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Ontem, na página do Provedor do leitor do Público (de vez em quando é bom lembrar que o Provedor é Provedor do leitor, não do bom jornalismo), há um retrato impiedoso do jornal.
Um leitor resolveu protestar com o facto de um jornalista ter feito uma peça bastante objectiva sobre este livro.
Trata-se de um livro de Luciano Amaral, com um excelente prefácio de Vítor Bento, que avalia e discute o peso e impacto do grupo CUF em 1973, colocando oa discussão no contexto empresarial que existia na altura.
O leitor do Público, que duvido que tenha lido o livro, achou que a peça do jornalista era um "um panegírico da ditadura disfarçado de história económica".
Para fundamentar, recorre à vulgata habitual "É impossível analisar os grupos económicos do salazarismo, como a CUF, sem o enquadramento de que a economia funcionava com condicionamento industrial e na base de monopólios e concessões do Estado aos grupos económicos como a CUF e o grupo Champalimaud, e que cada grupo económico tinha um ou mais bancos para se financiar".
Se o leitor tivesse lido o livro (incluindo o seu prefácio) teria percebido que os grupos económicos principais que existiam em 1973 representariam qualquer coisa como 10% do PIB (até poderia ter reparado que as empresas controladas pelo Estado representavam uma percentagem ligeiramente superior do PIB que o conjunto dos grupos económicos) e que dizer que a economia funcionava com base em monopólios e concessões que, mesmo que existissem nesses termos, eram cerca de 10% da economia, é um grande disparate.
Uma coisa é criticar o conteúdo do livro dizendo que as contas estão erradas, para o que é preciso fazer contas que se consiga demonstrar que são melhores, outra coisa é mandar bitaites para o ar que ignoram a informação existente.
Pois bem, a sub-editora de economia do Público (Isabel Areias) acha que era mesmo isso que se deveria fazer, auto-criticando-se por o não ter feito, por falta de tempo: "O artigo deveria ter tido mais contexto, de facto, sobre a situação empresarial, económica e política de Portugal que levou à ascensão e desenvolvimento do grupo CUF antes do 25 de Abril", aparentemente ignorando que o livro é só, só, só sobre isso mesmo.
O Provedor conclui na mesma linha, a de que o jornal, quando não gosta das conclusões do "honesto estudo com longa experiência misturado", deve ignorar a realidade dos factos, para não estragar uma boa história.
"Teria sido útil ... acrescentar ...[que tudo o descrito] não evitaram que o país continuasse a ter alguns dos piores índices mundiais em questões-chave como a esperança de vida, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a pobreza, a subnutrição, a fome, a taxa de cobertura do saneamento, electricidade e água canalizada, etc.. E mais importante ainda neste contexto, a débil criação de emprego e a volumosa e persistente emigração".
E aceita como boa a argumentação do leitor que transcrevi acima, não sei com que base, para além do divino Espírito Santo, já que com base nos factos não é com certeza, como o livro e o seu prefácio demonstram de forma bastante consistente.
Vamos esquecer o entusiasmo retórico que faz o Provedor do Público confundir piores índices do mundo mais desenvolvido com "piores índices mundiais" e centremo-nos em algumas coisas que diz.
Esperança de vida: aumentou cerca de 10 anos entre 1950 e 1975.
Mortalidade infantil: diminuiu de valores em torno dos 80 por mil em 1960 para 25 por mil em 1975
Analfabetismo: Diminuiu dos cerca de 52% em 1940 para cerca de metade na altura do 25 de Abril
Poderia continuar, mas os outros dados são mais complexos de obter em séries longas, e é claro o argumento de que é preciso olhar para a evolução, não apenas para o ponto de chegada.
Se o Provedor tivesse lido o prefácio do livro teria tido a oportunidade de ver os dados que dizem respeito ao emprego, verificando que na "década longa" que acabara em 1973, o peso do sector agrícola no emprego baixou uns 17 a 18 pontos percentuais, o sector dos serviços aumentou uns 15 pontos percentuais e o país aumentou uns vinte pontos percentuais a sua posição em relação ao grupo de países mais ricos do mundo.
Também poderia ter reparado que os salários reais, nos treze anos que vão de 1960 a 1973, aumentaram ao ritmo impressionante de 7% ao ano (ou seja, multiplicaram-se por duas vezes e meia em treze anos, alguém que ganhasse mil euros em 1960 estaria a ganhar, em temos reais, portanto já descontando a inflação, 2500 em 1973).
De resto, o Provedor do Público, apesar de preocupado com a emigração de milhão e meio de pessoas (os números variam de fonte para fonte, mas grosso modo podemos falar em milhão e meio de emigrantes nessa altura), não reparou que a população do país apenas baixou 300 mil pessoas, o que quer dizer que a criação de emprego foi fortíssima (seria estranho ter um crescimento da dimensão do que existiu nessa época, sem criação de emprego), mesmo que não tivesse sido suficiente para absorver toda a mão de obra pouco qualificada que a derrocada do mundo rural atirou para longe da terra.
O meu problema, como leitor diário do jornal, é perceber que o excelente artigo feito sobre o livro de Luciano Amaral resultou de uma falha do controlo ideológico do jornal, o mesmo controlo ideológico que, que eu tenha dado por isso, tem feito o jornal ignorar o livro de Nuno Palma (posso estar enganado, o que digo é que não me lembro de ter notado alguma atenção do Público ao livro), um fenómeno editorial raro em Portugal, com cinco ou seis edições, e que, aparentemente, o Público boicota porque as suas conclusões não encaixam no que o jornal, dos seus editores ao seu Provedor, acham que é a sua missão civilizadora.
Senhor Provedor, a crítica à ditadura não precisa de histórias da carochinha sobre a economia dos últimos vinte anos do regime, a ditadura é ilegítima porque é ilegítima a sua fonte do poder (a força e não a vontade das pessoas).
Não me parece que ter um leitor, e uma sb-editora de economia, e um Provedor, a fazer um esforço enorme para impedir que os factos influenciem o que pensam seja a missão de qualquer jornal, evitando abrir o espaço de debate aos que, com "honesto estudo e longa experiência misturada", dizem coisas diferentes da ortodoxia ideológica que o jornal insiste em procurar vender aos seus leitores.
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