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O eleitorado em caixinhas (ou a lógica identitária)

por henrique pereira dos santos, em 11.11.24

 De uma coisa que tem o título "A look at how five key demographic groups voted", retirei duas informações.

Cerca de 80% dos que votaram em Trump são brancos (na estranha definição americana de branco, note-se) e 66% dos que votaram em Kamala também.

53% das mulheres votaram em Kamala, contra 46% em Trump.

É uma curiosidade, como  seria uma curiosidade avaliar quantos usam óculos, quantos são bonitos ou quantos pesam mais de 90 quilos.

Há, no entanto, um conjunto de pessoas que em vez de olhar para isto como sendo curiosidades mais ou menos irrelevantes, pretendem que estas informações se relacionam com "identidades", consideram que existem identidades negras, ou femininas ou o raio que os parta.

Por acaso vi nestes últimos dias um filme do Robert Redford ("The company you keep", no original, não me lembro de como se chama em português), um filme mediano que se vê bem (desde que não se vá à espera da beleza de Robert Redford ou Julie Christie, o filme é relativamente recente, o suficiente para isso já ter sido chão que deu uvas).

O que aqui me interessa é a centralidade que no filme tem o facto de alguém ter filhos, explicitamente se dizendo que ter filhos altera a forma como se vê o mundo.

Curiosamente, este tema é uma trivialidade em muita literatura, cinema e, até, alguma sociologia, mas para os defensores das identidades é um escândalo ser referido politicamente (ver o micro-escândalo criado à volta de um dos candidatos se ter referido às "cat ladies" que dominavam o Partido Democrata, criticando o facto de haver demasiada gente (ou mulheres) sem filhos a tomar decisões sobre o futuro).

Para esta gente das identidades, isto é inaceitável, embora não percam tempo a explicar em que medida ser mulher ou homem, ser preto ou branco, é mais relevante para definir a identidade de uma pessoa concreta, num determinado momento, que ser, ou não, responsável concreto, durante muitos anos, por outras pessoas que confiam nela.

É gente que acha que os negros (na bizarra definição americana que leva à classificação de Kamala como negra ou Alexandria Ocasio-Cortez como não branca) são um grupo social homogéneo e temporalmente imutável, em que cada pessoa, antes de ser quem é, é negro (ou mulher, ou homossexual, ou trans, o que se escolher) e por isso tem, genericamente, interesses, opiniões, visões do mundo que a aproximam dos negros, como se a visão do mundo da ultra-privilegiada Kamala estivesse mais próxima dos subúrbios negros de Chicago que das elites universitárias em que cresceu, só pelo simples facto de algures lá atrás, na família, haver uns ascendentes que vieram de África e as circunstâncias concretas da sua vida real fossem irrelevantes.

Por mim, podeis continuar a responder aos anseios e problemas dos grupos sociais em que quiserem segmentar os eleitorados, mas depois não se espantem que outros, que sabem que em qualquer sociedade é melhor ser bonito, rico e saudável que feio, pobre e doente, ganhem as eleições procurando responder ao que a generalidade dos eleitorados quer: a paz, o pão, a habitação, saúde e educação, de preferência garantindo que pertence ao povo o que o povo produzir.


15 comentários

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De Anónimo a 11.11.2024 às 10:47


os negros (na bizarra definição americana


Que eu saiba, não há nos EUA qualquer definição de "negro".


Eu quando vivi nos EUA tive que, por mais que uma vez, responder a inquéritos em que me perguntavam sobre a minha raça, e sempre lhes respondi com total liberdade, sem obedecer a qualquer definição que me fosse fornecida e sem que ninguém fosse verificar se as minhas respostas correspondiam a qualquer definição.


Em particular, Kamala Harris é classificada como negra porque se autoclassifica dessa forma, e não porque obedeça a qualquer definição normalizada.
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De henrique pereira dos santos a 11.11.2024 às 11:38

E em que é que isso tira bizarria à definição de negro, Luís?
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De Anonimus a 11.11.2024 às 12:52


O "negro" é alguém com ascendência africana, da dita África subsariana (porque lá marroquinos e egípcios são "brown", ou árabes). Daí o termo african-american, que curiosamente se aplicaria ao Elon Musk, por exemplo, não poder ser usado fora do contexto racial.
Por exemplo o Obama não é "negro", é mestiço. Mas isto da raça é um pouco como o género, flui.
O que os Democratas ainda não perceberam é que o velho Marx tinha razão, a luta de classes é uma realidade, só que continua a ser ricos vs pobres, e não brancos cis heteros vs lgbq mulheres latinx afro asiáticos.
A conjuge esteve em NY durante a eleição, e ficou admirada com a falta de reacção ao resultado, sendo aquilo um bastião azul. As pessoas com quem contactou eram anti-Trump, mas não o suficiente para votar Kamala, que simplesmente não lhes dizia nada. Aliás, os números mostram que não houve uma onde trumpista, existiu foi um decréscimo do outro lado. O que mostra que o resultado do Biden foi empolado pelo voto útil. À atenção da Europa, em especial da França, que tem confiado demasiado neste esquema para manter a Sra Le Pen fora do poleiro.
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De passante a 11.11.2024 às 17:41

Que eu saiba, não há nos EUA qualquer definição de "negro".


Isso é porque hoje em dia já não se usam as palavras "quartoon", "octaroon" e "high-yellow".


Mas a definição sempre foi baseada no "drop-of-tar", sendo a outra face o fechar de olhos do "passing as white".


Outros tempos, mas o molde foi esse. 
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De Anonimo a 11.11.2024 às 15:36

Concordo a 100%
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De vasco Silveira a 11.11.2024 às 18:03

Caro Senhor


felicito-o pelo apontar de critérios tão claros, e tão esquecidos pelos cientistas sociais, como o caso da paternidade.
O que me parecia ser um comentário sobre identidades ( em que a paternidade tem muito mais peso do que uma vaga e pouca fundamentada cor - negro?!), tornou-se, nos doutos comentários, numa profunda discussão sobre as populações com origens sub-sarianas:
Não se incomodem, não vale a pena: _Somos todos Africanos, pois todos somos descendentes de Africanos:


Cumprimentos
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De Anonimo a 12.11.2024 às 08:45


O eleitorado sempre esteve em caixas. E a lógica era identitária.
Só que era por classe, idade ou geografia. Não por género, raça ou orientação sexual. E preferencialmente os políticos falavam a caixotes, não apenas a caixinhas.
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De Francisco Almeida a 12.11.2024 às 11:07

Excluindo os objectivos digamos genéricos - Kamala a alarmar com a imprevisibilidade e perigosidade de Trump e este a acentuar a impreparação de Kamala e a colá-la à governação Biden - o discurso de Kamala dirigiu-se especificamente, além das mulheres, a negros e hispânicos. Já o discurso de Trump dirigiu-se às classes trabalhadoras ou aos pobres e à classe média, categorias que incluíam brancos, negros e hispânicos. Ou seja, o discurso de Trump foi racialmente neutro enquanto o discurso de Kamala (agravado no fim da campanha por Obama) foi intrinsecamente racista.
É exactamente a perspectiva identitária, neste caso com muito de "woke" que vimos num artigo de análise aos resultados que afirma que a campanha de Trump foi mais eficaz a dirigir-se ao homem branco. Como não podia deixar de ser, de Carmo Afonso, no Público.
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De lucklucky a 12.11.2024 às 14:19

É um bom ponto como discurso da esquerda tende a ser cada vez mais racista.
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De O apartidário a 12.11.2024 às 19:48

Além disso mais wokista climática, como o sr Sanchez a falar na cop29:


3 hipóteses de dano climático controlado com objetivo de fomentar(mais ainda) agenda ideológica do Psoe e associados (do canal Roberto Crobu psicólogo)

https://youtu.be/WOfVq7hbGQI?si=j8ZGTjpuRVbRrVIC


Do mesmo canal (Roberto Crobu) análise assertiva e pertinente do discurso de Sanchez na cop29(reunião sobre o clima) em directo agora 19,45 em Lisboa

https://www.youtube.com/live/FhfTBLJ8Ozk?si=UZpVnk6ixaFi8TeG
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De O apartidário a 12.11.2024 às 20:00

Tudo para o Estado e nada contra o Estado,a ideologia mal camuflada de Pedro Sanchez 


https://youtu.be/FEOyac9IigQ?si=G4xgS5GrA0LB37aL
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De Anónimo a 14.11.2024 às 09:40

Julgava que não havia raças _ aliás aboliu-se o termo e por isso 
 dizer-se Dia da Raça era considerado ofensivo, discriminatório e racista _ pois todos somos apenas pessoas, diria eu... 
Acontece que, afinal, para uma certa "casta" de esquera não é bem assim, o critério é outro e há todo um ritual meio esquizóide à volta da questão: estes bem pensantes patetas começam por observar a cor da pele, com olho fino («à Balzac» suponho!) ;  de seguida avaliam se há ali  "pureza" ou "mistura" ; depois medem o teor de melanina, (não sei se também medem o perímetro do crânio e o nariz e as nossas beiças e o que lhes lembrar) e por fim estes obtusos classificam e definem as pessoas como racializadas _ ou não. 
E é a esta demência e confusão mental que se chegou! Algum intuito haverá, eu é que não vislumbro qual _ a menos que esta seja a fase preparatória ou preliminar antes de avançarem para se atirarem ao homem branco (eufemisticamente falando), que, não duvido, os receberá de braços abertos e... descolonizadamente!


O mais absurdo e preocupante de tudo isto é o facto de muita gente simplória embarcar nesta treta enganadora e não dar conta de que esta forma de actuação da esquerda esconde  uma intenção perversa e malsã que consiste em potenciar intencionalmente o racismo e a discriminação, com um objectivo muito claro: 
ao segmentarem as pessoas, criam compartimentos para as separar e assim se gerar a divisão e os antagonismos insanáveis entre grupos sociais. O objectivo é instigar o ódio e o conflito permanente entre "raças". E como  quem não tem cão caça com gato,  à falta do lumpen proletariado, a esquerda "caça" novos oprimidos e marginalizados para as suas "causas" _os racializados_  em substituição da velha luta de classes, a base do marxismo.


Se se prestar atenção à nossa volta, vemos que não é por acaso  _  não há coincidências _ que a esquerda tenha colocado na ordem do dia a questão racial e o racismo sistémico de que todos "padecemos". Nunca em décadas de Democracia se destilou tanto ódio velho e se ressuscitou o colonialismo e o esclavagismo já morto e enterrado. 
A esquerda é minoritária, porém, cheia de arrogância! Seguramente sabem que a sua influência saiu bem reforçada desde a geringonça, que lhes franqueou a porta de entrada. Agradeçamos, pois, ao "sempiterno" dr.Costa, que foi prà Europa, não sem antes nos "desconstruir" os muros e nos inaugurar a era da wokaria que, por cá anda impante, também ela a derrubar muros (ainda). 
Até que um dia, a "simples gente" se farte de tanto progressismo e lhes faça um manguito (passe o plebeísmo) como os americanos. 
Para o HPS ver até que ponto chegou a esquerda americana, nãodeixe de ler:


A democracia é traumática – Observador (https://observador.pt/opiniao/a-democracia-e-traumatica/)


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De Anónimo a 15.11.2024 às 10:08

«A extrema-esquerda vê nas “minorias” o que viu outrora na “classe operária”: uma massa de manobra para destruir a democracia liberal e a economia de mercado. Convém-lhe que essas “minorias” permaneçam segregadas, em guetos, prisioneiras de narrativas de ressentimento anti-ocidental. Interessa-lhe o descontrole das migrações e pactua com o fundamentalismo islâmico. Não deseja a integração, mas apenas agitar a questão da integração, como meio de desordem e subversão.»
Rui Ramos, in Observador
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De Anónimo a 14.11.2024 às 10:09


A noticia que segue, é a não perder:


https://www.thefp.com/p/georgetown-election-safe-space-trump-kamala


Assim estão as novas gerações de esquerda do partido Democrata. Acho que é uma realidade preocupante, assustadora e uma anormalidade, sobretudo por se tratar de estudantes universitários. Nem quero imaginar como seriam as Políticas Públicas no futuro se o país estivesse entregue a esta geração.
Como se chegou a este ponto, a este declínio?
A esquerda americana e as suas universidades tornaram-se uma fábrica de decadência e de destruição do Ocidente.
Não tinha qualquer simpatia pelo sr. Trump nem pela sar. kamala, mas, assim que ganhem os trumps que, se não fizer mais, pelo menos porá  travão na ideologia woke.  
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De Anónimo a 14.11.2024 às 12:21

«...tornaram-se uma fábrica de decadência e de destruição do Ocidente».
Diria mais: são destruidores da Democracia!

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