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O erro é seu, caro Provedor

por henrique pereira dos santos, em 11.08.24

Ontem, na página do Provedor do leitor do Público (de vez em quando é bom lembrar que o Provedor é Provedor do leitor, não do bom jornalismo), há um retrato impiedoso do jornal.

Um leitor resolveu protestar com o facto de um jornalista ter feito uma peça bastante objectiva sobre este livro.

Trata-se de um livro de Luciano Amaral, com um excelente prefácio de Vítor Bento, que avalia e discute o peso e impacto do grupo CUF em 1973, colocando oa discussão no contexto empresarial que existia na altura.

O leitor do Público, que duvido que tenha lido o livro, achou que a peça do jornalista era um "um panegírico da ditadura disfarçado de história económica".

Para fundamentar, recorre à vulgata habitual "É impossível analisar os grupos económicos do salazarismo, como a CUF, sem o enquadramento de que a economia funcionava com condicionamento industrial e na base de monopólios e concessões do Estado aos grupos económicos como a CUF e o grupo Champalimaud, e que cada grupo económico tinha um ou mais bancos para se financiar".

Se o leitor tivesse lido o livro (incluindo o seu prefácio) teria percebido que os grupos económicos principais que existiam em 1973 representariam qualquer coisa como 10% do PIB (até poderia ter reparado que as empresas controladas pelo Estado representavam uma percentagem ligeiramente superior do PIB que o conjunto dos grupos económicos) e que dizer que a economia funcionava com base em monopólios e concessões que, mesmo que existissem nesses termos, eram cerca de 10% da economia, é um grande disparate.

Uma coisa é criticar o conteúdo do livro dizendo que as contas estão erradas, para o que é preciso fazer contas que se consiga demonstrar que são melhores, outra coisa é mandar bitaites para o ar que ignoram a informação existente.

Pois bem, a sub-editora de economia do Público (Isabel Areias) acha que era mesmo isso que se deveria fazer, auto-criticando-se por o não ter feito, por falta de tempo: "O artigo deveria ter tido mais contexto, de facto, sobre a situação empresarial, económica e política de Portugal que levou à ascensão e desenvolvimento do grupo CUF antes do 25 de Abril", aparentemente ignorando que o livro é só, só, só sobre isso mesmo.

O Provedor conclui na mesma linha, a de que o jornal, quando não gosta das conclusões do "honesto estudo com longa experiência misturado", deve ignorar a realidade dos factos, para não estragar uma boa história.

"Teria sido útil ... acrescentar ...[que tudo o descrito] não evitaram que o país continuasse a ter alguns dos piores índices mundiais em questões-chave como a esperança de vida, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a pobreza, a subnutrição, a fome, a taxa de cobertura do saneamento, electricidade e água canalizada, etc.. E mais importante ainda neste contexto, a débil criação de emprego e a volumosa e persistente emigração".

E aceita como boa a argumentação do leitor que transcrevi acima, não sei com que base, para além do divino Espírito Santo, já que com base nos factos não é com certeza, como o livro e o seu prefácio demonstram de forma bastante consistente.

Vamos esquecer o entusiasmo retórico que faz o Provedor do Público confundir piores índices do mundo mais desenvolvido com "piores índices mundiais" e centremo-nos em algumas coisas que diz.

Esperança de vida: aumentou cerca de 10 anos entre 1950 e 1975.

Mortalidade infantil: diminuiu de valores em torno dos 80 por mil em 1960 para 25 por mil em 1975

Analfabetismo: Diminuiu dos cerca de 52% em 1940 para cerca de metade na altura do 25 de Abril

Poderia continuar, mas os outros dados são mais complexos de obter em séries longas, e é claro o argumento de que é preciso olhar para a evolução, não apenas para o ponto de chegada.

Se o Provedor tivesse lido o prefácio do livro teria tido a oportunidade de ver os dados que dizem respeito ao emprego, verificando que na "década longa" que acabara em 1973, o peso do sector agrícola no emprego baixou uns 17 a 18 pontos percentuais, o sector dos serviços aumentou uns 15 pontos percentuais e o país aumentou uns vinte pontos percentuais a sua posição em relação ao grupo de países mais ricos do mundo.

Também poderia ter reparado que os salários reais, nos treze anos que vão de 1960 a 1973, aumentaram ao ritmo impressionante de 7% ao ano (ou seja, multiplicaram-se por duas vezes e meia em treze anos, alguém que ganhasse mil euros em 1960 estaria a ganhar, em temos reais, portanto já descontando a inflação, 2500 em 1973).

De resto, o Provedor do Público, apesar de preocupado com a emigração de milhão e meio de pessoas (os números variam de fonte para fonte, mas grosso modo podemos falar em milhão e meio de emigrantes nessa altura), não reparou que a população do país apenas baixou 300 mil pessoas, o que quer dizer que a criação de emprego foi fortíssima (seria estranho ter um crescimento da dimensão do que existiu nessa época, sem criação de emprego), mesmo que não tivesse sido suficiente para absorver toda a mão de obra pouco qualificada que a derrocada do mundo rural atirou para longe da terra.

O meu problema, como leitor diário do jornal, é perceber que o excelente artigo feito sobre o livro de Luciano Amaral resultou de uma falha do controlo ideológico do jornal, o mesmo controlo ideológico que, que eu tenha dado por isso, tem feito o jornal ignorar o livro de Nuno Palma (posso estar enganado, o que digo é que não me lembro de ter notado alguma atenção do Público ao livro), um fenómeno editorial raro em Portugal, com cinco ou seis edições, e que, aparentemente, o Público boicota porque as suas conclusões não encaixam no que o jornal, dos seus editores ao seu Provedor, acham que é a sua missão civilizadora.

Senhor Provedor, a crítica à ditadura não precisa de histórias da carochinha sobre a economia dos últimos vinte anos do regime, a ditadura é ilegítima porque é ilegítima a sua fonte do poder (a força e não a vontade das pessoas).

Não me parece que ter um leitor, e uma sb-editora de economia, e um Provedor, a fazer um esforço enorme para impedir que os factos influenciem o que pensam seja a missão de qualquer jornal, evitando abrir o espaço de debate aos que, com "honesto estudo e longa experiência misturada", dizem coisas diferentes da ortodoxia ideológica que o jornal insiste em procurar vender aos seus leitores.


18 comentários

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De Elvimonte a 12.08.2024 às 19:01


Talvez fosse útil olhar-se também para as teorias da Tolerância Repressiva e da Ditadura das Minorias, ambas da autoria de Marcuse (recordar o cartaz do Maio de 1968, onde se lia "Marx, Mao, Marcuse"), o alemão da Escola de Frankfurt que emigrou para os EUA onde foi professor. 


E também para a filosofia/ideologia de Leo Strauss, o americano que foi professor da Universidade de Chicago, consubstanciada nos seguintes princípios que os "bons" straussianos seguem:


1. The Few Must Rule The Many.
2. Virtue Is Defined By The Elite.
3. The Strong Must Rule The Weak
4. There Is Only One Natural Right: The Right Of The Wise Few To Rule Over The Vulgar Many.
5. “The Rule Of The Wise” Is Unquestionable, Authoritarian, Absolute and Covert.
6. There Are Three Classes: The Wise-Few, The Vulgar-Many And The Gentlemen.
7. Religion Is Essential In Order To Impose Moral Law On The Masses.
8. The State Maintains Omnipotence Through Militaristic Nationalism.
9. Order And Security Are To Be Insured By A State Of Perpetual War.
10. The Wise Must Maintain A Culture Of Deception And Carry On A Perpetual Confusion Campaign.
11. The Many Are Told What They Need To Know And No More.
12. Lies Are Held To Be Necessary And Noble.

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