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"Nós"

por henrique pereira dos santos, em 11.05.23

Já devo ter feito algum post com este título, que eu gosto do Cesário Verde e várias vezes me tem sido útil o que escreveu: "Nós vamos para lá; somos provincianos,/ Desde o calor de maio aos frios de novembro!".

Vem isto a propósito do meu post anterior em que louvava o efeito civilizador da repressão.

Sem surpresa, aparecem as caixas de jornais dos países civilizados, como se os cestos dos peditórios das missas não circulassem em Portugal sem ser preciso um polícia para impedir as pessoas de ficarem com o dinheiro.

Lá vem a educação e a cultura dos povos, mesmo que se reconheça que fora do contexto em que esses povos são educados e civilizados existem milhares de exemplares de civilizados que se mostram trogloditas e trogloditas que se comportam como civilizados, quando transportados para os contextos sociais dos civilizados.

Porfírio Silva (sim, o do PS, que conheço pessoalmente, de quem gosto, o que não me impede de reconhecer nele um grande sectário) tem um livro muito interessante chamado "Podemos matar um sinal de trânsito?", que já várias vezes tenho citado.

E cito-o por causa de uma ideia especialmente bem formulada: as normas sociais, ao contrário dos corta-relvas, reforçam-se com o seu uso, e degradam-se com a falta de uso.

As normas, por definição, definem uma fronteira.

Se cruzar essa fronteira for irrelevante, a norma torna-se irrelevante.

A mim parece-me que é a repressão associada a esse cruzar da linha que a torna mais definida, não deixando de achar curioso que se confunda o aumento da repressão com aumento da polícia, quando a repressão é anterior à polícia e a polícia não é condição suficiente de repressão.

Dizer (para usar um exemplo que foi usado a propósito do assunto) que os alunos ingleses não copiam na universidade sem discutir se a sanção para ser apanhado é a mesma que em Portugal (aparentemente, não, em Portugal ser apanhado significa a mesma sanção que não estudar, isto é, ter a prova anulada, e em Inglaterra parece que pode ter efeitos na inscrição em qualquer universidade, diz Eugénia Galvão Teles), ou falar das caixinhas de jornais sem discutir se existem caixinhas de jornais em todo o lado ou só nas zonas mais movimentadas, ou se o custo relativo de uma hora de trabalho em relação ao preço de um jornal é a mesma nos diferente países (o que tem implicações nos custos da fraude e dos mecanismos para a evitar), não serve de muito.

Já discutir a obsessão dos nossos legisladores em querer garantir mecanismos prévios para evitar a fraude, em vez de confiar nas pessoas e ter mecanismos posteriores de sancionamento da fraude, quando ela é detectada, verdadeiramente eficazes, parece-me bem mais útil.

O facto é que reconhecer que nós somos muito mais parecidos com eles nos responsabiliza muito mais pelas nossas escolhas institucionais (como é que um povo que elege duas vezes Sócrates e ainda dá uma maioria absoluta a Costa se ri das votações dos brasileiros ou da eleição de Trump?) que simplesmente dizermos que "o país é um colosso, anda tudo grosso", como ouvi ontem à administrativa que se queixava do funcionamento dos serviços públicos, citando Ivone Silva.

"Ai que prazer, não cumprir um dever", etc..


30 comentários

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De balio a 11.05.2023 às 15:57


a obsessão dos nossos legisladores em querer garantir mecanismos prévios para evitar a fraude, em vez de confiar nas pessoas


Parece-me a modos que contraditório dizer que o Estado deve confiar nas pessoas exatamente no mesmo post em que se louva o valor civilizador da repressão.
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De G. Elias a 11.05.2023 às 16:56

Não é contraditório. É uma atitude defensiva por parte do Estado e o reconhecimento implícito, por parte deste, de que não consegue ou não quer reprimir devidamente as práticas fraudulentas.


Dou um exemplo, os transportes públicos , mais concretamente, o Metro de Lisboa. Quando eu era "puto" os bilhetes eram adquiridos à entrada, na bilheteira e havia um controlo de acessos (um funcionário picava os bilhetes). Por volta de 1978, mais coisa menos coisa, o sistema de acesso à rede do Metro passou a ser aberto, ou seja deixou de haver controlos e qualquer pessoa podia entrar, devendo contudo validar o bilhete nos obliteradores cor-de-laranja que havia em todas as estações. Embora não houvesse controlo de acessos, havia uns "fiscais" que se iam passeando pelas carruagens para verificar se as pessoas tinham título de transporte e autuar as que não tivessem.
Este sistema manteve-se durante uns anos (talvez 15 ou 20, não sei bem), após o que o Metro decidiu implementar novamente um sistema de controlo de acessos, com portas electrónicas. Segundo me lembro de ler na altura, a justificação para a reintrodução de controlo de acessos era que havia demasiados borlistas (por outras palavras, a fraude era excessiva e aparentemente não se estava a conseguir controlar).
Pormenor não dispiciendo: os fiscais andavam fardados, com um crachá visível a 5 km a dizer FISCAL, e entravam todos pela mesma porta. Quem quisesse fugir aos fiscais fazia-o facilmente, bastava estar atento aos passageiros que entravam em cada estação.


Durante aqueles anos em que o sistema era aberto, o meu falecido pai, que também usava muito o Metro, contou-me um dia que na Alemanha a fiscalização era muito diferente da que se fazia cá: os fiscais andavam todos à paisana, com o aspecto de pessoas "normais" e em vez de entrarem em grupo por uma das portas estavam distribuídos por todas as carruagens, entrando um por cada porta.
Tive oportunidade de testemunhar isto mesmo quando, algum tempo mais tarde, visitei a Alemanha: os fiscais tinham um aspecto insuspeito, alguns quase pareciam "mal vestidos" (passe o exagero). Depois de as portas se fecharem, e só nessa altura, exibiam a identificação e corriam os passageiros todos. Não havia escapatória. Das vezes em que observei esta situação, ficou para mim bem claro que aquele sistema de fiscalização era eficaz e que quem decidisse entrar sem bilhete dependia unicamente da sorte pois não era possível detectar a aproximação de fiscais. O sistema não tinha brechas, ao contrário do que então sucedia em Portugal.


O nosso problema é exactamente este: o sistema tem muitas brechas e muitas pessoas especializaram-se, por assim dizer, em explorar as brechas do sistema em proveito próprio.


O Metro de Lisboa poderia ter investido num sistema de fiscalização à alemã, para resolver o problema dos borlistas. Em vez disso optou por fechar a rede.


Penso que era a isto que o Henrique se referia na questão da obsessão com a prevenção de fraudes.
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De balio a 11.05.2023 às 17:44


O Metro de Lisboa poderia ter investido num sistema de fiscalização à alemã, para resolver o problema dos borlistas.


Atualmente a mão de obra é cada vez mais escassa e cara. Um sistema à base de fiscais humanos torna-se proibitivamente caro.
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De G. Elias a 12.05.2023 às 01:19

Na Alemanha a mão de obra é muito mais cara que cá e isso não foi impedimento. A sério, não é uma questão de dinheiro e sim de vontade e organização.
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De henrique pereira dos santos a 11.05.2023 às 19:10

Como antes fizeste um comentário com a citação correcta "a obsessão dos nossos legisladores em querer garantir mecanismos prévios para evitar a fraude, em vez de confiar nas pessoas e ter mecanismos posteriores de sancionamento da fraude" não percebo a tua opção de fazer comentários sobre uma citação truncada.

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