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Há muitos anos, alguns dos meus irmãos levaram uns filhos meus para férias.
Uma delas ficou doente, como ficam frequentemente, tinha umas febres altas e persistentes e, pelo que lhe falámos de uma forma clássica de controlar febres altas, com água fria.
O meu irmão, que não tem filhos e toda a vida tomou banho de água fria, levou a coisa a peito e ainda lhe deu uns valentes banhos de água fria até chegarmos onde ele estava, a levar ao hospital e ser internada para curar a pneumonia que tinha (se a tinha antes ou depois dos banhos de água fria é coisa que nunca saberemos).
Lembrei-me desta história a propósito da senhora que trata das birras com banhos de água fria (se querem saber, duvido muito que seja a única no mundo), e que resolveu falar disso publicamente de uma forma que me pareceu pouco razoável (mas isso sou eu, que acho que misturar educação de crianças com horóscopos e astrologia é coisa com um enorme potencial de irracionalidade, embora ter filhos seja objectivamente uma coisa irracional, não há nada que justifique esta mania que continuamos a ter de arranjar problemas tendo filhos).
A quantidade de reacções a esta história que, para além de "Too much ado about nothing", vão muito para lá do pouco razoável, entrando directamente para o absurdo, é extraordinária.
Para além do psicologismo de treta sobre os efeitos terriveis no futuro da criança de uns banhos de água fria (e, genericamente, dos erros de educação dos pais sobre os filhos), que acho despropositado, o que mais me impressiona é a quantidade de pessoas, muitas delas pessoas razoáveis e aparentemente sensatas, que acham que os filhos deviam imediatamente ser retirados aos pais e entregues ao Estado se a temperatura do banho das crianças alguma vez baixar dos 35 graus centígrados.
Às pessoas que acham que o Estado é perfeito a criar crianças, ao contrário do perigo que há em os deixar nas mãos de pais que não são perfeitos e fazem asneiras na educação dos filhos, talvez seja útil lembrar a história de Liliana Melo que demorou quatro anos a conseguir rever os filhos cuja tutela lhe foi retirada, ilegalmente, pelo Estado e que está longe de ser caso único: são várias as condenações do Estado português a indemnizar pais a quem foram retirados filhos ilegalmente.
Ou lembrar como o Estado cuidou dos menores ao cuidado da Casa Pia.
Ou tudo o que se passa nas instituições de acolhimento de menores, onde não há erros de educação e problemas traumáticos, como tomar banhos forçados abaixo dos 35 graus e outras coisas igualmente terríveis.
Ou as dificuldades da adopção em Portugal, com tempos de decisão extensíssimos e algumas "devoluções" de filhos por parte de famílias que o Estado considerou idóneas para os receber (e, se calhar, são, mas educar e integrar filhos numa nova família, e filhos com um histórico de rejeição anterior, é mesmo muito difícil).
A educação não é uma ciência exacta, entre outras razões porque somos todos diferentes e o que funciona bem com uns, pode não funcionar com outros (nós somos dez irmãos, todos a caminhar para velhos com excepção da que já não caminha, e quando a conversa vai para o que se passava em nossa casa, também em matéria de educação, a sensação que tenho é que fomos todos criados em casas diferentes, tal é a disparidade com que cada um descreve o que foi a sua vida em casa dos meus pais).
As famílias são uma coisa péssima: é onde se verifica a esmagadora maioria dos abusos sexuais, é o único sítio onde existe violência doméstica, é onde as tensões entre as pessoas podem ter raízes mais profundas e explosões mais perigosas e muitas e muitas outras coisas que se poderiam dizer sobre as famílias.
O problema é que para educar, socializar crianças, cuidar de bebés - esquecemo-nos frequentemente de como as nossas crias são incompetentes, ao contrário de um potro que corre num prado ao fim de umas horas do seu nascimento, as nossas crias são praticamente "fetos externos", não vêem grande coisa, não se aguentam nas canetas durante um ano, ouvem mal, não sabem procurar comida, meses depois do nascimento não sabem rigorosamente nada do que sabe a generalidade das crias das outras espécies ao fim de umas horas de vida - ainda não encontrámos mecanismo social mais eficiente que este de nos juntarmos em famílias.
Mesmo sabendo que sendo as pessoas imperfeitas, é difícil que sejam capazes de fazer famílias perfeitas, juntando pessoas não só imperfeitas, mas com imperfeições diferentes entre si.
Com séculos, milénios de demonstração, fico estupefacto com a facilidade com que vejo gente, ao mínimo percalço de educação de uns pais, defender que a solução é entregar as crianças ao Estado, essa entidade carinhosa, próxima, razoável, justa, sensata, atenta, serena e etc., que sem dúvida consegue garantir que nenhuma criança a seu cargo alguma vez toma um banho forçado a temperaturas abaixo de 35 graus centígrados.
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Acho que não percebeu a substancia do texto...