Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




Nós e pensamento mágico

por henrique pereira dos santos, em 28.11.22

Os censos de 2021 são claríssimos na identificação de uma sociedade doente e estagnada.

Não por se perder população, isso pode ter vantagens, mas pelas razões pelas quais se perde população: temos sociedades pouco dinâmicas, viciadas no dinheiro fácil dos fundos e dos projectos, que esperam que os outros, em geral o Estado, lhes venham resolver os problemas da sua vida.

Ainda ontem ou anteontem vinha mais um demógrafo falar do povoamento da raia na primeira dinastia, e nas políticas dessa primeira dinastia, para justificar as políticas de povoamento do interior que, na sua opinião, o Estado deveria levar a cabo, custasse o que custasse.

Lá cuidar de discutir onde iria o Estado buscar os recursos para isso, e qual seria a eficácia face à alternativa de reforçar a autonomia das pessoas pelo recuo do Estado onde ele não faz falta, isso é que está quieto.

Talvez para não lembrar que grande parte dos recursos da primeira dinastia resultavam das pilhagens de guerra e o povoamento se fazia aumentando a liberdade económica, a segurança das pessoas, o acolhimento de estranhos e a autonomia das comunidades, portanto, como modelo a usar, talvez precise de um bocadinho mais de discussão.

Tal como não lhes ocorre pensar que uma das principais razões para o crime de tráfico e exploração de imigrantes ilegais esteja numa política de imigração que talvez valesse a pena discutir, porque há um evidente problema de mão de obra em alguns sectores económicos, incluindo aquele que está por trás do único concelho que, no mapa da variação populacional entre 2011 e 2021, está manifestamente em contra-ciclo, com um aumento de população bastante catita, não sendo um concelho urbano.

Infelizmente as nossas elites estão cheias deste tipo de pensamento mágico que defende que se está calor, o que é preciso é tomar medidas para baixar a temperatura, sem cuidar de saber como se faz e que consequências não pretendidas têm essas medidas.

Um bom exemplo é o desta investigadora que entende que se devem proibir os despejos até a crise da habitação estar resolvida.

Sublinho, trata-se uma investigadora que estuda academicamente o assunto, não se trata de uma pessoa que nunca pensou no assunto e acordou um dia a pensar que para resolver o problema da habitação, proibir os despejos é "uma das coisas muito simples que se pode fazer, para ajudar a mitigar esta crise de habitação, e óbvia, é, por exemplo, parar os despejos".

O óbvio é uma coisa muito subjectiva, portanto para Ana Gago, é simples e óbvio que parar os despejos ajuda a mitigar a crise da habitação.

Já, para mim, é óbvio que impedir os despejos aumenta a insegurança dos senhorios, o que os leva a não querer arrandar casas, o que diminui a oferta, o que faz aumentar os preços para compensar o aumento do risco e a diminuição da oferta, o que aumenta a crise da habitação.

Tal como é óbvio, para mim, que ninguém quis ou decidiu que o país tenha a dinâmica populacional que tem, incluindo o despovoamento de grande parte do seu território, mas que isso resulta de processos económicos e sociais globais, profundos e fortes, pelo que é tempo perdido tentar reverter essa dinâmica com base em políticas públicas activas.

O que para mim é óbvio é que o mais eficiente é perceber essa dinâmica, perceber que ela tem na base uma dinâmica social e económica que ultrapassa largamente o poder do Estado, portanto não é do Estado que virá qualquer solução relevante para evitar que haja pessoas que fiquem para trás.

E é também óbvio, para mim, que são as pessoas e as suas comunidades que serão capazes de, nessas circunstâncias, criar dinâmicas que tornem as suas vidas melhores, adaptando a famosa ideia de que é preciso resignação para aceitar o que não se pode mudar, força para mudar o que se pode mudar e sabedoria para distinguir as duas coisas.

O que inclui a capacidade para as pessoas, e as comunidades, influenciarem o Estado para que deixe de favorecer mecanismos socialmente negativos, como andar a fazer leis estúpidas de prevenção de incêndios que consomem recursos e resultam no agravamento do problema, e passe a favorecer mecanismos socialmente úteis, como pagar a quem faça gestão de combustiveis de forma a que o seu terreno não tenha mais de 50 cm de altura de combustíveis finos ou, sendo mais radical, que mude a capital para Castelo Branco.

Sendo ainda óbvio que é completamente inútil dizer que as pessoas do interior são orgulhosamente graníticas e sabem muito bem o que querem (as pessoas do interior são, essencialmente, iguais às do exterior), só precisam é de ser tratadas com justiça e equidade, coisa que "eles" não fazem porque não querem.

Mas isto sou eu a falar, o óbvio para outras pessoas são outras coisas, como ser simples e óbvio parar os despejos até estar resolvida a crise da habitação.


39 comentários

Imagem de perfil

De henrique pereira dos santos a 30.11.2022 às 14:42

Continuo ser perceber por que razão a taxa da natalidade é o verdadeiro problema e continuo sem perceber como as suas explicações anteriores esclarecem as razões da diminuição da taxa de natalidade na China e Índia.
Sem imagem de perfil

De Elvimonte a 30.11.2022 às 17:26

saldo populacional = nascimentos - óbitos + imigrantes - emigrantes


saldo natural = nascimentos - óbitos


saldo migratório = imigrantes - emigrantes


O saldo natural é negativo há anos (desde 2009) e tem vindo a agravar-se. Tem havido alguns anos em que saldo migratório é positivo e compensa o saldo natural.


Encontra aqui uma tabela com os três saldos que talvez o ajude a perceber:
https://www.pordata.pt/Portugal/Saldos+populacionais+anuais+total++natural+e+migrat%C3%B3rio-657


Os casos da China e da Índia são condicionados pelas políticas estatais anteriores e presentes no que respeita à natalidade, sendo isso patente nas citações apresentadas a esse propósito no meu comentário anterior . Por esse motivo não devem ser incluídos na análise.
Imagem de perfil

De henrique pereira dos santos a 30.11.2022 às 18:20

Peço desculpa por ser tão obtuso, mas continuo sem perceber por que razão a taxa da natalidade é a questão fundamental (não só não entendo por que razão o saldo populacional ser positivo é tão importante, como não percebo porque escolhe a taxa de natalidade como a questão fundamental e não o saldo migratório, como ainda por que razão não considera a taxa de natalidade um mero resultado de questões anteriores).
Se a baixa da taxa de natalidade na Índia e China era resultado de políticas de Estado, então passou a aumentar quando foram removidas essas políticas de Estado, certo?
Sem imagem de perfil

De Elvimonte a 01.12.2022 às 00:52


Ter dúvidas, levantar questões e querer aprofundá-las são actos salutares. Obtusos e detestáveis são os yes men e as yes women. Às questões e às dúvidas, tanto quanto possível, há que dar resposta fundamentada e honesta, muito embora no processo certas susceptibilidades saiam melindradas, o que por vezes é inevitável.


"por que razão a taxa da natalidade é a questão fundamental" (HPS) 
Porque a taxa de natalidade é o principal indicador de evolução populacional e tem apresentado tendência de descida acentuada 
 (vd. https://www.ined.fr/en/everything_about_population/data/europe-developed-countries/fertility-indicators/, link já referido anteriormente), situando-se bem abaixo do clássico limiar estatístico de reposição populacional de 2,1 filhos/mulher pelo menos desde 1990, pelo que é mostrado na tabela.


Em 1980 estávamos em Portugal com 2,25 filhos/mulher e em 2019 apenas com 1,43 filhos/mulher. A não haver compensação através do saldo migratório, o saldo populacional será negativo.


"não entendo por que razão o saldo populacional ser positivo é tão importante" (HPS)
E eu não sou a pessoa indicada para o esclarecer sobre esse aspecto, uma vez que não escrevi anteriormente nada que se lhe assemelhe.

Sem imagem de perfil

De Elvimonte a 01.12.2022 às 00:53

"não percebo porque escolhe a taxa de natalidade como a questão fundamental e não o saldo migratório" (HPS)
Em parte já respondida anteriormente. Mas vamos a uns números de saldo natural, onde a taxa de natalidade está implícita, e saldo migratório ( vd. https://www.pordata.pt/Portugal/Saldos+populacionais+anuais+total++natural+e+migrat%C3%B3rio-657, link já referido anteriormente) para que não subsistam dúvidas.


Somatório de saldo natural entre 2009 e 2021 = -285 

Somatório de saldo migratório entre 2009 e 2021 =  74.1


Estas continhas de merceeiro qualquer um as pode fazer, está tudo na referida tabela da Pordata, e mostram que o saldo natural, onde está implícita a taxa de natalidade, refira-se mais uma vez, é maior do que o saldo migratório por uma ordem de grandeza. Sendo assim, atendendo a determinadas regras de simplificação de equações, o saldo migratório é desprezável.


"não considera a taxa de natalidade um mero resultado de questões anteriores" (HPS)
Não escrevi isso em parte alguma anteriormente, muito pelo contrário:
"Se a taxa de natalidade tem estado a diminuir no mundo ocidental e nos países desenvolvidos, o problema está relacionado, entre outras causas, com as reais condições - económicas, sociais, culturais, etc. - de vida das pessoas." (Elvimonte)


"Se a baixa da taxa de natalidade na Índia e China era resultado de políticas de Estado, então passou a aumentar quando foram removidas essas políticas de Estado, certo?" (HPS)
Relativamente à China e à India, aquilo que apresentei são citações. Acrescentei posteriormente que, fruto das políticas estatais relativas à natalidade, não podiam ser incluídas na análise, o que mantenho. 
Como nota, penso que a Índia ainda mantem uma política de contenção da natalidade e a China, como é sabido, alterou o limite de 1 para 3 filhos por casal, embora sem grande sucesso. Para além de outros condicionalismos, uma população fora da idade fértil é incapaz de gerar descendência.
Sem imagem de perfil

De lucklucky a 01.12.2022 às 18:55

A taxa de natalidade é o verdadeiro problema porque com menos portugueses estes perdemos influência, ideas e capacidades  e disuasão de eventuais inimigos.
O aumento da complexidade deveria-nos queres pelo menos 20 milhões de Portugueses.


Dou um exemplo. Com 5 milhões de pessoas existiria o Cristiano Ronaldo?

Comentar post



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • Hugo

    A confiança constrói-se. Já se percebeu com quem M...

  • Filipe Bastos

    Perante resposta tão fundamentada, faço minhas as ...

  • Filipe Bastos

    O capitalismo funciona na base da confiança entre ...

  • anónimo

    "...Ventura e António Costa são muito iguais, aos ...

  • lucklucky

    Deve ser por a confiança ser base do capitalismo q...


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2023
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2022
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2021
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2020
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2019
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2018
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2017
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2016
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2015
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2014
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2013
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2012
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2011
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2010
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2009
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2008
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2007
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2006
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D