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Chamou-me a atenção no passado sábado (sim, continuo a ler o Expresso aos sábados) o artigo da Eugénia Galvão Teles que fazia referência aos resultados de um estudo de uma equipa de economistas sobre a importância do “Capital Social” (a rede de relações) feito através da análise das amizades de 72 milhões de americanos no Facebook publicado na revista “Nature”. Acredito que com gráficos coloridos e números minuciosos a evidência da relevância do meio que cada um frequenta para o seu sucesso ganhe outro brilho, no caso um “fundamento científico”. É sob esse mote que a autora reclama a legitimidade das famosas quotas no acesso ao ensino superior para as escolas dos bairros desfavorecidos. Ainda na área do ensino, que é supostamente o principal campo de batalha para a mobilidade social (não caí no erro de escrever luta de classes), a cronista bate-se na defesa dum ensino público interclassista, porque “os mais prejudicados com o desaparecimento dos mais ricos da escola pública são os mais desfavorecidos”. Nada mais verdadeiro: em termos práticos quer dizer que urge promover, portanto, a liberdade de escolha no ensino. Ao contrário, tudo o que a marca socialista nas nossas políticas tem feito nas últimas décadas em Portugal vai no sentido da consolidação dessa estratificação social, dividindo os mais pobres e os menos pobres entre escola publica e privada. É disso exemplo a extinção progressiva dos contratos de associação do Estado com as escolas privadas, que as tornava acessíveis aos mais desfavorecidos – uma bandeira do governo da geringonça.
Essa estratificação social tem-se vindo a agravar de tal forma que suspeito que para muita gente com menos de quarenta anos seja difícil de acreditar que eu, um autêntico “menino família”, no final dos anos sessenta tenha frequentado a 1ª e 2ª classe na Escola da Câmara n. 6 em Campo de Ourique (paredes meias com o Casal Ventoso) e a 3ª e 4ª classe na Escola n.º 68 da Rua da Bela Vista à Estrela. Isto pela altura da reforma do ministro Veiga Simão, quando há muito a primária era obrigatória e estava universalizada, se não em Portugal, pelo menos em Lisboa. Escusado será dizer que isso acontecia com bastante normalidade no meu meio social, solução vista nas grandes famílias como uma forma de nos preparar para a “vida real”. O bem que me fez e os amigos que ganhei.
Outra instituição de particular importância na “miscigenação” social que também não é muito querida dos poderes em voga é a Igreja Católica, que ao contrário de algumas caricaturas sempre foi um espaço interclassista e intercultural. Nas paróquias, toda a sorte de actividades, desde a catequese aos retiros espirituais, passando por peregrinações ou campos de férias, sempre me pareceram espaços profundamente interclassistas, duma mistura saudável de diferentes sensibilidades e vivências. Sendo também possivelmente do desconhecimento das actuais elites nas suas bolhas, nos dias de hoje, no nosso país, à frente de algumas comunidades paroquiais, podemos encontrar padres de diferentes etnias, africanas ou orientais, espelho de uma diversidade social e étnica que se estende aos fiéis que as frequentam. De resto, todos os grupos de interesses, mais ou menos formalmente associados, continuarão sempre a tudo fazer para subir a escadaria do poder, favorecendo relacionamentos endogâmicos. Por exemplo, não conheço grupo social mais estratificado e preconceituoso que o académico, mas será injusto não referir muitos outros, sejam de advogados ou economistas, que cuidadosos nas suas ligações pessoais se promovem mutuamente, na ânsia de reconhecimento ou promoção social – é da natureza humana.
O que me parece certo é que em Portugal é difícil encontrar pessoas descomplexadas e descomprometidas com os corredores do poder – somos pobres e mal-habituados. E o pior é que neste nosso mundo hedonista existem cada vez menos pessoas que percebam qual é o poder que realmente conta e verdadeiramente liberta. Esse problema não se resolve com enfáticas denúncias, decretos ou medidas ortopédicas. Só através da mudança do coração de cada um. Para explicar isto não são necessários gráficos e dados estatísticos, talvez baste perceber o verdadeiro sentido Natal.
Tenho pena que o artigo da Eugénia Galvão Teles, que é uma pessoa civilizada, não tenha ido por aí.
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