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O efeito do Natal ... na Irlanda

por henrique pereira dos santos, em 07.01.21

Com os números de casos, internamentos e mortalidade - e que muito provavelmente irão continuar a ser expressivos até ao fim de Janeiro - voltou o discurso do "fecha tudo, já!", incluindo uma pressão crescente para fechar escolas, discurso esse que pretende que os números da epidemia em Portugal resultam do laxismo do Natal, o que demonstra a necessidade de uma mão-de-ferro para controlar a epidemia.

Froes não conta. Durante o tempo todo tem sido esse o seu discurso, as justificações para essa opção é que vão variando ao longo do tempo, parecendo evidente que a sua campanha para liquidar a actividade viral no Verão, através de medidas ainda mais restritivas, assentava numa mão cheia de nada: não há, nas regiões temperadas do hemisfério Norte, na Europa e América, qualquer evidência de que teria sido possível evitar o crescimento da actividade viral no Outono/ Inverno.

Mas com a notável excepção de Elisabete Ramos, bastante mais cautelosa, e mais alguns que vão dizendo que correlação estatística não é demonstração de causa/ efeito, a generalidade do que se ouve vai no sentido de que isto só lá vai com um lockdown como o da Primavera passada, que aliás tem vindo a ser adoptado em alguns países.

Olhando para os números portugueses, sem muito cuidado, o argumento parece sólido, embora Elisabete Ramos vá lembrando que a subida de casos começa ali em 26 e 27 de Dezembro, o que manifestamente é incompatível com a ideia de que o problema foi o Natal, embora não seja incompatível com a ideia de que foi não só o Natal, mas também o tempo anterior ao Natal.

Não sendo possível haver fazer agora um Natal com muitas restrições para avaliar o efeito, o mais próximo que temos disso é olhar para os países em que houve natais com muitas restrições.

A diversidade da evolução das diferentes curvas é bastante grande e por isso escolhi um país que várias vezes tenho visto referido como uma boa demonstração de que as medidas funcionam e o seu relaxamento tem grandes consequências.

irl.jpg

Na Primavera a Irlanda teve uma mortalidade relevante (o pico andou entre os 60 a 70 mortos diários, para uma população que é metade da portuguesa, ou seja, equivalente a uns 120 a 140 mortos de média a sete dias, em Portugal) e actualmente, apesar do pico de casos por volta de 20 de Outubro, a mortalidade tem andado abaixo de dez mortos, na média dos sete dias, o que provavelmente vai ser alterado nos próximos dias em consequência do actual crescimento de casos.

Olhemos agora para este gráfico mas fazendo a cronologia das medidas adoptadas pelo governo irlandês.

A 12 de Março fecharam as escolas (ver número 1 no boneco abaixo), a 15 os locais públicos, a 27 fechou tudo (2).

A meio de Maio (3) as medidas começaram a ser levantadas e no fim de Junho (4) os negócios abriram todos, embora se mantivessem muitas restrições. Ao longo de Agosto recomeçaram a impor-se restrições localizadas nos "counties" em que havia maior actividade viral detectada.

A 5 de Outubro (5) o Governo aumenta as restrições, incluindo o fecho dos restaurantes que passaram a poder só funcionar em takeaway ou em esplanadas exteriores, a 15 de Outubro o governo proibe as visitas a casa entre membros de diferentes agregados familiares e a 19 de Outubro (6) o país entra num lockdown total (seguindo o padrão habitual, os dados já demonstravam, nessa altura, uma diminuição do Rt e uma desacelaração dos contágios, na enésima demonstração de que a relação entre as medidas e as curvas de casos existe, mas é a inversa da que é referida habitualmente: o número de casos comanda as medidas, não são as medidas que comandam o número de casos).

Nos primeiros dias de Dezembro (7) as medidas são relaxadas e o comércio e outras actividades podem reabrir. Apesar de ter previsto medidas de maior abertura para o Natal, o governo irlandês recua e decreta um novo lockdown total a 22 de Dezembro (8), o que inclui o período de Natal, isto é, adopta exactamente o tipo de medidas que agora, em Portugal, se diz que poderiam ter evitado o crescimento de casos que se verificam.

Nesse dia 22 de Dezembro, o número de casos foi de 961 casos, ontem foi de 7 832, ou seja, apesar de um Natal com medidas de restrição duríssimas, que ainda agora vigoram, entre 22 de Dezembro e 7 de Janeiro o número de casos aumentou mais de oito vezes, contra um aumento de quatro vezes em Portugal, com um Natal relaxado.

Quer isto dizer que o descrito acima (e resumido no boneco abaixo) demonstra que as medidas são inúteis?

Claro que não, quer simplesmente dizer que se mantém válido um princípio fundamental na análise estatística: correlação não é causalidade.

222.jpg

 

 


6 comentários

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De Elvimonte a 07.01.2021 às 16:15

Da correlação existente entre número de testes realizados e número de testes positivos: http://prntscr.com/wib2f9 (imagem colhida em https://covid19-country-overviews.ecdc.europa.eu/#28_Portugal e actualizada em 23/12/2020).


Como pode ver-se, o número de testes realizados teve uma redução significativa a partir de finais de Novembro, tendo sido acompanhado por uma correspondente diminuição do número de testes positivos, mas não da mortalidade. Mencionar-se apenas o número de testes positivos - e já sabemos que para um cycle threshold (ct) dos testes RT-PCR igual ou seperior a 35 a percentagem de falsos positivos rondará os 97% - sem que se forneça informação sobre o número de teste realizados é falacioso e pode ser usado para manipular a opinião pública ao sabor dos interesses e das conveniências de momento. 


Se o número de testes realizados se situa agora, ou excede, o pico atingido em Novembro, mesmo que a real situação epidémica não se tenha alterado, é muito fácil culpar o Natal, concluir pela existência da "tão prometida e esperada 3ª vaga", responsabilizar uma nova variante do vírus - que são às dezenas as já identificadas - e justificar todas as medidas que venham a ser adoptadas em função do alarmismo gerado. Uma manipulação fácil, elementar e odiosa. 


Noutros países europeus também se constata padrão de redução do número de testes idêntico ao português, mas justificado por uma clara diminuição da percentagem de testes positivos (na mesma página do ECDC já referida). Um desses países é a Irlanda.


Em post seu anterior (The worst is yet to come) já mencionei artigos científicos e coloquei excertos que invalidam os confinamentos e o uso de máscara. Volto à carga apenas com este excerto: 


«Surprisingly, stay-home measures showed a positive association with cases. This means that as the number of lock-down days increased, so did the number of cases. The use of face coverings initially seems to have had a protective effect. However, after day 15 of the face covering advisories or requirements, the number of cases started to rise. Similar patterns were observed for the relationship between face coverings and deaths.»


E também com este gráfico elucidativo de estudo realizado recentemente em Marselha: http://prntscr.com/wa8j30


Usar soluções macro para nano-problemas estocásticos é como tapar o Sol com uma peneira.


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De Vorph "ги́ря" Valknut a 07.01.2021 às 18:09

Bem, a doença é ou não transmissível entre humanos? Se sim, claro que o comportamento individual afecta a transmissibilidade e o número de casos. Segundo, há estudos para todos os gostos, inclusive estudos que defendem que os signos do zodíaco têm predispõe para certas doenças. Terceiro, todos os países têm vindo a adoptar medidas de confinamento, restrições na mobilidade e recomendações no sentido de uso da máscara em espaços fechados. Desde a Inglaterra, até à Suécia onde o Rei já veio pedir desculpa. Em caso de dúvida manda a ciência termos precaução, pois mais vale ser conservador em decisões de vida e morte do que libertino. Se as medidas actuais forem exageradas podemos estar certos que ninguém morrerá. Se os mais "liberais" estiverem errados poderão contar com os remorsos de uma consciência pesada. Falam em economia? A economia é uma disciplina com leis inventadas pelo Homem, estando assim à disposição de uma mudança se o Homem assim entender. Bazucas de dinheiro,eurobonds, etc. Ao contrário, as leis da biologia não dependem da ideologia, nem da arbitrariedade humanas
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De henrique pereira dos santos a 07.01.2021 às 18:19

Tem portanto a certeza que são os nossos comportamentos de controlam as epidemias, eu nao tenho.
O Rei da Suécia não pediu desculpa coisa nenhuma.
Os 100 milhões de pessoas que entraram na pobreza extrema em consequência quer da epidemia, quer da forma como lidámos com a epidemia talvez discordem de si quando diz que se as medidas forem exageradas não há problema.
Os não sabemos quantos que deixaram de ter os cuidados de saúde de que precisam por causa das tais medidas talvez também tenham dúvidas quanto à ideia de que elas são inócuas.
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De henrique pereira dos santos a 07.01.2021 às 19:26

Só para usar uma das ligações que deixou aí em cima, os Países Baixos adoptaram o uso de máscara no interior a 1 de Dezembro, quando tinham cerca de cinco mil casos, três semanas depois tinham mais do dobro de casos, é o que se chama uma medida de eficácia extrema.
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De Vorph "ги́ря" Valknut a 07.01.2021 às 22:01

Bom, para avaliar o uso de uma máscara (de uma variável)tem de isolar outros factores ( variáveis). Terão existido? Possivelmente

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