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por henrique pereira dos santos, em 25.11.22

Foram publicados os dados definitivos dos censos de 2021.

Por município, a comparação entre a população residente em 2011 e 2021 é a seguinte:

pop 2011 2021 b.jpg

Quanto mais carregado é o azul, maior é a diminuição de população, quanto mais carregado é o sépia, maior é o aumento.

Estranhamente, em vez de discutirmos por que razão Odemira é o concelho que mais cresce em população, pelo menos fora de áreas urbanas, o habitual é dizer-se que o modelo económico em que assenta este resultado é uma desgraça ambiental, social e económica (pelo menos no longo prazo), razão pela qual deveríamos substituí-lo por outro, mais próximo do que se passa em outros concelhos com muito boa imprensa, mas muito má imagem nos Censos 2021.

Não, não se pense que são uns matarruanos ignorantes que colocam a discussão no pé em que está, são mesmo as elites, repare-se no que diz a elite dos nossos demógrafos e sociólogos, que está na academia e tem acesso a jornais:

"é preciso começarmos a repensar os nossos pressupostos de sociedade, que não estão adaptados a estas novas realidades [do envelhecimento acentuado que os censos demonstram]", Maria João Valente Rosa.

"O problema [do desequilíbrio territorial na distribuição da população residente, que se tem acentuado] até surge no discurso político, "mas os subsídios ficam aquém do que se espera e o carácter estrutural das políticas que estão pensadas também fica aquém", diz", Jorge Malheiros.

"Devíamos estar a preparar-nos em termos de infraestruturas e serviços para este momento em que vamos ser todos mais velhos: os hospitais têm de estar preparados para os picos de gripe que vão levar muito mais gente às urgências, por exemplo; dentro da formação médica e de enfermagem, temos de começar a investir nas especialidades geriátricas, temos de pensar a estruturação dos cuidados continuados; de pensar se os lares que temos hoje são aqueles em que vamos querer estar", Pedro Góis.

Perante uma diminuição de um pouco mais de 200 mil habitantes em dez anos, que só tem paralelo, nos tempos recentes, na diminuição de mais de 300 mil habitantes entre 1960 e 1970, a que se soma um acentuado envelhecimento - a população cresce acima dos 44 anos, ou seja a diminuição da população até aos 44 anos é maior que os 2,1% da média global - o que apraz dizer é que os subsídios são curtos, que os lares têm de ser melhores, que temos é de aumentar o número de geriatras, que a sociedade não está preparada para tantos velhos e coisas que tais.

Como se perante o desastre económico e social da última década que os censos evidenciam, o mais sensato fosse admitir que o Estado é que nos vai redimir e vai ser essa população crescentemente mais velha, e menor nas idades produtivas, que terá capacidade para sustentar um Estado que garanta que vamos todos envelhecer felizes.

Na década de sessenta, em que a população do país diminui um pouco mais de 300 mil habitantes, emigraram qualquer coisa como um milhão ou, mais provavelmente, perto de um milhão e meio de pessoas, o que quer dizer que a economia e a sociedade tiveram dinamismo suficiente para gerar um crescimento populacional de cerca de 700 mil a um milhão de pessoas, que compensaram grande parte da emigração.

Acresce que essa emigração foi dos agentes económicos menos competitivos e integrados em fileiras económicas em perda, como as que se relacionavam com a agricultura de subsistência, e o crescimento foi nos sectores económicos mais dinâmicos, o que se traduziu num fortíssimo aumento do PIB e, mais ainda, do PIB per capita, com uma generalizada melhoria das condições de vida da população.

Nada disso se passa actualmente, o que se passa é que a diminuição de 200 mil habitantes se faz com perda de pessoas integradas em sectores mais dinâmicos, de perda de pessoas mais qualificadas e num quadro de evidente estagnação social.

É um mito a ideia de que quem emigra são os mais qualificados. Como na generalidade dos movimentos migratórios, os mais pobres e com menos perspectivas são a maioria da emigração, a diferença, para a emigração da década de sessenta, é que a emigração actual também inclui gente mais qualificada, ainda que continue a ser uma minoria dos emigrantes.

Outra diferença relevante é que a compensação da emigração era feita a partir da sociedade que existia no anos 60, com um contributo relativamente pequeno da imigração, e hoje grande parte da compensação da emigração é feita com imigrantes, inevitavelmente pessoas com baixas qualificações e que se empregam em sectores de menor valor acrescentado (mesmo quando têm qualificações para dar um contributo maior à nossa economia), na sua maioria, exactamente porque são os que estão disponíveis para vir para Portugal, por estarem em condições piores nos seus países de origem.

E perante este quadro o que fazem as elites?

Discutem futebol, falam do valor estratégico da TAP, atacam os neo-liberais e, do alto do seu privilégio, malham nas estufas de Odemira (e em geral na agricultura intensiva), por serem social e ambientalmente insustentáveis, embora não tenham grandes exemplos no país para dizer como se poderia fazer melhor, para além de garantirem maiorias absolutas a quem tem governado durante quase todo o tempo que os censos retratam cruamente.

Pessoalmente, é-me igual ao litro, estou profissional e socialmente mais morto que vivo, e não tenho grandes ambições que me levem a precisar de muito dinheiro - gosto mais de poder gastar muito dinheiro que de contar os tostões, mas não é uma questão central para mim - só que me chateia que os meus companheiros de elite vivam em bolhas sociais tão estanques, que nem percebam o que os censos realmente dizem sobre nós.


8 comentários

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De Anónimo a 25.11.2022 às 11:14

Há anos que identifico os dois maiores e mais graves problemas do país:
-- o decréscimo da população
-- a corrupção



O resto decorre destes dois num ciclo vicioso sem fim (desequilíbrio territorial, desertificação, falta de dinamismo económico e não só, declínio, desgoverno, desnorte em gastos malbaratados, estagnação, envelhecimento, empobrecimento e consequente dependência cada vez maior das ajudas do Estado, que depois o governo "capitaliza" em votos, etc.etc.etc) . Mas ninguém quer ver... Há uns anos, quando Paul Krugman veio ao nosso país deteve-se demoradamente nuns indicadores que o deixaram muito apreensivo e apontou-os, pois considerava aqueles números muito preocupantes: era exactamente a taxa de natalidade e o consequente decréscimo populacional do país.
Perguntamo-nos: E os nossos governantes não sabem disto???
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De G. Elias a 25.11.2022 às 15:26

Mas porque é que o decréscimo da população é um problema? Será que o nosso modelo de desenvolvimento só é sustentável se a população crescer ad infinitum?
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De henrique pereira dos santos a 25.11.2022 às 15:40

Tens mesmo a certeza que o post diz que o decréscimo populacional é um problema em si?
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De G. Elias a 25.11.2022 às 16:01

Não diz, mas o meu comentário era uma resposta ao comentário do anónimo que identificava o decréscimo populacional como um problema. 
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De henrique pereira dos santos a 26.11.2022 às 07:04

Tens razão, só vi depois de comentar. Depois deixei ficar o comentário para reforçar o que está no post: perder população em si (ou emigrar) não é um problema em si, no nosso caso a questão central é ser um reflexo de uma sociedade incapaz de produzir riqueza suficiente para criar uma sociedade atractiva.
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De Anónimo a 26.11.2022 às 09:09

Queria acrescentar que as pessoas do interior não estão fatalmente  condenadas a falhar e ao insucesso. Mas posso assegurar que os que singram _e são bastantes, felizmente_  são autênticos casos de superação individual, pois conseguiram galgar, a custo, as suas circunstâncias e a sua condição inicial.
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De Anónimo a 26.11.2022 às 11:01

Se reparar, caro Sr., não divergimos assim tanto e acabamos a partilhar os mesmos pontos de vista. O Sr. Arq. acha que a pequeníssima parcela da realidade  que descrevo é a causa e tem como consequência a falta de gente. E eu acho que a falta de gente origina o que eu descrevo... por falta de gente. É uma pescadinha de rabo na boca. 
Em última instância, a culpa é da nossa pobreza e falta de recursos e de uma certa visão política cujo único talento conhecido consiste em canalizar todo o investimento e "verbas" para onde houver gente (leia-se "eleitores /votos") e daí, negligenciarem todo o interior, entregando-o à sua sorte, sem criarem quaisquer incentivos de fixação de gente para dinamizarem e desenvolverem essas zonas territoriais! Julgo que foi a pensar nessas "políticas de atractividade" para corrigir estes desequilíbrios, que o Sr. há tempos defendeu a deslocação da capital para o interior (Castelo Branco) o que, convenhamos, também resolveria outros problemas, tais como o da sobrelotação das grandes cidades e o consequente problema da habitação, poluição, entre outros. O Sr. sabe melhor do que eu e tem escrito bastante sobre o que toca aos incêndios, à desertificação, ao despovoamento, ao (des)ordenamento do território e ao abandono das terras, etc. Soluções para reverter isto é que não vejo. 
Podia  perguntar-se (retoricamente...) aos nossos "activistas" do clima, que defendem uma vida parcimoniosa, se querem regressar aqui, a esta "áurea mediocritas" feita de quotidianos frugais que tanto exaltam! 
Ou o poder do "néon" é muito mais aliciante?...
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De O apartidário a 26.11.2022 às 14:56

Completamente de acordo consigo (e não sou do interior,mas tenho noção do país) sr anónimo, só faço um reparo,convinha usar de um nome (qualquer) no fim dos  coments  porque há vários anónimos e às tantas é confuso. Okay? 

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