto, que insistem que o seu modelo de produção pode resolver esses problemas de gestão, esquecendo que esse modelo é inviável na maioria do território do país), o que me diferencia é a definição do destino do dinheiro dos contribuintes: a posição dominante consiste em pretender que o Estado force os privados a fazer aquilo em que os técnicos acreditam, a minha posição consiste em pretender que o dinheiro dos contribuintes aumente a liberdade dos privados tomaram as decisões de gestão que entenderem, pagando a parte dos resultados que tem interesse comum, mas não tem mercado e, por isso, não interessa ao dono do terreno.
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