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Vivemos um tempo em que a nota dominante nos nossos quotidianos ´é o cagaço. Não é bem o medo porque os portugueses não gostam de expressões radicais. O cagaço é a versão descontraída do medo, é a expressão do que realmente sentem mas que causa algum desconforto quando dita na versão correta. Não por acaso quando alguém aborda outro e lhe pergunta “estás com medo?”, a resposta seja, frequentemente, a de que “estou com algum cagaço”.
Assim, os pais não levaram, na sua maioria, os filhos às creches (quando estas reabriram) pois tiveram cagaço.
Os jornais não criticam o Governo pois estão com o cagaço de não receberem os tão desejados apoios do Estado.
Marcelo Rebelo de Sousa aceita o apoio de António Costa para a sua reeleição pois está com cagaço de não ganhar à 1ª volta.
António Costa acompanha em, quase, tudo o PR pois tem cagaço de ficar isolado quando chegarem eventuais consequências negativas resultantes das decisões governamentais.
Rui Rio não faz a oposição que devia pois tem cagaço de ser mal interpretado.
Os desportistas que correm nos jardins de Lisboa andam de máscara pois estão cheios de cagaço de serem infetados por alguém que possa estar sentado no banco de jardim sem a máscara.
Muitos trabalhadores em regime de teletrabalho vão tentar, a partir de 2ªF, não regressar aos escritórios pois estão cheios de cagaço do distanciamento entre colegas.
Os transportes públicos andam (excepto aqueles que transportam um grande número de trabalhadores para as zonas industriais) quase vazios (se não conseguem imaginar o elétrico 28 vazio proponho que vão até à Estrela ou ao Camões) pois os chamados utentes, como eu, têm cagaço.
Os doentes não vão às consultas de rotina nos hospitais pois têm cagaço de serem contaminados.
Os médicos consultam telefonicamente os seus doentes pois estão com cagaço quer de os contaminar quer (no caso da medicina privada) de os perder.
Os restaurantes só se vão safar se tiverem esplanada pois os clientes estão com cagaço de permanecer em espaços fechados.
Assim vai o país com o cagaço a condicionar (quase) tudo. Mas é mau ter cagaço? Num tempo de incerteza e de grande ignorância sobre o que acontecerá no dia seguinte, talvez que algum cagaço seja seja recomendável. O que é, mesmo, incompreensível é o cagaço do risco que não existe.
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