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Ontem fui à feira de gastronomia (detesto esta palavra) a convite das Carnes da Montanha, uma empresa que abate e comercializa carne de raças autóctones selecionadas, para falar sobre a produção animal de montanha e a paisagem (era mais ou menos isto).
Fomos conversando enquanto Rodrigo Castelo e a filha Mimi (de oito anos) iam preparando uns bifes picados com carne de animais jarmelistas, uma raça que neste momento terá um efectivo registado de menos de 200 animais, tanto quanto foi dito (não verifiquei a informação).
Aproveitei essas circunstâncias para, pela enésima vez, defender que a cozinha deveria ser uma disciplina lectiva obrigatória desde a primeira classe, para que os miúdos aprendam, fazendo, que há mais vida para além dos hamburgueres, que a roda dos alimentos não é um desenho, que as paisagens que vêem são geridas pelo que escolhem comer e que o pão não é todo igual.
E aproveitei também para comprar umas costelas mendinhas barrosãs que cozinhei como se fosse vitela de Lafões, e logo verei que tal ficou.
Vejo, com demasiada frequência, chamar vitela à Lafões a uma espécie de jardineira em que uns cubos de carne são estufados. Não tenho nada contra a carne estufada, bem pelo contrário, mas a vitela de Lafões é assada, em pedaços, não de alcatra ou outros corte mais nobres (nada contra, com certeza), mas normalmente era feita com aba fina, aba grossa e outras partes com osso. Na sua forma mais tradicional, a que era feita nas festas de aldeia mais recentes (os meus primos dizem que em casa da minha avó, mesmo na festa da aldeia, muitas vezes comia-se ovelha e não vitela, mas isso foi mudando com o tempo, à medida em que as pessoas foram tendo possibilidades de comer carne de vaca aqui e ali), a carne era posta em pedaços numa assadeira, com bastante cebola e batatas, ia para o forno (juntamente também ia o arroz, numas vasilhas de barro que parecem uns capéus invertidos que tivessem sido amassados nos lados, nem sei como se chama aquilo), dava tempo para ir tudo à missa. Algures pelo meio, já despachada a missa, como a cebola e a carne criavam bastante molho (daí, penso, a confusão com a carne estufada), despejava-se grande parte do molho por cima do arroz e ao fim de umas duas horas e meia de forno, mais coisa menos coisa, estava a carne e o arroz prontos.
Não era, no entanto, sobre cozinha que queria escrever, até por não saber grande coisa do assunto (o Duarte Calvão, aqui neste blog, é que tem esse pelouro) mas sim sobre a ideia de promover a carne das raças autóctones, porque me parece haver um equívoco que não ajuda.
Uma marca, qualquer marca, só é útil se conseguir transmitir um conjunto de valores consistentes associados ao produto ou serviço no qual se põe a marca.
Se uma marca é usada em produtos ou serviços completamente diferentes, a marca torna-se inútil, no sentido em que não dá informação útil ao potencial consumidor.
Carnes da Montanha é, seguramente, um bom nome e pode ser uma marca forte. Mas se mantiver o seu foco no facto da carne ser de raças autóctones, aceitando que debaixo do chapéu da marca, se tratem da mesma forma modelos de produção completamente distintos, corre o risco de perder muito potencial (note-se, não sei se é isso que se passa actualmente, estou a falar em tese e não falei sobre isto com os responsáveis pela marca).
O principal problema prende-se com a utilização ou não de pastoreio (isto é, se uma percentagem muito relevante da alimentação do animal é resultante de pastoreio ou não), já que quer as características da carne, quer os seus efeitos ambientais e de gestão da paisagem e da biodiversidade, são muito distintos, em função do modelo de produção, mesmo usando a mesma raça.
Por mim, se eu gerisse a marca (sim, eu sei a história do general que disse a Alexandre Magno que se fosse Alexandre Magno faria isto e aquilo, respondendo-lhe Alexandre Magno que se fosses Alexandre Magno farias o que Alexandre Magno faz), procuraria deixar claro, na gestão da marca, quando a carne comercializada provinha de animais em regime extensivo, em regime estabulado ou em regime extensivo com acabamento, provavelmente diferenciando também no preço as três situações (ou, pelo menos, a carne de animais provenientes de modos predominantemente pastoris e as dos animais predominantemente estabulados).
Ao manter sob o mesmo chapéu as diferentes situações e os diferentes modos de produção, o resultado é nivelar pelo que tem menos valor - raças autóctones produzidas predominantemente em estábulos.
E, a sensação que tenho, como mero consumidor potencial (nem pensem que me seria possível ser um consumidor deste tipo de carnes no dia a dia, mas seria um potencial consumidor aqui e ali, posso não ter dinheiro para pagar a diferenciação todos os dias, mas sei reconhecer o valor dessa diferenciação), é que o valor potencial está muito mais na produção de carne que gere paisagens, fogos, biodiversidade, usando como instrumento raças autóctones, que na raça em si.
E, já agora, que é muito mais fácil mercantilizar o valor da gestão da paisagem através da informação quando se produz recorrendo preferencialmente ao pastoreio, que aceitando que no chapéu das raças autóctones estejam, sem diferenciação clara para o consumidor, modelos de produção assentes predominantemente na estabulação.
Em qualquer caso estamos a falar de produções para nichos relativamente limitados, é certo, mas, pertencendo ao nicho dos 2% a 3% que aceita pagar mais por alimentos mais sustentáveis, parece-me que esse nicho é mais sensível à conservação do lobo, à gestão dos fogos e à qualidade da paisagem, que à diferença entre diferentes raças de animais.
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