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No Estado Novo havia o condicionamento industrial.
A lógica desse condicionamento industrial era anti-liberal, no sentido em que se entendia que a actividade económica deveria estar subordinada aos interesses da comunidade, mediados pelo Estado, através de uma autorização prévia à instalação ou ampliação de estabelecimentos industriais (não vale a pena espantar-se com a semelhança entre a política do Estado Novo e os programas políticos do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, tirando a divergência relevante sobre a apropiação colectiva dos meios de produção, que já nem o PC e o BE defendem explicitamente, muito do que defendem estes partidos é semelhante à ideia salazarista da prevalência dos interesses colectivos sobre os interesses individuais, materializada pela intervenção do Estado no condicionamento da actividade individual).
O próprio Estado Novo acabou com este regime em 1973, e a sua aplicação concreta, ao longo dos muitos anos que vigorou, esteve longe de ser rigorosa, permitindo muito mais liberdade económica real que a prevista na lei (note-se, no primeiro gráfico desta publicação, a quantidade irrisória de despachos ministeriais desfavoráveis aos pedidos de instalação, no caso das agroindústrias, mesmo esquecendo a quantidade de instalações industriais ilegais ou em situação irregular, que laboravam no país).
Desde antes desse condicionamento industrial, existe um forte condicionamento habitacional - ao contrário do condicionamento industrial, não acabou em 1973 - quer por via do condicionamento administrativo dos mecanismos de formação do preço das rendas, quer por via do condicionamento na produção: cada nova casa tem de ter uma autorização antes de ser construída.
Neste contexto, atribuir ao liberalismo ou ao neoliberalismo os problemas da habitação em Portugal é uma tolice.
Por toda a Europa os delicados problemas dos conflitos de interesses na gestão urbana foram orientando as políticas de edificação e habitação para soluções pouco liberais, umas vezes por intervenção do Estado como promotor, outras vezes pelo condicionamento administrativo dos promotores privados.
O primeiro tipo de medidas, as que colocam o Estado como promotor, são, apesar de tudo, as que menos influência negativa têm no mercado: o Estado compra ou expropria terrenos, constroi e vende ou aluga pelo preço que entende.
Frequentemente o resultado é pavoroso, quer do ponto de vista da qualidade do espaço público, quer do ponto de vista da qualidade da habitação de cada um, gerando problemas sociais relevantes quando este tipo de intervenções concentram agregados familiares de baixo rendimento, sobretudo se os sistemas de gestão pública, como acontece em Portugal, são ineficientes, opacos e venais.
Aqui e ali dão bons resultados que tendem a evoluir para a segregação social urbana, com exclusão dos mais pobres, como tem acontecido, pelo menos em Lisboa, nos antigos bairros sociais do Estado Novo.
Muitas vezes a exclusão dos mais pobres deu origem a imensos problemas relacionados com a construção ilegal, incluindo os bairros de barracas, porque as sociedades tendem a encontrar soluções fora do enquadramento legal, quando o enquadramento legal as exclui de bens sociais essenciais.
Quando os Estados optam pelo condicionamento habitacional puro e duro, como tem sido dominante em Portugal, geram-se facilmente problemas de segregação social - ao contrário do que pensa a actual Ministra da Habitação, mesmo que todos tenhamos direito a viver nas zonas mais caras de Lisboa, não conseguimos viver todos no mesmo sítio sem degração das condições desse sítio - escassez de habitação, inadequação espacial com segregação das áreas de emprego e residência, com o que isso implica de ineficiência ligada à necessidade de mobilidade, etc..
Claro que se eu não posso construir a minha casa quando entendo, no sítio que entendo - desde que seja meu -, da forma como entendo, toda a ineficiência do processo de licenciamento e aprovação se vai reflectir em preços mais altos de habitação, visto que tempo é dinheiro e atrasos implicam custos.
Também é certo que a ausência de regulação do mercado tenderá a potenciar conflitos entre diferentes interesses, no sentido em que o meu vizinho tenderá a irritar-se com o facto de eu lhe erguer uma parede a cinco centímetros da sua janela.
O equilíbrio entre os diferentes interesses é difícil e delicado, mas em vez de se optar pelo licenciamento prévio para evitar conflitos (que nunca evitará totalmente, como toda a gente sabe), pode sempre optar-se pela definição da regra genérica de cada nova acção não poder prejudicar o que existente, deixando aos seguros e aos tribunais a resolução dos conflitos, com pesadas consequências financeiras para quem, grosseiramente, viole os direitos de terceiros.
Se o Estado não licencia o suficiente, isso gera problemas de escassez, o que conduz a aumento de preço, se existir procura em crescimento.
Se o Estado mantém a opacidade quer sobre o processo de produção, quer sobre a economia relacionada com a habitação (nos EUA, no momento em que uma venda de uma casa se faz, a informação do preço a que foi vendida é imediatamente pública, tanto quanto sei), e se todo o processo de produção e disponibilização de habitação depende do Estado, talvez fosse a altura para deixar de pedir sempre mais intervenção do Estado num mercado cujas principais distorções decorrem da excessiva e irracional intervenção do Estado.
Talvez seja a altura de acabar com o condicionamento habitacional e trazer um bocado de liberdade ao sector.
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O post não é sobre essa escolha, mas sobre o drama...
Concordo. No entanto, diria que, na mesma semana e...
Da dor-de-corno e das suas insondáveis ramificaçõe...
Acho que também já fiz isso
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