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Passei umas férias sossegadas entre os cúmulos de sossego da vida apeada de praia, rua e restaurante. Na casa alugada umas semanas na pacata vila não coube nem faria sentido dispor, portanto, de mais que os 4 canais televisivos da ordem e suas programações rasteiras e rigorosamente idênticas. Dispensei-me de telejornais, apesar de, estando muitos jornalistas de férias, eles prometerem ser melhores. Esta falta de programação e notícias poderia parecer um pesadelo, mas, mal voltei, vi que afinal era uma benção.
Comecei a rentrée assistindo a uma entrevista de Cristiano Ronaldo por Judite de Sousa. Que começou a entrevista afirmando que a fazia em condições muito difíceis. Ora, Judite de Sousa vive a tragédia horrível e insanável da morte de um filho. Devemos lamentá-la, rezar por ela e pelo filho. Mas ou está apta para trabalhar ou não está (o que seria compreensível). O que não é nem normal nem admissível é que uma entrevistadora abra uma entrevista importante com um apontamento da sua vida pessoal. É o que nenhum bom jornalista, em programa nenhum sério do Mundo, em circunstância alguma, alguma vez faria. Entre nós isto é por vezes pintado como compaixão, ou solidariedade, ou calor humano. Mas não é. É só completa falta de propriedade e profissionalismo.
Cristiano Ronaldo, porém, esteve bem, em absoluto -- mostrando que não é apenas um grande jogador, mas também um homem sereno, maduro, cosmopolita e inteligente -- e esteve melhor ainda comparativamente. Perguntado sobre por que razão chorara durante a entrega do prémio de melhor jogador do Mundo ao falar do seu filho, Cristiano respondeu que era normal «mas preferia não falar disso» em antena. Era uma bofetada com luva e a prova de que tem mais bom senso e classe no dedo mindinho do que algumas pessoas no corpo inteiro. E a comparação foi saudável.
Vi, mais recentemente, que Cristiano Ronaldo nos prestou outro bom e pedagógico serviço ao não estar presente no jogo da selecção de Paulo Bento com a Albânia. É que o talento de Cristiano Ronaldo poderia ter disfarçado a enorme incompetência, a complacência descarada, o imobilismo interesseiro que presidiram às «mudanças» da selecção de Bento. Tendo Cristiano jogado (e provavelmente marcado), até poderia ter convencido alguns tolos de que a culpa da mediocridade do Brasil era de facto e apenas da humidade e do departamento médico, e de que os mesmos processos medíocres não conduzem aos mesmos desastres. Assim, lá obtivemos a prova provada de que as coisas são ao contrário. O que é bom. Melhor ainda foi sermos tão gritantemente recordados da falta de critério, plano e competência de seleccionador e federação, ainda que para isso tenhamos tido que suportar mais um discurso entaramelado e boçal, cheio de falta de visão e desculpas. O que, sendo embora esclarecedor, foi penoso.
É mau, porém, que os comentadores desportivos de Sic e RTP, com destaque para o inefável Rui O. Costa, continuem a replicar os argumentos mais obtusos das empresas mais escleróticas de antigamente, que pretendiam empregados com menos de 35 anos, todavia com mais de 30 de experiência. Segundo aqueles comentadores, portanto, a selecção não presta porque os velhos jogadores estão em declínio, mas os novos não devem jogar porque não têm experiência. Exceptuam-se, (esperançadamente, por competência do coordenador) os programas desportivos da TVi, o Contragolpe, destemido e desabrido, e (prevejo com segurança) o Prolongamento, sempre uma lufada de ar fresco, inteligente, elegante e bem humorada.
Quando venci a relutância e regressei aos noticiários políticos, aterrou-me o enviesamento de sempre em cima: um desvelo, uma avidez, uma prodigalidade para as profundas, indizíveis, assustadoras vacuidades dos candidatos socialistas ao desgoverno; uma intenção tosca e desonrosa de omitir tudo o que seja desconfortável para a narrativa socialista (como a queda do governo de Hollande e a saída do ministro da economia que lá fazia o papel de palhaço legitimador da esquerda que cabe ao Zé na CML e ao Bloco e ao PC nacionalmente, queda e saída que passaram praticamente em branco); e uma parcialidade raivosa e histérica anti-governo (como esse frenesim de dar relevo numa reforma judicial a um computador que ainda não está ligado ou a uma secretária que está fora do sítio, pulsão realmente pateta e provinciana, própria de quem nunca teve notícia nem viveu uma mudança de instalações de alguma grande empresa privada e dinâmica; e como essa tristeza profunda de ver que só através de uma entrevista da ministra é que sabemos de números e dados reais esclarecedores e importantes, que as redacções esconderam, calaram, esqueceram, omitiram, vergonhosamente, miseravelmente, indignamente, sem brio e sem honra).
Nas notícias internacionais, porém, o simplismo e o tremendismo com que são abordados os diversos temas esteve ausente nas sérias e competentes reportagens de José Rodrigues dos Santos, da RTP, no Iraque. José Rodrigues dos Santos não é, confesso, a minha «cup of tea» literária, mas o jornalista é respeitabilíssimo, e as suas intervenções foram oportunas e corajosas (ou não arriscasse ele literalmente o pescoço ao reportar da frente de guerra contra os trogloditas do Islão, religião de paz e degola). E o homem fala português, usa preposições correctas, não diz «parecido a», nem «semelhante com», nem «determinado em», é fluente, libertou-se dos insuportáveis tiques radiofónicos que enchem de «ahnnnnnns» e «entãos» as pausas e prolongam os plurais para serem mais «longosssheees». No lado bom das notícias reconheci, é verdade, a importância do cabo, onde Rai, Sky, France, BBC e CNN me informam mais e mais profundamente em 10 minutos do que os seus pares (passe a ilusão) portugueses em 10 horas. Mas basta sintonizar quando a ocasião é de crise.
Também vi outra vez o Marcelo, mas não preciso de ver mais o Marcelo. O Marcelo jaz agora na mais cuidada equidistância, com uma pitada de extremosa leniência perante qualquer patetice socialista, com uma pitada de judiciosa crítica sobre qualquer debilidade coligada. Marcelo está rigorosamente ao centro, Marcelo está absolutamente ao meio de coisíssima nenhuma. Marcelo um dia olha para trás e vê que não tem ninguém a segui-lo. Ou talvez tenha. Talvez ainda lhe bebam a prudente centralidade, avessa a todo o confronto, alguns lares pequeno-burgueses e doces da Quarteira, Queluz de Baixo e Gaia.
Tentei regressar aos hábitos de informação de que não tive quaisquer saudades em férias. Mas concluí da leitura ansiosa de jornais e das já longas horas de penitência audiovisual que, tal como ouvia dizer, os jornais já morreram e os noticiários televisivos nacionais sobretudo desinformam. Decidi, portanto, que nas horas em que não estiver a trabalhar continuarei de férias.
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A Europa inteira tem este problema comum, que não ...
A lei foi escrita, essencialmente, por Almeida San...
Exactamente. Este país tem aturado tanta aberração...
"As elites globalistas portuguesas tal como os seu...
Caro Henrique,Normalmente estou de acordo consigo....